Fugas - restaurantes e bares

  • Estrelas da cozinha na rota
    Estrelas da cozinha na rota Henrique Seruca
  • O minicone de lagostim e carabineiro, cortesia de  Miguel Gameiro
    O minicone de lagostim e carabineiro, cortesia de Miguel Gameiro DR
  • Os participantes na Rota das Estrelas visitaram as grutas de São Vicente, onde, entre outras coisas, provaram larvas e insectos desidratados, preparados pelo chef francês David Faure
    Os participantes na Rota das Estrelas visitaram as grutas de São Vicente, onde, entre outras coisas, provaram larvas e insectos desidratados, preparados pelo chef francês David Faure

Rota das Estrelas: Sabores e sensações que fazem da Madeira um caso à parte

Por José Augusto Moreira

Cinco dias, quinze estrelas Michelin e muita animação. Benoît Sinthon dá palco à tradição e produtos locais e faz da Rota das Estrelas uma festa para a gastronomia madeirense.

Mesmo quando o encontro é de mestres da vanguarda gastronómica, é imperativo ter em conta que tudo deriva das características de um bom produto e das condições naturais, cultura e tradições culinárias de cada região. Sempre assim foi e nem as mais sofisticadas técnicas, modas ou tendências o hão-de contrariar. “Quem quer uma cozinha experimental ou mutante? Os clientes [dos restaurantes] não são cobaias de laboratório e a cozinha não é um organismo geneticamente modificado”, proclamava por estes dias o incontornável Alain Ducasse, a propósito de uma alegada decadência da cozinha francesa face à emergência de um mundo de tecnologia associado às artes dos fogões. 

Na Madeira, Benoît Sinthon, o francês aculturado que deu à região a primeira estrela Michelin, não se cansa de exaltar os produtos e tradições que estão na base da cozinha local. E dá-lhes protagonismo sempre que a oportunidade surge. Seja nos menus que compõe para o restaurante Il Gallo d’Oro, seja mostrando-os e dando-os a provar a clientes e convidados de todo o mundo. Palco privilegiado é a Rota das Estrelas, o festival gastronómico que se vem afirmando no calendário internacional e que este ano juntou um leque invulgar de chefs estrelados, entre eles seis com dupla distinção.

Levou-os, como sempre, a percorrer o Mercado dos Lavradores, no Funchal, mas, desta vez, também a embrenharem-se nos sabores e aromas das áreas rurais e mais interiores da ilha, a provar os vinhos, a ir ao mar. Fazer da visita à Madeira um momento de exaltação e festa, não apenas gastronómica mas também sensorial emocional. Aos sabores, juntar as riquezas naturais, costumes e tradições. 

E até o tempo parece ter percebido, oferecendo neve, bruma e nevoeiro, em vez dos habituais dias limpos e ensolarados que são a marca da região. ”Até ontem tivemos a Madeira de sol e praia, mas o que queremos é mostrar que este é um destino com múltiplos atractivos, que passam pela gastronomia, natureza, tradições e cultura”, como acentuou, referindo-se ao programa, o anfitrião António Trindade, líder do grupo hoteleiro Porto Bay, nas boas-vindas aos chefs convidados.

Cozinha e música

Gastronomia, enologia e música marcaram o arranque dos cinco dias do festival madeirense, com uma alargada demonstração de cozinha ao vivo e provas de vinho. A música, animada e diversificada, serviu como pano de fundo. Onze chefs com a sua criatividade e variedade de produtos, vinhos do mundo e de todas as regiões nacionais, em ambiente de festa, partilha e convívio.

Com um explosivo ravioli de lavagante e gengibre e outro com creme de queijo, os dois chefs holandeses com duas estrelas Michelin, Erik van Loo e Richard van Oostenbrugge, elevavam a fasquia, mas nem a ausência forçada do nosso duas estrelas, José Avillez, (muitos voos tiveram que regressar a Lisboa no passado fim-de-semana) fez baixar o tom. O seu xerém com sames de bacalhau, competentemente preparado por Filipe Pires, um dos seus sub, foi dos mais requisitados da noite. Acompanhava com amêijoa em esferificação de Bulhão Pato, de efeito arrebatador.

Também o estrelado Henrique Leis, em dupla com Paula Peliteiro (Restaurante Senhora Peliteira/Esposende), teve que trabalhar até à exaustão, curiosamente com uma versão do xerém algarvio que acompanhava vieira e espuma. Ambos tiveram o condão de destacar o excelente Parcela Única, o Alvarinho de Anselmo Mendes que claramente brilhou entre as dezenas de vinhos em prova.

