Fugas - restaurantes e bares

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A cozinha açoriana levanta voo

Por José Augusto Moreira

Os produtos locais estiveram na base do emocionante menu que Alain-Christian Priso serviu em Ponta Delgada, durante a edição deste ano do 10 Fest. Uma saborosa viagem pela gastronomia e vinhos da região.

Com o turismo em alta e visitantes que não param de chegar de todo o lado, os Açores vivem um momento de euforia, que aqui e ali inclui também alguma apreensão sobre o rumo que o sector pode tomar no futuro imediato. Importante, neste contexto, é a gastronomia, mas esta é uma das vertentes em que a confiança e o optimismo reinam em absoluto.

No que respeita às artes dos sabores, a tripulação açoriana está afinada e pronta a levantar voo. A analogia com o pessoal duma aeronave decorre da edição deste ano do 10 Fest, o festival gastronómico que nos últimos cinco anos tem colocado Ponta Delgada no centro das atenções. Dez dias de degustação ao mais alto nível com chefs de várias origens e os produtos locais em evidência.

Foi uma espécie de viagem pelo arquipélago e seus produtos, aquela que foi proporcionada pelos chefs locais num jantar que teve a parceria da companhia aérea regional. “Apertem os cintos, a viagem vai começar”, assim se deu início à degustação que, além da exclusividade de vinhos locais, chamou também à viagem os mariscos autóctones, como cracras, lapas e lagosta, o queijo de São Jorge, peixes do mar dos Açores como rocaz, atum, boca negra, polvo e cantaril. E nem faltou o milho das Furnas ou o cabrito de Santa Maria.

Para lá dos sabores afinados e da frescura e suculência dos produtos, os chefs açorianos voltaram a surpreender pela positiva, desta vez com um ambiente, serviço e empratamento entretidos. Um dos pratos chegou à mesa com o trólei e tabuleiros, como se fosse servido num avião em pleno voo, e a sobremesa teve até um lado de interactividade, sendo os próprios comensais a fazer a preparação final. Sinal de confiança e maturidade, mas também da enorme evolução em termos de técnica e segurança. Quem os viu há apenas cinco anos!

Ao anúncio de início de viagem, seguiu-se o queijo São Jorge 24 meses, massa sovada e gelado. Numa taça elegante, com um amor-perfeito a harmonizar de forma soberba com o licoroso Adega da Buraca 2009, provavelmente o melhor vinho de sempre deste produtor do Pico.

Seguiu-se uma combinação com lula, craca, lapa, búzio e funcho do mar, que levava ainda um complemento de alga perrexil e flor de gelo. Sinfonia de texturas e afinação técnica ao serviço dos mais emblemáticos (e saborosos) produtos das ilhas atlânticas. Frescura imensa e sabor a mar, que sintonizou de forma ideal com as notas do Arinto dos Açores Espumante. Sim, também por aqui se fazem já espumantes de gabarito com o selo de António Maçanita e a sua Azores Wine Company.

Nota ainda para a elegância da louça em que foi servido. Um prato vidrado de bordos irregulares e com cores e formato a remeterem para a concha das lapas. Uma parceria com o Centro de Artesanato local a mostrar como é também dinâmica a relação da gastronomia com outras áreas de interesse e actividade.

Interessante e criativo o exercício com a “alcatra de peixe”. Dois peixes (cantaril e boca negra) num rolinho com fiambre de língua de vaca a segurar e um caldo de carnes a dar a ligação ao prato típico de carnes. Belo efeito potenciado pelo Verdelho 2015 da adega Curral Atlântis, que está um belo vinho.

A lagosta e o polvo (confitado) combinaram com o Frei Gigante 2015, da Adega do Pico, e também com o milho das Furnas em três diferentes texturas: a típica maçaroca (bebé, no caso), um crocante e um puré.

Na sobremesa, como já foi dito, a diversão veio à mesa. Chegaram primeiro os ovos (na caixa), depois leite, farinha, açúcar e manteiga (da ilha das Flores) em gelado. Cada um juntava a sua dose e saboreava. Entretido e dinâmico para terminar em convívio com o Lagido Doce Reserva 2004.

Autêntica mostra dos produtos, da capacidade culinária instalada e do potencial gastronómico dos Açores, este foi um jantar preparado a 20 mãos. Eis o registo: Sandro Meireles, Pedro Oliveira, Nuno Santos, Angelina Pedra, César Arruda, Cristina Rodrigues, Jorge Goulart, Michael Ross, Paulo Lourenço e Rodrigo Teves.

