Fugas - restaurantes e bares

  • Vasco Célio / Stills
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Seis pratos e uma lição de geografia austríaca

Por Alexandra Prado Coelho

As jovens estrelas da gastronomia da Áustria estiveram no Ocean, no Algarve, para uma noite do Fine Wines & Food Fair e mostraram que cada região do seu país tem tradições diferentes que vão das influências italianas do Sul à nova cozinha alpina.

Para quem não sabia nada sobre a nova cozinha austríaca, o jantar de 17 de Maio no restaurante Ocean do Vila Vita Parc — integrado no Fine Wines & Food Fair, que decorreu entre os dias 15 e 20 — foi uma autêntica, e divertida, aula de cozinha e geografia.

Kurt Gillig, o director do resort de cinco estrelas em Porches, no Algarve, é austríaco, assim como o chef que conquistou já duas estrelas Michelin para o Ocean, Hans Neuner. Não escondiam, por isso, a excitação por poderem trazer a Portugal algumas das figuras em ascensão na cena gastronómica de Áustria.

A primeira lição foi a de que há uma cozinha nova, com chefs que estão a pensar o território — à semelhança do que aconteceu nos países nórdicos, numa tendência que se foi espalhando pelo mundo — e a trabalhar em grande proximidade com os produtores. O Ocean recebeu seis desses chefs e alguns produtores de vinhos. O que se passou a seguir foi uma viagem pelas regiões em que os alimentos, e os vinhos, contaram histórias pouco conhecidas em Portugal.

 

Thomas Dorfer

Truta dos Alpes

O seu restaurante, o Landhaus Bacher, fica na região de Wachau, que é atravessada pelo Danúbio e Património da Humanidade da UNESCO. É uma zona de clima temperado, com Verões quentes e Invernos suaves e uma paisagem marcada pelas vinhas. Dorfer explica que é “um pouco como a Toscana” italiana.

Para a representar, trouxe a truta dos Alpes curada acompanhada por espargos brancos em vinagrete, creme de óleo de colza e gema de ovo fumada. “O vinagre que usei, assim como o óleo de colza, são produtos que só se encontram na nossa região.” O prato, com a carne da truta praticamente crua, tinha imensa frescura, mas também alguma doçura, num equilíbrio perfeito de sabores.

A história do Landhaus Bacher também é curiosa. Na década de 50 do século passado, a zona de Wachau era muitas vezes usada como cenário para filmes de comédia e o pequeno hotel propriedade dos pais de Lisl Bacher tornou-se um local muito frequentado por estrelas de cinema, com uma cozinha descontraída, que nos anos 1980 se aventurou na nouvelle cuisine. Thomar Dorfer, nascido na Caríntia em 1975 e que é afilhado de Lisl Bacher, está à frente do restaurante desde 2010.

 

Andreas Döllerer

Vieira alpina

“No nosso restaurante não servimos marisco.” Foi assim que Andreas Döllerer, do Döllerers Genusswelten, fez a introdução ao seu prato que, ao chegar às mesas, tinha todo o aspecto de… uma vieira. “O chef vem de uma região rural perto de Salzburgo, onde existem montanhas com 3500 metros de altitude”, enquadra Kurt Gillig. “Não há lagos, mas há rios com correntes fortes e águas frias. E há uma tradição de pessoas que trabalham no duro, lenhadores, e, para isso, precisam de alimentos que lhes dêem força.”

Daí a brincadeira com a vieira que, afinal, era tutano, com o que parecia ser um caldo a acompanhar o marisco a revelar-se, afinal, um caldo de intenso e ao mesmo tempo delicado sabor a carne. A falsa vieira vinha com couve, um creme de ovos fumado e alho fermentado.

Andreas Döllerer pratica a chamada “cozinha alpina”, com os ingredientes da região, carne biológica de vacas ou de borregos que pastam nos prados verdes em redor do restaurante e, claro, produtos lácteos, mas também plantas e vegetais dos Alpes.

A região de Salzburgo é conhecida pelas batatas de Lungau (aqui chamadas de eachtlinge), produzidas numa zona de solos muito férteis, e pelos vários tipos de queijo, entre os quais o bierkäse, feito com cerveja.

 

Hubert Wallner

Kasnudel

Kasnudel são uma espécie de raviollis recheados com queijo, típicos da região da Caríntia — e foi isso que o chef Hubert Wallner, do See restaurant Saag, trouxe ao Algarve. Situada no Sul da Áustria, a Caríntia tem uma grande influência das cozinhas de dois países vizinhos, a Eslovénia e, sobretudo, a Itália. “Há a pasta, a vida feliz”, resume Gillig.

E, acrescenta a informação do turismo austríaco, há sol, lagos e belas paisagens que fazem desta região um dos destinos mais populares para os visitantes. Quanto à comida, um dos produtos mais famosos da Caríntia é o mel, mas há também uma variedade de carnes, enchidos e fumados.

