Fugas - restaurantes e bares

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Quique Dacosta: Um restaurante excepcional que vale a viagem

Por Miguel Pires

Em Dénia, junto ao Mediterrâneo, Quique Dacosta mostra por que é uma referência mundial e um dos (apenas) oito restaurantes de Espanha com três estrelas Michelin.

Quando, em Abril de 2014, se apresentou no Peixe em Lisboa, Quique Dacosta apelou ao público que enchia o auditório que viesse ao restaurante que leva o seu nome, em Dénia, próximo de Valência (Espanha). Nada de estranho no apelo. Afinal, a promoção do seu trabalho é uma das razões que leva um chef a apresentar-se nos diversos eventos gastronómicos que decorrem mundo fora. Dacosta é um dos grandes chefs da actualidade e tornou-se comum ouvir falar-se em longos meses de espera para uma mesa em lugares como o dele — sobretudo quando se tem três estrelas Michelin, ou se integra a lista dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo. Acontece que, com uma ou outra excepção — no Verão e em certos fins-de-semana do ano — não é difícil conseguir uma reserva no seu restaurante. É que, embora se situe numa localidade costeira que é uma das portas de saída para as Baleares, Dénia não é um local do hype espanhol, tal como a região em que se insere não tem o poder de atracção gastronómica de um País Basco ou de grandes centros como Madrid ou Barcelona.

Porém, este é um daqueles casos que merece a pena acreditar na definição do Guia Michelin para um restaurante com três estrelas: “Mesa excepcional. Vale a viagem.”

Parta-se de Lisboa num voo directo, pela manhã, e em menos de duas horas está-se em Valência. Daqui, pode-se alugar um automóvel e seguir rumo a Dénia (a viagem demora pouco mais de uma hora), ou apanhar um dos vários autocarros diários que saem nessa direcção (demoram duas horas). Ainda se chega a tempo do almoço. Contudo, se a reserva for para o jantar é melhor pernoitar. Assim, desfruta-se melhor a viagem e aproveita-se para um mergulho ou para conhecer o local. 

Em Espanha janta-se tarde, mas num três estrelas com um menu de degustação extenso é impreterível que se comece cedo, pelas 19h30, dado que a jornada supera facilmente as três horas de fruição — ainda que não se dê pelo tempo passar. 

A envolvente do restaurante não é a mais bela, porém o chef espanhol criou um oásis no seu espaço que nos transporta para outra dimensão. Assim, a partir do momento em que atravessamos a porta, há todo um apelo aos sentidos que nos faz sentir especiais — da gastronomia à hospitalidade, passando pela própria tranquilidade que o espaço transmite.

Quique Dacosta teve o percurso diferente da generalidade dos chefs multi-estrelados de hoje. Não frequentou a escola de hotelaria, não foi delfim de nenhum chef famoso, nem passou por restaurantes de topo. Na verdade, esteve apenas num. O actual (que até 2008 se chamou El Poblet), onde aos 14 anos começou a lavar pratos nas férias. De forma gradual, o chef espanhol foi ganhando o gosto pela cozinha, acabando por lhe tomar as rédeas e adquiri-lo mais tarde. 

A evolução, o reconhecimento e os prémios alcançados ao longo de mais de duas décadas de carreira foram tremendos. Todavia, centremo-nos no período mais recente. Em 2011, Dacosta sentiu que começava a repetir-se e que precisava de se reinventar. Resolveu então mudar a estrutura do menu e centrar-se numa cozinha mais depurada, com menos elementos no prato, mais centrada no produto e seu meio ambiente — características que viriam a acentuar-se ainda mais no ano seguinte. Os menus passaram a estar divididos por actos (snacks, tapas, pratos, carnes, sobremesas), alcançando um total de 40 a 50 propostas — uma boa parte para comer em dois ou três bocados (à mão, com uma colher ou com um garfo e só muito raramente com o auxílio da faca). 

Houve quem dissesse que, apesar da depuração, estava-se perante uma espécie de sinfonia gastronómica, o que não deixava de ser uma prova de coragem, dado que chegava em contra-corrente com a ideia de uma cozinha mais simples e directa procedente do Centro e Norte da Europa. Acontece que a aposta do chef espanhol viria a dar frutos, dado que em Novembro de 2012 o restaurante conquistava a tão desejada e difícil terceira estrela Michelin.

Experiência sem fronteiras 

A viagem no restaurante de Quique Dacosta começa pelo jardim. É neste local que somos recebidos e é aqui que chegam os primeiros snacks, enquanto se toma um aperitivo. A razão desta antecâmara parece óbvia: quebrar o gelo, descontrair e aproveitar o início de noite cálida própria de um lugar à beira do Mediterrâneo. 