Todos ligados à Escola de Formação Turística e Hoteleira de Ponta Delgada e que espalham talento, dinamismo e valorizam a gastronomia em vários pontos do arquipélago.

Talento francês

Depois do jantar dos chefs locais, a Fugas teve ainda oportunidade para se sentar à mesa com Alain-Christian Priso, um jovem francês com raízes no Senegal que promete grandes voos. E porque nessa noite havia futebol e jogava a nossa selecção, brincávamos até que seríamos servidos pelo William Carvalho, dada a semelhança física entre ambos. Não houve golos nem pontapés na bola, mas fomos brindados por um festival de qualidade, técnica, saber e harmonia que tocou a emoção e felicidade.

Sim, uma daquelas refeições com rara capacidade de nos emocionar, sobretudo percebendo que o jovem chef não trouxe nada preparado nem serviu pratos ou criações anteriormente executados. Limitou-se a usar os produtos locais, os que encontrou no mercado e na disponibilidade da despensa açoriana. O efeito foi genial. Emocionante e saboroso!

Eis a sequência: ceviche de besugo; gaspacho de abobrinha e pepino; ravioli de salmonete, bisque de lagosta e pimenta da terra; duo de peixes dos Açores (abrótea e rocaz), couve recheada e arroz de lapas; bife grelhado com cerveja, pão de gengibre e puré de batata-doce; tarte tatin de ananás assado com sorbet de coco.

Ao apuro e conjugação de sabores, texturas afinadas, complementaridade e elegância, tudo se conjugava de forma quase perfeita e sob a aparência de desarmante simplicidade. Tudo harmonizado com vinhos franceses e com o interessante objectivo de mostrar vinhos menos conhecidos e de diversificados e menos conhecidos pontos do país. Fabulosa a forma como resultaram todas, mas mesmo todas, as combinações e também como foram seleccionados os vinhos.

Ora, é aqui que entra o outro grande protagonista. Paulo Bouca Nova é um lusodescendente, também jovem, director comercial e responsável pelas compras de uma importante cadeia de lojas de vinho em França (Le Repaire de Bacchus). Além do gosto e profundo conhecimento, tem enorme curiosidade por Portugal e os nossos vinhos. Pelos visto, é também muito assertivo no que respeita à gastronomia, já que foi da sua responsabilidade a vinda de Alain-Christian Priso, que acaba de instalar-se em Paris, junto ao Sena, com um prometedor restaurante/bar de vinhos, o L’Ardoa.

Para lá da formação sólida, das origens africanas e depois de ter passado por cozinhas de renome, o chef decidiu enveredar pela formação e prática como sommelier. Tudo isto ajuda a explicar a genialidade com que funcionaram todas as combinações e obriga a que fiquemos atentos ao seu percurso.

Dele e também de Paulo Bouca Nova e as suas opções vínicas. A ambos um emocionado muito obrigado.

Cinquenta chefs a puxar pelos Açores

É sob a batuta e com o empenho de Filipe Rocha que há cinco anos a gastronomia e os melhores produtos açorianos têm sido dados a conhecer ao mundo e à comunidade dos fogões. O director da Escola de Formação Turística e Hoteleira é quem acciona a dinâmica que faz mover o 10 Fest, o festival gastronómico que em 2017 terá a sexta edição e todos os anos proporciona dez diferentes jantares preparados por outros tantos chefs, provenientes dos mais diversos cantos do mundo.

Ao intuito original de acrescentar técnica e modernidade à formação local junta-se a evidência dos produtos locais, cuja pureza e qualidade a todos cativa. Aos peixes, carnes, lacticínios, frutas e hortícolas começam agora a juntar-se os vinhos únicos e originais cuja qualidade tem medrado de forma entusiasmante.

Tudo isto é a matéria com que têm trabalhado todos os chefs participantes no evento ao longo destes cinco anos, pelo que bem se pode afirmar que há já (pelo menos) 50 chefs de renome a puxar pelos produtos do Açores.

Além da equipa açoriana, os participantes nesta quinta edição do 10 Fest, que terminou no passado fim-de-semana, representavam sete diferentes nacionalidades. A José António Campoviejo (Espanha) e Mark Nielsen (Dinamarca), ambos com estrela Michelin, juntaram-se os portugueses Henrique Sá Pessoa (Alma, Lisboa), Diogo Rocha (Mesa de Lemos, Viseu), Leonardo Pereira (ex-Areias do Seixo), Alain-Chistian Priso (França), Ingride Neven (Bélgica), Josh De Chellis (EUA) e Charles-Antoine Crete (Canadá).

A Fugas viajou a convite do Turismo dos Açores

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