Outra história interessante ligada às tradições gastronómicas da região é a da truta chamada de kärntna laxn. Conta-se que era já muito apreciada no século XIV, sendo na época enviada para a corte em Viena, mas, com o tempo, o peixe foi escasseando nos lagos da zona e recentemente tem havido um esforço para recuperar a sua produção.

Hubert Wallner trouxe os kasnudel que serviu com aipo, nozes e trufas, depois de nas entradas ter apresentado folhas de tília com nozes raladas. Na Áustria, num edifício de madeira e vidro à beira da água, Wallner serve uma cozinha que cruza os Alpes com o Adriático.

Richard Rauch

Língua de cordeiro

Vem da região de Steiermark, ou Estíria, onde tem um restaurante chamado SteiraWirt. Kurt Gillig descreve-a como “uma área não muito rica, com muita agricultura, muita produção de vinho, um pouco semelhante ao Alentejo”. A população, habituada às dificuldades, vende a melhor parte do animal e aproveita tudo o resto para a sua alimentação. “O que não significa que não tenham uma cozinha sofisticada”, sublinha o director do Vila Vita.

Para apresentar essa cozinha, Richard Rauch trouxe precisamente um exemplo de como se aproveitam todas as partes do animal, com uma língua de cordeiro, acompanhada por kohlrabi (uma espécie de nabo) e morangos verdes.

Philipp Rachinger

Veado

O segundo, e último, prato de carne foi trazido pelo chef  Phillipp Rachinger, do Mühltalhof, que, bem disposto, anunciou ter transportado o veado praticamente às costas. Trata-se de um dos “primeiros veados do ano”, cuja carne Rachinger envolveu em folhas de groselha preta, juntando ainda uma fina fatia de beterraba e bagas de zimbro, num prato com sabor a floresta.

Desta vez viajámos até à região da Alta Áustria, ou Oberösterreich, onde fica o Mühltalhof, restaurante da família de Rachinger situado nas margens de um rio, a norte da cidade de Linz.

Seguindo uma filosofia popularizada pelos novos chefs nórdicos, Rachinger usa apenas produtos regionais, o que significa, por exemplo, que prefere dar acidez aos pratos com bagas e vinagre em vez de usar citrinos.

Josef Floh

Polenta e café

O restaurante de Josef Floh, Gastwirtschaft der Floh, é adepto do conceito dos produtos de proximidade, que se encontrem a uma distância de 66 quilómetros em redor. Floh é um original e isso percebe-se logo quando se olha para ele — é o único dos chefs que estiveram no Vila Vita que não aparece de jaleca branca mas sim com um casaco castanho e com um chapéu na cabeça.

Coube-lhe a sobremesa e quando surge na sala para a apresentar traz um jarro com café e explica que ficou fascinado com a técnica de extracção a frio do café, que permite obter um sabor subtil, evitando as notas de queimado. O que nos serve depois é polenta com leitelho e Café-Felix (com a tal técnica de extracção) — e, antes de os pratos serem colocados na mesa, anda à nossa volta lançando bolinhas de sabão no ar.

É, mais uma vez, Kurt Gillig quem melhor explica a origem da sobremesa apresentada por Floh. “A polenta é um prato típico na Áustria”, diz. “Na minha infância, cozinhávamos polenta para comer de manhã, ao pequeno-almoço e misturávamos café com leite.”

Para perceber este prato é também preciso conhecer a cultura do café na Áustria. “O café para nós tem algo de extraordinário”, continua Gillig. “Se para os portugueses o café está ligado às colónias e aos Descobrimentos, para nós está ligado ao avanço dos turcos pela Europa. Foi às portas de Viena que o exército turco foi travado. E quando os soldados turcos se renderam, deixaram para trás sacos de café verde que tinham trazido com eles. Em Viena começou-se a fazer uma torra especial com esses grãos e assim nasceu a nossa cultura do café.”

 

Fine Wines & Food Fair

De dois em dois anos, o Vila Vita Parc organiza o Fine Wines & Food Fair, um encontro de gastronomia e vinhos com chefs e produtores portugueses e internacionais. Este ano, o evento, que vai na 3ª edição, aconteceu entre 15 e 20 de Maio e, para além do jantar dedicado às Novas Estrelas Austríacas, no dia 17, houve, a 16, um jantar de Grandes Estrelas Suíças, e a 15 uma noite Bordeaux Imperial com a presença do influente crítico de vinhos René Gabriel.

Na quinta-feira, 18, o restaurante Atlântico recebeu o Jantar Vila Vita All-Stars e na sexta, 19, a festa mudou-se para a praia Dourada, em Armação de Pera, para um Almoço Chiringuito Chic ao estilo de Barcelona, com paellas cozinhadas na praia. Nessa mesma noite, o jantar foi também dedicado às estrelas gastronómicas de Espanha.

O evento culminou no sábado, dia 20, numa enorme Kitchen Party, com música ao vivo, para a qual foram montadas 40 estações culinárias e onde marcaram presença chefs, produtores de vinho e representantes de produtos gourmet. O Fine Wines & Food Fair promete voltar daqui a dois anos.

 

 

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