Fugas - restaurantes e bares

  • Fernando Veludo/NFactos
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A cerveja em dez etapas e 90 minutos

Por Sara Dias Oliveira

Visita à Casa da Cerveja da Unicer, uma fábrica que mostra as suas entranhas, o sangue que lhe corre nas veias, os seus líquidos mais preciosos. Há histórias que começam em 1890 e uma sala dourada com borbulhas nas paredes.

Declaração de interesses para que não haja dúvidas: gostamos muito de cerveja. De cerveja-cerveja. De cerveja que não passe despercebida às pupilas gustativas, que não as deixe apáticas. De cerveja-cerveja, pois claro. E comecemos pelo fim, pelas harmonizações, para confirmar que há coisas que combinam bem e que o paladar também é para aqui chamado — os cinco sentidos, pensando melhor. Cerveja com amêndoas caramelizadas e apimentadas cai bem, cerveja com queijo francês em tostas também, cerveja com chocolate feito propositadamente para uma bebida — e não é todos os dias que isto acontece — idem aspas. Se gostamos de cerveja, então estamos no sítio certo.

Mas antes de nos sentarmos à mesa, antes de pegarmos no copo, antes de confirmarmos que as cervejas não são todas iguais, há uma visita programada para percebermos as voltas que a bebida dá, suas origens e ingredientes, o percurso que faz, e uma história que arranca com a Companhia União Fabril Portuense e que tem 126 anos de vida, feitos em Março. E, sim, claro, há fotografias antigas, a preto e branco, que acompanham e perpetuam esse trajecto que atravessa dois séculos e já está no terceiro. E temos uma sala dourada, borbulhante, com 96.800 garrafas fundidas nas paredes. Já lá iremos.

Marta Fraga, técnica cervejeira de harmonizações, é uma das guias da Casa da Cerveja, e é quem nos acompanha por este caminho curioso onde nasce a cerveja portuguesa mais vendida no mundo, a Super Bock. Antes da caminhada, há uma sala escura com um filme de três minutos para que não nos esqueçamos que estamos na Unicer, a maior empresa portuguesa de bebidas e a maior exportadora de cerveja nacional. É difícil para quem passa na Via Norte, para não escrever impossível, em Leça do Balio, não reparar numas imensas caldeiras de cobre que se vislumbram numa sala envidraçada à face da estrada. Pois, elas também fazem parte deste percurso. Agora não é só possível entrar na sala de cobre, esse espaço que reproduz fielmente a fábrica na década de 1930, e observar mais de perto essas caldeiras que parecem ter vida própria, como entrar em locais nunca antes visitados pelo comum dos mortais. Percebemos que, pelo mundo, raras são as cervejeiras que permitem aos curiosos ver de perto linhas de enchimento de garrafas ou andar por uma fábrica de cervejas em funcionamento. Aqui, sim, é possível. 

Marta está pronta. Comecemos o percurso depois do filme que serve de introdução, de aperitivo. São 10 etapas, 90 minutos. Saberemos, a meio do trajecto, que afinal isto não é propriamente uma visita, é, acima de tudo, uma experiência. As matérias-primas estão ali à mão de semear. Marta explica a importância desses ingredientes na produção da cerveja. Como trabalham, como se misturam, como actuam. Os cereais estão à disposição, podem ser tocados, cheirados. Cevada, trigo, arroz, e ficamos a saber que o milho está na base da Super Bock original. O malte, o cereal germinado e ressecado a diferentes temperaturas, entra na conversa. E a equação cerveja = água + malte + lúpulo + leveduras começa a fazer sentido na nossa cabeça. A água, sim, a água, surge numa parede numa espécie de cascata para que não nos esqueçamos dela. Marta fala numa sopa que é feita e filtrada e o lúpulo, plantado em Bragança e que também pode ser tocado e cheirado, entra também na história. O mosto ferve. “As leveduras são muito trabalhadoras”, garante a guia. Não duvidamos.

Abre-se uma outra porta e estamos no centro nevrálgico das cervejas artesanais. Olhamos de cima para baixo e não vemos apenas máquinas, há pessoas, e sentimos que estamos perante um processo feito com pinças. A cada nova estação do ano, surge uma nova cerveja. O Verão aproxima-se e é preciso pensar na próxima criação, segundo as regras do método artesanal. “É um lugar de experimentação, lugar de criatividade, onde se pensa em cervejas”, descreve. Pensa-se em tudo, em utilizar uma alga do fundo do mar, como já aconteceu, em criar uma cerveja que caia bem com sushi. Tudo é passível de ser testado e se resultar arranja-se mais um lugar no cardápio. A Selecção 1927 — os números são do ano em que nasceu a Super Bock — é um dos exemplos das edições limitadas. Tem rolha de cortiça e é inspirada no champanhe para celebrar. 

Eis uma fábrica de cerveja a nossos pés. Explica-se o processo de produção, segue-se com o olhar as garrafas que cumprem o seu destino por entre linhas e caminhos feitos para que não haja desvios. A Casa da Cerveja da Unicer é um novo ponto do roteiro turístico do Norte do país. Tem objectos, medalhas, garrafas exclusivas, documentos e fotografias que contam momentos marcantes de uma empresa que surgiu em 1890. E tem uma sala dourada feita com 96.800 garrafas Super Bock de 33cl fundidas e que, juntas, pesam 16 toneladas. Não é por acaso. Sentimo-nos dentro de uma garrafa gigante de cerveja de cor dourada com paredes que sugerem o efeito borbulhante. O lar da cerveja só podia ser assim.

