Quando pensámos num lugar para fazer as fotos com Rui Sanches a escolha recaiu naturalmente sobre um sítio que ainda está em obras. Não seria o mais óbvio para muita gente, mas no caso do dono do grupo Multifood faz todo o sentido — afinal, parte do tempo de Rui Sanches é passado em espaços em obras, a montar novas cozinhas e a decidir o que fazer ao chão ou às paredes.
E é neste espaço, no Príncipe Real, em Lisboa, que nascerá dentro de um mês, mais ou menos, o novo restaurante do empresário. O nome ainda é segredo, mas sabe-se que é (mais) um projecto em sociedade com Henrique Sá Pessoa (Alma) com comida para partilhar e uma vertente ibérica.
Mas na entrevista Rui revela um pouco mais do pensamento que o trouxe até aqui. “Quando se replicam os conceitos na alta cozinha, a aposta é geralmente não no restaurante mais fine dining mas naquilo a que eu chamo o restaurante B.” Para percebermos o que quer dizer, dá o exemplo de um dos chefs mais mediáticos de Espanha actualmente: David Muñoz, que tem o DiverXo (três estrelas Michelin), levou para Londres o seu restaurante B, o StreetXo, que em Madrid fica no topo de um El Corte Inglès e tem o ambiente punk que é a imagem de marca de Muñoz mas a preços muito mais acessíveis. “Seguramente que Londres tem mercado para o DiverXo, mas se ele o replicasse deixava de ser tão especial”, justifica Rui Sanches.
A ideia de um “restaurante B” é ser uma espécie de “antecâmara” — neste caso do Alma, o restaurante de fine dining de Sá Pessoa, que tem também a hamburgueria Cais da Pedra, em Santa Apolónia, e um espaço no Mercado da Ribeira, ambos em Lisboa. “Existe uma grande necessidade de ter uma antecâmara do Alma o mais próximo possível dele”, afirma Rui Sanches. “É um espaço que nos permite termos cada vez melhores equipas, testar cada vez mais pratos, acrescentar novos ingredientes, novos fornecedores.”
Um dos objectivos dos dois sócios é precisamente procurar produtos diferentes e de qualidade. “Vivemos no terceiro país do mundo, depois da França e da Itália, com mais produtos com Denominação de Origem Protegida. Temos que valorizar isso e dar protagonismo a esses produtores.”
Um Alma intemporal
Foi só quando estabeleceu a sociedade com Sá Pessoa que Rui Sanches entrou no universo do fine dining. Mas acha que este é hoje fundamental num grupo como o Multifood. “O fine dining está para a restauração como a Formula 1 para o mercado automóvel. Se queremos ter sucesso na restauração amanhã temos que olhar para o que se está a fazer no fine dining hoje. É isso que vai alimentar toda a restauração, um pouco como acontece com o criador para a indústria da moda.”
Garante que trata todos os espaços que tem com a mesma atenção e dedicação (o Honorato do Chiado, por exemplo, tem um mural do artista Vhils e a pizzaria ZeroZero tem um da ilustradora Ana Gil), mas cada um tem necessidades específicas. E a experiência de montar o Alma, no antigo armazém, todo em pedra, da Livraria Bertrand do Chiado, foi um desafio muito particular.
“O pavimento é fabuloso, mas estava muito maltratado e corríamos o risco de, quando o restaurante estivesse todo pronto, as cadeiras e as mesas começarem a abanar”, recorda. “Discutimos muito sobre o que fazer e no final assumimos o risco, deixando-o tal como estava”.
Depois houve a questão do mobiliário. “Era preciso respeitar o espaço — todos os candeeiros, mesas, tudo foi desenhado pelo arquitecto”, conta Rui. “É um processo moroso mas em termos de longevidade do projecto é essencial. Todos nós conhecemos restaurantes que hoje são clássicos em Lisboa e em que as peças foram todas desenhadas por arquitectos.”
“Tudo o que temos no Alma, à excepção dos equipamentos de cozinha, é trabalho de artesãos portugueses”, sublinha. As ementas, por exemplo, “foram feitas pelo Arménio Santos, que é uma das únicas pessoas que trabalham pele à mão”. Estes são, para o empresário, cuidados que se justificam porque o grande objectivo neste caso é “tornar o projecto intemporal”. Para que dure muito tempo.