Fugas - restaurantes e bares

  • Paulo Barata
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  • Os chefs, da esquerda para a direita: Matteo
Ferrantino (Vila Joya, Algarve), Henrique Sá Pessoa
(Alma, Lisboa), Pedro Pena Bastos (Esporão,
Alentejo), Maria João Malheiro (Confeitaria do
Alvor), João Oliveira (Vista, Praia da Rocha,
Portimão), Leonardo Pereira (ex-Areias do Seixo)
e Manuel Maldonado (projecto Ostraria)
    Os chefs, da esquerda para a direita: Matteo Ferrantino (Vila Joya, Algarve), Henrique Sá Pessoa (Alma, Lisboa), Pedro Pena Bastos (Esporão, Alentejo), Maria João Malheiro (Confeitaria do Alvor), João Oliveira (Vista, Praia da Rocha, Portimão), Leonardo Pereira (ex-Areias do Seixo) e Manuel Maldonado (projecto Ostraria) Paulo Barata

Boga, tainha e champanhe?

Por Alexandra Prado Coelho

O restaurante Vista, em Portimão, abriu as portas e deixou entrar o mar – mas apenas os peixes habitualmente considerados menos nobres. O desafio do jantar Mar Adentro foi perceber se com eles se podia fazer alta cozinha.

Em cima da mesa estavam dois pratos com fatias de peixe cru: num, robalo, no outro, tainha. Um peixe nobre, o outro pouco valorizado, um peixe caro, o outro muito mais barato. Mas, e no sabor, serão assim tão diferentes?
A ideia era exactamente essa: juntar peixes considerados menos nobres com alguns dos melhores champanhes. Usar boga, tainha ou abrótea na alta cozinha. E com isso discutir a pesca sustentável.

O encontro, baptizado Mar Adentro e com organização da Amuse Bouche, foi marcado para o restaurante Vista do Bela Vista Hotel & Spa, na Praia da Rocha, Portimão, onde o chef João Oliveira recebeu Henrique Sá Pessoa (Alma, Lisboa), Leonardo Pereira (que saiu do Areias do Seixo e prepara um projecto próprio), Pedro Pena Bastos (Esporão, Alentejo), Matteo Ferrantino (Vila Joya, Algarve) e Maria João Malheiro (Confeitaria do Alvor).

Pedro Bastos, da Nutrifresco, fornecedor dos peixes, estava curioso para perceber a reacção das pessoas à prova comparada do sashimi de robalo e tainha. E o facto é que ninguém achou que houvesse muita diferença entre os dois peixes, embora haja mais firmeza na carne do robalo. Apesar disso, alguns dos presentes disseram preferir a tainha.

Quando o desafiaram a trazer para o Mar Adentro peixes menos valorizados, Pedro Bastos lembrou-se imediatamente da tainha. “Se o nosso consumo é focado nos peixes mais valorizados vamos chegar a um ponto de ruptura, a que, aliás, já chegámos com o robalo selvagem”, diz. Daí que seja interessante este exercício de procurar outros peixes que possam ser alternativas. Pedro Bastos acredita que a tainha pode ter esse papel, mas, afirma, é fundamental aprendemos a distinguir a de qualidade.

“A que é mais valorizada é a que aparece nas zonas mais distantes da costa, com águas mais oxigenadas e uma alimentação mais limpa”, explica. “O problema é que a tainha tem tendência para entrar pelos estuários e portos, zonas de água mais suja” e isso leva a que seja associada à ideia de um peixe poluído. Garantir que é a tainha de mar aberto que chega às lotas é, diz, um trabalho dos fornecedores, que devem preocupar-se não só em identificar as espécies (há quatro em Portugal, sendo uma delas, a chamada liça arrobalada ou negrão, considerada superior ao robalo) e o local de captura.

Para além da experiência em sashimi à noite, a tainha surgira já nesse mesmo dia num almoço, também na zona de Portimão, no qual Manuel Maldonado, do projecto Ostraria (e que se prepara para uma estreia, em 2016, num restaurante no Chiado, onde não usará electricidade nem gás, mas apenas a grelha e o fogo), preparou tainha fumada e tainha grelhada, que, acompanhada por uma salada de beldroegas, estava à altura de qualquer robalo.

Maldonado mostrou também outra potencialidade de um produto da tainha: as ovas, que usou numa maionese. O responsável da Nutrifresco lembrou, a propósito, que os italianos transformaram as ovas da tainha num produto hoje muito valorizado: a butarga.
“A tainha é um peixe gordo e muito saboroso”, sublinha Pedro Bastos, lembrando a diferença de preço: um robalo selvagem oscila entre os 12 euros e os 35 euros, dependendo da época do ano e do calibre, enquanto a tainha pode custar entre 2,5 euros e 7 euros.

Mas regressemos ao jantar e ao primeiro prato que foi servido: lírio dos Açores, trabalhado por Matteo Ferrantino, com diferentes texturas de couve-flor e gengibre, numa composição que parecia um quadro e em que, apesar dos sabores fortes, o lírio, em fatias finas, brilhava, mostrando todo o seu potencial.
Nos Açores a pesca de arrasto é proibida, explicou Pedro Bastos e perto de 80% das capturas de lírio, um peixe cada vez mais “na moda”, são feitas precisamente em águas açorianas. “É pescado à linha e está neste jantar porque é importante promover a pesca artesanal”.