Mapa-mundo de caricas

Curiosidades, histórias, a indústria cervejeira por dentro e por fora. A voz de Fernando Pessa surge num filme de 1964 assinado pelo realizador Perdigão Queiroga. Pessa é o narrador de serviço dos 14 minutos de histórias de uma empresa que cresceu, cresceu, até conquistar o mercado. Mostra-se a linha de enchimento que, nessa altura, tratava de 18 mil garrafas por hora. Rui Reininho também aparece na primeira pessoa, num outro filme, num testemunho gravado para contar que, na década de 1980, para ganhar uns trocos nas férias de Verão, trabalhou na produção da Unicer, mais concretamente no ensacamento da dreche, para usarmos o termo técnico. A dreche, explicam-nos, é um subproduto da produção do mosto, cascas e fibras dos maltes, que é utilizada na alimentação animal.

O título de registo da marca Super Bock mostra-se de peito aberto. Assinado em 1927, custou, na altura, 66 escudos. As medalhas atestam-lhe o estatuto, a única no mercado nacional a conquistar 36 medalhas de ouro, 32 consecutivas no concurso internacional Monde Selection. Continuemos o percurso. A fábrica mostra-se na sua plenitude, sem filtros, tal como é. A linha seis é a que enche garrafas de diferentes bebidas em toda a casa. Vêem-se botões, luzes, maquinaria, escuta-se a música das garrafas encostadas umas às outras — e cerca de 55 mil são enchidas a cada hora que passa. Temos ainda um vídeo que conta a história das paletes e há 45 mil nesta empresa e 12 mil que são movidas diariamente. Mais informações pelo caminho. Em 1970, a Unicer ultrapassa os 25 milhões de litros na sua produção. As garrafas revertidas são bem-vindas às linhas de enchimento e podem voltar até sete vezes. Entramos na sala de cobre, aquela que se vê da estrada. Três caldeiras de cerveja ainda do tempo da Companhia União Fabril Portuense, três mais recentes, ajudam a perceber como era a fábrica de outros tempos num espaço com memória. Há um mosaico dos anos 1950 que mostra o processo artesanal da produção de cerveja. As caldeiras estão ligadas ao piso inferior, para onde desceria o mosto se elas estivessem a funcionar. Vimos por fora, matamos a curiosidade por dentro.

Dez etapas, 90 minutos, e o universo mais recente não fica para outra vida. As ligações óbvias à música e ao desporto estão cá. Temos todos os festivais Super Bock Super Rock de 2005 a 2015 à disposição e camisolas de jogadores de futebol autografadas. Temos uma jukebox, sofás para relaxar, uma árvore de Natal feita com garrafas encavalitadas, uma mesa de DJ para uma selecção musical. E temos um mapa-mundo com cápsulas vermelhas cravadas nos sítios onde se pode beber uma Super Bock.

A Unicer já recebia visitas de escolas e universidades em dois dias da semana. Não como agora, como uma casa dedicada à cerveja. Alexandra Mariz, da Unicer, conta que o projecto Sala da Cerveja tem objectivo definidos. “Tornar acessível a qualquer pessoa conhecer o que está por detrás de uma Super Bock, ou seja, conhecer a naturalidade do processo de produção. E trabalhar a cultura cervejeira, através da explicação de todo o processo, mas também através do conhecimento dos diferentes tipos de cerveja e das provas harmonizadas no lounge com a nossa gama artesanal Super Bock Selecção 1927”.

Voltemos ao final, às harmonizações no lounge depois de um banho de histórias. A cerveja-cerveja sabe bem sozinha ou acompanhada, depende dos momentos e da disposição. E nós confirmamos que há segredos que não devem ser guardados. A bem da sabedoria dos apreciadores. E não só. 

Informações

As visitas podem ser feitas de quarta-feira a domingo em dois momentos, às 10h30 e às 15h. Duram 90 minutos e os grupos não podem ter mais de 50 pessoas. O Mosteiro de Leça do Balio é o ponto de encontro. A partida para a Casa da Cerveja é feita num minibus a partir desse local. Há, no entanto, a possibilidade de ir buscar ao Porto, junto ao Palácio da Bolsa ou noutro local a combinar, grupos de mais de 10 pessoas.

Unicer - Casa da Cerveja
Via Norte, Leça do Balio, Matosinhos
Tel.: 932 640 126
Email: info@superbockcasadacerveja.pt; reservas@superbockcasadacerveja.pt.
www.unicer.pt
GPS: N 41º 12’ 49’’ W 08º 37’ 36.

Preços
O bilhete individual custa 8 euros e inclui duas harmonizações com Super Bock. O bilhete família para dois adultos e uma criança até 12 anos custa 16 euros, para dois adultos e duas crianças até 12 anos fica por 18 euros. Há condições especiais para estudantes, seniores e para grupos escolares e grupos com mais de 10 pessoas. Os bilhetes são vendidos na recepção da Unicer que fica ao lado da Junta de Freguesia de Leça do Balio, na Rua do Mosteiro.

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