Trabalho extra tiveram também Kiko Martins (primorosos ceviches) e Paulo Morais (sushi e sashimi), que igualmente se destacavam entre os onzes chefs distribuídos por um percurso que se alongava em 28 estações. Houve, assim, uma espécie de prova de fundo gustativa — com esforçados participantes, haverá que reconhecer — onde a cozinha ao vivo envolvia animadas conversas, vinhos, sommeliers, bancas de caviar, queijos, charcutaria, pastelaria, gelados, cozinha de evolução e molecular. Um percurso que tinha início com uma cascata de champanhe e sons pop-rock (banda ao vivo), intercalava com DJ, techno e ambientes psicadélicos, para terminar em calma e relaxamento com a preciosa lula (em linguini) com caldo de cogumelos e soja de Benoît Sinthon.

Pelo meio, Miguel Gameiro (escola Alain Ducasse) mostrava competência culinária com um minicone de lagostim e carabineiro (a imitar o Cornetto), mas seria com os dotes musicais que, no final, fez a festa rebentar em delírio e apoteose. Sim, o cozinheiro, que é também músico e vocalista da banda Pólo Norte, pegou na guitarra e pôs toda a gente de copo na mão a fazer estridente coro com as suas músicas mais conhecidas. A gastronomia é criatividade e festa e a música também tem sabores.

Natureza e produtos locais

No segundo dia foi tempo para os chefs fazerem uma incursão ao interior. Provar a poncha na serra d’Água, subir à Encumeada e descer das nuvens por entre a exuberância da Floresta Laurissilva até São Vicente, onde túneis de lava vulcânica desenharam interessantes grutas naturais que os locais descobriram em finais do século XIX e são visitáveis desde 1996. 

À emoção da visita ao seu interior, Benoît quis que colegas e convidados associassem sensações básicas de sonoridades, gosto e tacto, em três diferentes pontos do percurso de um quilómetro. A singela elegância de um camarão cozido, a rusticidade das carnes secas e salgadas da garoupa fumada, a diversidade de sabores de caviares e, por fim, a surpresa crocante de larvas e insectos (gafanhotos) desidratados. Com sabor a pistácio, na preparação do chef francês David Faure, que os cria em cultivo próprio e os desidrata no forno depois de passar por água fervente. 

Espaço também para dar a provar os vinhos da Quinta do Barbusano. Vinhas da parte norte da ilha, onde ao interessante Verdelho local Tito Brazão se esforça por juntar tintos e um rosé com base nas castas Touriga Nacional e Aragonez. Também na noite de véspera uma das estações de vinho era ocupada pelos madeirenses Terras do Avô, cujo Verdelho é já reconhecido. Sofia Caldeira deu agora a provar um vinho à base da casta Tinta Roriz que, como vinho local, pode ter algum caminho. 

Na aldeia, numa vivenda com palco privilegiado entre as encostas e voltada ao mar, os convidados do grupo Porto Bay e Benoît Sinthon foram presenteados com a prova de produtos locais. A par do rum, aguardentes e licores da Engenho Novo da Madeira, mulheres confeccionavam e davam a provar coisas da tradição local, como o típico couscous (com segurelha e banha de porco), os pães de noiva ou de batata. 

Também em ambiente de celebração gastronómica os jantares de segunda e terça-feira, agora servidos no contexto mais formal do Il Gallo d’Oro. No primeiro, o chef da casa teve a companhia do holandês Michel van der Kroft (duas estrelas Michelin), que usou atum e carabineiro do mar da Madeira. No último esteve em acção a brigada algarvia das estrelas, com Dieter Koschina (Vila Joya) , Hans Neuner (Ocean), ambos duplamente estrelados, e Rui Silvestre (Bon Bon), o mais jovem elemento do firmamento Michelin português. 

Aos cinco chefs estrelados juntaram-se o especialista francês em chocolates Christophe Renou (Valhrona) e o melhor pasteleiro de França 2015, Julien Boutonnet, que se encarregaram das sobremesas.

A Rota das Estrelas segue agora rumo a Norte: The Yeatman (Março), dá depois um salto a Barcelona (Nectari, 5/7 de Maio), passa por Lisboa (Eleven, 17 de Junho), Algarve (Bon Bon, Outubro), Amarante (Largo do Paço, Outubro) e termina a viagem novamente no Algarve (Vila Joya, Novembro).


A Fugas esteve na Rota das Estrelas a convite do grupo Porto Bay

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