Fugas - restaurantes e bares

  • Nelson Garrido
  • Nelson Garrido
  • Nelson Garrido

A cozinha pede palco neste Theatro encantado

Por José Augusto Moreira

Espaço atraente, diversificado e acolhedor, com propostas de degustação alargada. Os petiscos ganham destaque numa cozinha segura e de sabores afinados, a pedir mais protagonismo gastronómico.

A fachada do edifício capta a atenção dos passantes pela luminosidade que vem do interior. As amplas montras carregadas de livros sugerem, à primeira vista, um outro tipo de negócio, mas, transposta a ampla porta de entrada, o cenário é de apelativo ambiente de degustação. A estilizada garrafeira vertical, a cozinha em fundo e as mesas postas com baixela cuidada não deixam margem para mais dúvidas. 

Espaço amplo, moderno e de evidente bom gosto, este novo Theatro apela à emoção dos sabores e promete uma restauração de estilo dinâmico e gosto contemporâneo. Uma carta que destaca a variedade de entradas, alguns snacks, e a sugestões de vários tipos de cervejas para acompanhar, logo deixam também o propósito de degustação para lá dos horários de refeição. Um espaço que à vocação gastronómica acrescenta outras valências de prazer e emoção.

Numa apresentação feita, aqui, na Fugas, há uns meses, Abel Coentrão explicava com o nasceu o projecto. “Um quarteto improvável juntou-se há uns anos na Póvoa de Varzim. Não planearam o assalto do século, mas um projecto que, como pretendiam, os pôs nas bocas da cidade, e não só. Um velho teatro dos primórdios da República, conhecido, pelos contemporâneos, como uma loja de venda de gás, encerrada em 2013, reabriu como o Theatro. Na sua nova e luminosa encarnação, o número 10 da Rua Santos Minho não tem um palco, mas em compensação ganhou uma imensa livraria, um restaurante, um wine bar e uma galeria de arte.” 

Os meses rolaram e a função restaurativa parece impor-se. Provam-se os primeiros petiscos — amêijoas à Bulhão Pato, polvo à galega ou um shot de farinheira, cogumelos e ovo — e a coisa promete. Destacam-se o apuro e definição de sabores, que dão mostras de cozinha segura e domínio técnico. O chef Pedro Oliveira, explicam-nos, formado e iniciado na região, andou depois por restaurantes de Bruxelas até ser desafiado a assumir a cozinha deste Theatro.  

A tentação de alguns exotismos na carta logo denuncia essa mundividência, nem sempre a melhor amiga dos bons produtos e sabores das nossas tradições. Principalmente quando o cozinheiro os domina e conhece, como logo fica evidente.

Na vertente de degustação, foi proposto um interessante “menu de tapas” (por que raio se insiste em designações forasteiras quando temos uma velha e rica tradição de petiscos?) com cinco momentos (12,50€). 

Entrada em grande com as amêijoas à Bulhão Pato, gordas e babosas, cozinhadas a preceito com alho e coentro e apresentadas em elegante tachinho onde a gulodice só pedia mais molho para saborear. Idêntica a elegância no copinho transparente, tipo shot, de farinheira com ovos mexidos e cogumelos, num apuro e definição de sabores que igualmente sobressaía com o polvo à galega. A tábua incluía ainda uma tostinha de pão com presunto e ovo estrelado de codorniz, e um interessante mini-hambúrguer para conforto dos apetites mais vorazes. 

Provaram-se também as gambas crocantes, avantajadas, saborosas e envoltas em competente polme rústico, que acasalam com exótico e estereotipado molho agridoce que manifestamente as desmerece. Muito boas as tradicionais (e locais) petingas fritas, frescas, saborosas e impecavelmente escorridas da fritura. Interessante também a apresentação escolhida para esta “petinga na rede” (4,50€): a canastra e a rede (minis) com generosa dúzia de sardinhas crocantes que se devoram na totalidade. 

Ainda no que toca a entradas ou petiscos, a carta propõe a “trinchada de francesinha”, “bombom de alheira crocante”, “revueltos com espargos verdes e cogumelos”, “bruschetas de sabores portugueses”, “carpaccio de salmão fumado com cítricos” e “selecção de queijos e enchidos”, com preços entre 3,20 e 7,90€.

No que aos pratos principais diz respeito, o foco está nas carnes. Um risotto de pato, fondant de alheira de caça, bochecha de porco preto com puré de queijo, presa de porco ibérico e a moda “maturada” em duas versões: naco e costeleta. 

Provamos o “risotto de pato com espargos e cogumelos” (13,90€), em dose generosa, com sabores e texturas aprimorados, carne esfiada, e a mostrar, mais uma vez, a valia culinária da cozinha. Igualmente de tamanho bem generoso o “naco de vazia maturada” (16,90€), carne rosada e suculenta e cozinhada no ponto exacto. 

Peça de boa qualidade, saborosa, e que bem dispensava a “cobertura” com molho de mostarda e mel que lhe aniquila o sabor. Ou seja, o melhor da carne. E a solução é fácil: servido à parte, só mistura quem quer. Mas o pior é que o desastre se acentua ainda com as batatas fritas de fast-food e sal refinado que acompanham. O luxo (da carne) não pode casar nunca com a miséria (da fast-food). 

O polvo à lagareiro (14,90€), bacalhau com crumble de broa (15,90€) e um “arroz caldoso de camarão tigre e vieiras” (19,90), esgotam a oferta de peixe. Ou seja, não há peixe fresco (com excepção das petingas), o que em terra de pescadores não deixa de saber a pouco. E lota está ali a centenas de metros! Um verdadeiro desperdício, tanto mais quando a cozinha deixa evidentes indícios de que é mesmo capaz de fazer a diferença. 

Nas sobremesas, a panna cotta de frutos silvestres (4€), o brownie de chocolate com gelado de framboesas (3,60€) e o competente pudim abade de Priscos (4,50€) deixam mais uma vez garantias da capacidade da cozinha de Pedro Oliveira, que parece claramente justificar mais palco para poder brilhar.  
Neste Theatro, merece também aplauso a qualidade e abrangência da carta de vinhos. Abarca todas as regiões com critério e gosto na escolha de vinhos de qualidade, com o louvável esforço em sugestões alternativas aos mais caros, óbvios e conhecidos. Maior oferta de vinho a copo (apenas um branco e um tinto) não só promoveria o consumo como parece ajustada à lógica de petiscos e vocação gastronómica alargada. 

Destaque também para o serviço, correcto, simpático e envolvente (mesmo que não necessite de a cada três minutos questionar se está tudo bem e a gosto), num ambiente agradável, desafogado e luminoso.  

Em conclusão, apetece dizer que este é o espaço gastronómico alternativo e contemporâneo que o cosmopolitismo poveiro há muito justificava. E isso implica mais e maior protagonismo à cozinha, com peixes e carnes, para que todos se sintam atraídos por este encantador Theatro gastronómico.

 

Theatro
Rua Santos Minho, 10 
4490-549 Póvoa de Varzim
Tel.: 918 803 798 
Cozinha contemporânea
Horário: De terça a sexta-feira, das 10 às 24h; até às 2h ao sábado e domingo. Fecha à segunda-feira.
Estacionamento nem sempre fácil.

--%>