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O bacalhau e as línguas dele, eis as escolhas de Vítor Sobral

Por José Augusto Moreira

Em tacho e panela como as pessoas fazem em casa, o chef que mais usa e trabalha o “fiel amigo” dos portugueses dá ideias e dicas para preparar lombos e línguas para a época natalícia que se aproxima.

Criativo e virtuoso como poucos, Vitor Sobral é também um amante e eterno apaixonado pela cozinha popular e tradicional portuguesa, que preserva, divulga e recria de modo genial. O país deve-lhe, por isso, permanente homenagem.

É, ainda por cima, um tipo simples e generoso, com gosto e prazer na partilha, que quis deixar para os leitores da Fugas duas receitas com que podem animar e enriquecer a época de Natal que se aproxima. De bacalhau, claro, ou não fosse ele uma espécie de embaixador do produto, com muitas centenas de receitas próprias.

E não é fácil encontrar tempo na vida de um cozinheiro que passa o tempo em rotação permanente entre os seus restaurantes de Lisboa, Brasil e Angola. Todas as horas são ouro na vida do chef da Tasca da Esquina e foi na vizinha Peixaria da Esquina, também no cosmopolita bairro de Campo de Ourique, em Lisboa, que encontrou um espaço para preparar o seu “Bacalhau para a família” e as “Línguas de bacalhau”. Uma manhã dedicada aos leitores da Fugas.

“Vou apresentar em tacho e panela, tal como as pessoas fazem em suas casas. As pessoas querem ideias que possam executar”, começou por expor, como que imaginando o contacto, a reacção e o diálogo com os leitores.

Para simplificar, explica que tudo se passa dentro de uma hora, uma espécie de cronograma com a sequência de introdução dos ingredientes, consoante as suas características e texturas. Há, no entanto, que os preparar antes e foi o que fez enquanto via e respondia às constantes mensagens e correio electrónico que não deixam em sossego o seu telemóvel.

Fundamental é mesmo o bacalhau. “Quatro postas do lombo, bonitas, cortadas junto à espinha”. A demolha é outro dos passos muito importantes na preparação. “Dever ser em água fria, sempre abaixo dos 8º, senão o bacalhau começa a fermentar”, avisa, lembrando também que as postas devem ser antes passadas por água corrente para retirar o excesso de sal. Na água, “devem ser colocadas com a pele para cima”, pois se ficar voltada para baixo impede que o sal se deposite no fundo da água, dada a sua impermeabilidade.

Quanto ao tempo de demolha, pode ir das 24 às 48 horas, dependendo da dimensão do peixe e das necessidades de confecção. Para uma demolha mais rápida, a mudança de água deve ter um intervalo de seis horas, ou de oito horas no caso de ser mais lenta. Não aconselha a utilização de leite, como defendem alguns: “O processo de cura faz com que o peixe desidrate e perca toda a água que tinha no seu interior. Daí que para voltar a hidratar a água seja o mais natural”, aconselha.

Aqui chegados, escusado será dizer que Vitor Sobral opta por peixes da Noruega, uma escolha especial que leva a sua assinatura. “Andámos por, lá vimos como é pescado, e estabelecemos um padrão: pesca de anzol, cura de nove meses com sal e temperatura constante. Só é possível com bacalhau especial ou super-especial, daí que não haja muito e nem sempre é fácil encontrar”, previne.

 Os ingredientes estão preparados e alinhados num tabuleiro, é tempo de marcar uma hora e iniciar a contagem decrescente. Forno a 250 graus, tacho com as batatas — “descascadas à mão, como as nossas avós”, recomenda —, folhas de louro, bagos de pimenta e cravinho, tudo regado com bom azeite. “Só para aquecer o tacho e as batatas já se gastam 10 minutos. O alho podia ser já, mas é melhor pôr um pouco mais tarde só para não ficar queimado e escuro”, diz, como que dirigindo-se aos leitores.

Entretanto, no fogão, com água bem a ferver, os grelos são brevemente escaldados e logo a seguir esfriados com gelo, para que pare a cozedura e mantenham a cor viçosa.

À meia hora é tempo de juntar a cenoura e o alho laminado. O bacalhau vai cinco minutos depois, cuidadosamente colocado com a pele para cima. Evitar mexer muito para que todos os ingredientes preservem as formas. “Mesmo que as batatas amarrem ao fundo é deixar estar”, recomenda.

Gasta-se a hora e o aspecto e aromas são arrebatadores. Primeiro, o chef monta uma travessa com uma posta de bacalhau, alterna cenoura e batata, junta grelos, salsa e rega com azeite. É a forma mais elegante de levar à mesa, mas Vítor Sobral ganha até um brilhozinho nos olhos quando pega no tacho e mostra a forma mais rústica e ancestral de servir: pega nos lombos com a mão e lasca-os grosseiramente sobre as batatas e cenouras, espalha os grelos, a seguir salsa, rega com um pouco mais de azeite e acrescenta uns golpes de vinagre branco. Pousa sobre a mesa, mistura levemente e desabafa. “É assim é a comida de tacho. Tradição e produto.”