O menu da presente temporada dá pelo nome “Fronteiras” e continua estruturado por actos. Porém, o número de propostas diminuiu (são agora cerca de 30), ainda que contenha mais pratos e menos tapas. Como alternativa, mantém-se o “Universo Local”, o menu que reúne pratos emblemáticos de épocas anteriores (ambos custam 199€ + 99€ com a opção de harmonização vínica). Dacosta apresenta a nova temática como uma construção a partir de uma linha de diálogo entre o seu território local e o de outras culturas trazidas das suas viagens pelo mundo.

E o que acontece quando se visita o restaurante pela segunda vez, em menos de três anos? Será possível continuarem a surpreender-nos? Uma experiência anterior memorável faz aumentar a expectativa. E também o receio.

As propostas iniciais vão chegando a bom ritmo. Alcachofras fritas, uns delicados buñuelos (sonhos) de bacalhau, palitos de carvão falso (feitos a partir de merengues de pimento) com molho pericana, piadina de milho fermentado com lâminas de atum fresco e um intenso aspic de ouriços do mar e lagostins são alguns dos snacks do novo menu. Tudo parece bem feito, com sabores delicados e intensos em harmonia. Não arrasa, mas está a um nível muito elevado. 

Passamos ao interior e somos conduzidos não à sala mas à cozinha, onde Quique Dacosta e Juanfra Valiente, o responsável de criatividade, nos recebem na novíssima sala privada, que durante o dia funciona como cozinha de investigação e à noite se transforma em mesa do chef. O privilégio é grande mas e se as expectativas saírem goradas, como se disfarça o desalento? 

O primeiro prato dissipa de imediato qualquer sentimento de apreensão. Trata-se de um turrón de amêndoa em que folhas de papel comestível (como no turrón de Alicante) cobrem um conjunto constituído por uma gamba (praticamente crua), pedaços de amêndoas, um outro de alho francês e uma gelatina de molho teryaki. Por cima há ainda um pontilhado de creme de amêndoa e pétalas de flor do fruto seco. Resultado: além dos sabores bem definidos e do exemplo perfeito de uma ligação entre Ocidente e Oriente, a conjugação de todos os elementos no prato é de extrema delicadeza. 

Passamos ao segundo acto. Quique Dacosta pousa as mãos sobre uma alga kombu gigante e deixa-as ficar por uns segundos. No meio estão quadrados de barriga de atum rabilho com o seu característico marmoreado de gordura a revelar a qualidade ímpar. A ideia é passar o calor da mão ao peixe de forma a acentuar o seu sabor elegante e ligeiramente doce. Elegância é o termo que se pode também utilizar para falar das ovas de tainha e de maruca com uma ligeira cura em sal. Dacosta apresenta esta última (com cerca de 30cm de comprimento) e levanta a “tampa” cortada no topo, como se fosse um queijo de pasta mole. Depois, com uma colher, retira um pedaço do interior e serve em cima de um papari.

Poderia continuar por aí fora, acto após acto, a falar minuciosamente do profundo sabor do tomate em várias texturas, da (pornográfica) gamba de Dénia — um clássico que nunca sai dos menus —, ou do ceviche de charuteiro (pez limón) servido num limão. Arriscava também descrever ao pormenor a mini coca com as últimas ervilhas da época, ou o prazer de uns lagostins na parrilla com caril verde, de uma costilla de porco ibérico com folhas de shiso, ou das sobremesas prazenteiras e equilibradas. Por último, podia ainda destacar individualmente cada um dos vinhos escolhidos a dedo e apresentados com paixão pelo sommelier José Antonio Navarrete, ou ainda de como se recebe bem por estas bandas. Porém, limito-me a rematar o assunto enaltecendo a experiência global e a proeza que representa a trintena de propostas, em que ingredientes locais e do mundo se conjugam a preceito e com um fio condutor. É sem dúvida possível igualar ou superar uma experiência prévia marcante. E, como traduz a nota máxima do Guia Michelin, vale a viagem. 

Quique Dacosta Restaurante
Playa Zona las Marinas 
Ctra. Las Marinas, km 2,5 con ?c/ Rascassa 1, Urbanización El Poblet, Dénia - Espanha
Tel.: 965 784 179
Email.: quiquedacosta@quiquedacosta.es
www.quiquedacosta.es
Temporada de abertura: de Fevereiro a Novembro. ?Fecha às segundas e terças, excepto Julho e Agosto, ?em que abre todos os dias

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