Leonardo Pereira pegou no camarão da costa, pescado no Algarve a grande profundidade, e serviu-o num “prato de coisas cruas”, como ele próprio o descreveu, com capuchinhas, dióspiro e um molho feito com “tripas de peixe rei preservadas durante sete meses”. O resultado foi um conjunto de sabores intensamente verdes intercalados pela doçura do dióspiro e uma outra doçura diferente, a das gambas.
Apesar de este camarão estar na lista vermelha de espécies em risco da Greenpeace, Pedro Bastos tem um argumento para o incluir: “É pescado a 30 milhas do hotel, enquanto nós andamos a importar marisco de todo o mundo.”

Henrique Sá Pessoa apresentou um prato que tem na carta do Alma, choco com puré de ervilhas e caril verde num caldo de galinha. Seguiu-se um prato que vinha apresentado como “bacalhau português” e que era, na realidade, abrótea. O que Pedro Bastos queria provar com a escolha deste peixe é que a paixão que os portugueses têm por bacalhau, que obriga a importá-lo em enormes quantidades, poderia ser, pelo menos em parte, canalizada para algum entusiasmo relativamente à abrótea, que tem bastantes semelhanças com o peixe vindo das águas frias do Norte.

“É considerada o bacalhau do Sul da Europa e é da mesma família, os gadiformes”, esclarece. “Temos aqui um peixe que é fascinante e é português. E ignoramos o nosso bacalhau”. Coube a Pedro Pena Bastos, do Esporão, a tarefa de realçar essas semelhanças e fê-lo tratando a abrótea inicialmente com uma breve cura de sal, para lhe dar maior firmeza (como se faz no Algarve com a abrótea arrepiada), e servindo-a com um fundo de peixe ligado com natas e champanhe.

Mais difícil foi o desafio feito ao chef anfitrião João Oliveira. Coube-lhe a boga, um peixe pelo qual alguns dos presentes confessaram não ter grande simpatia. “É difícil de comercializar porque é um peixe que se degrada rapidamente”, segundo Pedro Bastos. “Mas é da família dos sargos, safios e besugos e se estes são bons…”.

João Oliveira recheou-a com funcho e criou um molho de alcaparras com um creme de natas e cebolas caramelizadas – sabores intensos para um peixe que também os tem e que se revelou o menos consensual da noite.

Por fim chegou à mesa a sobremesa de castanha, clementina e cacau, inspirada pelo Outono – um trabalho de Maria João Malheiro, jovem chef de pastelaria que trabalhou em Paris com Alain Passard (3 estrelas Michelin) e em Portugal no Ocean (2 estrelas), o restaurante do Vila Vita Parc, e que acaba de abrir a sua Confeitaria de Alvor.
Foi ela também responsável pelos irresistíveis pães de sementes, algas e centeio que foram devorados por todos, acompanhados por uma surpreendente manteiga, trazida pelo chef do Esporão, envelhecida durante 30 dias.

Todo o jantar – era essa também a provocação – foi acompanhado por champanhe de duas casas, a Philippe Gonet e a Bertrand Devavry. Quer no caso quer no outro, champanhes muito gastronómicos, e muito diferentes entre eles, que o sommelier Miguel Martins combinou com cada um dos pratos.
E a noite dos peixes pobres e dos champanhes ricos terminou com a abertura de uma garrafa muito especial: uma Matusalem (seis litros) Cuvée Carbon da casa Bertrand Devavry. Foi alta cozinha com boga e tainha.

Um hotel num palacete de 1918

O areal da Praia da Rocha e o mar estendem-se à frente do hotel Bela Vista e da varanda do seu restaurante, o Vista. O palacete em que está instalado, sobre uma falésia, é de 1918, chamava-se inicialmente Vila de Nossa Senhora das Dores e pertencia ao industrial das conservas António Júdice de Magalhães de Barros.
Depois de um período em que esteve abandonado foi recuperado em 1934 e abriu como hotel em 36. Hoje tem como proprietária Natália Proença de Carvalho, de uma das famílias ligadas à história da hotelaria em Portugal, nomeadamente à fundação da Torralta.  

O Bela Vista, que tem 38 quatros e suites, piscina e um spa ligado à marca francesa L’Occitane, teve obras de remodelação há quatro anos e desde o ano passado faz parte da Relais & Châteaux, rede de hotéis de charme que, entre outras coisas, têm em comum a importância que dão à alta cozinha.

Desde o início de 2015 que o Bela Vista tem à frente da cozinha João Oliveira, de 28 anos, que trabalhou com Ricardo Costa no The Yeatman (uma estrela Michelin), tendo também passado pelo Vila Joya (duas estrelas). O menu de três pratos tem o preço de 67 euros, o de quatro 87 euros, e o menu de degustação completo custa 115 euros.

A praia a seus pés

Bela Vista Hotel & Spa
Av. Tomás Cabreira,
Praia da Rocha, Portimão
Tel.: 282460280
hotelbelavista.net 

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