Ainda agora, quando escrevemos, a boca se enche de saliva com a memória daqueles aromas, sabor forte, concentrado e harmonioso. Um pedaço de pão ensopado naquela mistura do fundo do tacho com rasto de gordura, gelatinas, vegetais, alho e vinagre, é coisa que dificilmente se apagará da memória. Daríamos, por aproximação, uma espécie de molho Bulhão Pato, mas elevado à centésima potência.

Línguas e feijão fresco

É um refogado em fogo lento a sugestão de Vítor Sobral de línguas de bacalhau com feijão fresco, toucinho, nabo, cenoura, lombardo e coentros. Entre a sopa e caldeirada, cheio de sabor substância e aromas.

O chef chama a atenção para a importância das cozeduras em separado, para respeitar as texturas e preservar sabores, e também a necessidade de retirar as grainhas e a pele ao tomate. “É muito indigesta. Tem muita pectina que o organismo consegue expelir quando comida em cru, mas cozinhada é um caso sério”, adverte. Determinante é também o toucinho, que deve ter boa espessura de gordura. Depois de cozinhada, fica crocante e concentrada. Explode na boca como bolhas de espumante gordurosas que se envolvem deliciosamente com os legumes, o amido do feijão e as gelatinas das línguas.  Saboroso e concentrado mas ao mesmo tempo delicado, aromático e fresco.

Por isso mesmo, surgiu a questão se funciona melhor antes ou depois do bacalhau. Pode funcionar em qualquer dos casos, mas teria um efeito de limpeza quando servido após o bacalhau. E são de tal maneira intensos e complexos e cativantes os sabores do bacalhau que seria mesmo pena fazê-los desaparecer.

 

As receitas

Bacalhau da família de 2016 (10 pessoas)

Ingredientes

Bacalhau demolhado em posta, 10 unid.

Batata pequenas descascadas, 50 unid.

Cenoura em pedaços 3cm, 30 unid

Alho laminado, 8 dentes

Grelos escalfados, 1kg

Alho picado, 2 dentes

Salsa em folha, 4 c.sopa

Louro, 3 folhas

Azeite virgem extra, 4,5 dl

Vinagre de Vinho branco, 1 dl

Sal marinho tradicional q.b.

Pimenta da Jamaica, 5 bagos

Cravinho, 3 unid.

Confecção

Coloque num tacho de inox, ou num tabuleiro com tampa, 4dl de azeite, as batatas, as especiarias e o louro. Leve ao forno aquecido a 150º, durante uma hora. Quando passarem 30 min., destape o tacho, adicione a cenoura e o alho laminado. Volte a tapar e deixe cozer. Aos 35 min. junte o bacalhau, tape de novo e deixe cozer até que perfaça uma hora.

Salteie os grelos com alho picado, 0.5dl de azeite e a salsa em folha. Tempere de sal e pimenta e sirva a acompanhar o bacalhau. No momento de colocar o tacho na mesa com o bacalhau, a cenoura e a batata, tempere com um golpe de vinagre.

Notas: Atenção, o tacho estará bastante quente, pois estará uma hora no forno. As batatas devem ser batatas próprias para cozer, para não ficarem encruadas. Caso queira fazer com batatas médias, corte-as a meio.

 

Línguas de bacalhau, feijão fresco, toucinho, nabo, cenoura, lombardo e coentros (10 pessoas)

 

Ingredientes

Para a cozedura

Línguas de bacalhau demolhadas, 1,5kg

Cebola picada, 1 unid.

Alho laminado, 3 dentes

Tomate em gomos s/pele ?e s/grainhas, 5 unid.

Louro, 1 folha

Alecrim em estame, 1 c.chá

Azeite virgem extra,1 dl

Feijão fresco, 1,5kg

Azeite virgem extra, 0,5 dl

Alho laminado, 2 dentes

Cebola picada, 150 g

Vinho branco,1 dl

Caldo de bacalhau q.b

Cenoura em palitos, 300g

Lombardo em lombos, 1unid

Nabo em palitos, 200g

Toucinho cozido, 1unid

Salsicha fresca, 150g

Coentros picado, 3c.s

Malagueta q.b

Sal Marinho tradicional q.b

Pimenta de moinho

Confecção

Aloure em azeite o alho, a cebola, o alecrim e o louro. De seguida junte as línguas e deixe cozer em lume brando. No meio da cozedura junte o tomate. (as línguas não devem cozer totalmente, para que acabem de cozer no preparado.)

Coza as salsichas, parta em pedações e reserve. Fatie o toucinho, que foi previamente cozido e reserve. Coza o feijão em água abundante e sal. Depois de cozido reserve. 

 Aloure em azeite o alho, a cebola. Molhe com vinho branco, junte um pouco de caldo de bacalhau. Acrescente a cenoura, deixe passar 5 a 6 min. e junte o feijão, o nabo e o lombardo. Rectifique temperos e quando o preparado estiver apurado junte as línguas cozinhadas, o toucinho, as salsichas e no momento de servir os coentros. A malagueta é opcional.

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