Fugas - restaurantes e bares

  • Fabrice Demoulin
  • Fabrice Demoulin
  • Fabrice Demoulin
  • Fabrice Demoulin
  • Fabrice Demoulin
  • Fabrice Demoulin
  • Fabrice Demoulin

Sem Porta e com Graça

Por Alexandra Prado Coelho

Um jardim gastronómico, ânforas para curar com sal como os romanos, hidromel como os antigos, vinagres, queijos, um ringue para combates gastronómicos e uma jangada num lago. É Ljubomir no Sublime Comporta.

Sem Graça, o projecto não se fazia. Ljubomir já tinha dito que Graça Saraiva e as suas Ervas Finas (Vila Real) eram condição essencial para a transformação que se propunha fazer no restaurante do Hotel Sublime Comporta, o antigo Celeiro, agora rebaptizado Sem Porta.

Três meses depois, Graça está, feliz, no meio do seu jardim gastronómico, um “coração de biodiversidade” entre os pinheiros e o areal da Comporta. No centro, há uma cozinha-ringue para os combates gastronómicos de Ljubomir e dos chefs que irá convidando todos os meses (12 clientes de cada vez, 125 euros por pessoa, com vinhos) — o primeiro foi Manuel Maldonado (do projecto Ostraria), que ficou entretanto como chef residente do Sem Porta, o segundo, que encontramos durante a nossa visita, é Rodrigo Castelo, da Taberna Ó Balcão, em Santarém, o próximo (de 11 a 18 de Setembro) será João Rodrigues, do Feitoria, Lisboa.

Em redor deste espaço onde só se cozinha com fogo e a que chamaram Food Club — sim, a referência é o filme Fight Club, de David Fincher, mas a história do João e o Pé de Feijão também entra aqui — foram criados quatro canteiros em forma de feijão, onde cresce já, imparável, a horta (muitos tomateiros, muitas malaguetas, pediu Ljubomir); à volta dos feijões, canteiros redondos e mais altos cheios de aromáticas.

“Cada um tem um perfil aromático assumido”, explica Graça. “Há as mentoladas, as ervas finas e frescas, as sulfurosas, as frutadas, as cítricas, as pungentes, as anisadas, as florais.” A inspiração foi “a paleta de um pintor em que em vez de uma cor há um perfil aromático”.

Quando chegamos ao Food Club, Manuel Maldonado está a falar com Graça para decidirem o que irão usar no jantar dessa noite. “Temos aqui 300 variedades diferentes”, diz a criadora da Ervas Finas, “desde raízes a pequenas folhas, caules, folhas mais adultas, até às flores, sementes e frutos”. Tudo se pode comer, mas é preciso optar por um dos estádios de desenvolvimento das plantas, sabendo-se que se terá que abdicar do seguinte — se comermos a flor já não teremos o fruto.

Percebe-se agora por que é que Ljubomir disse que sem Graça nada disto poderia existir. Trabalha com ela há 17 anos e não se esqueceu do que ela lhe disse há uns tempos: “O que eu gostava agora era de levar as minhas Ervas Finas para outras partes do país.”

Quando surgiu a proposta do proprietário Gonçalo Pessoa para pegar no projecto do Sublime, Ljubomir telefonou-lhe imediatamente. Ela não hesitou e agora mostra-se surpreendida com a velocidade a que as plantas se adaptaram. “Aqui é mais seco, sim, mas as ervas aromáticas gostam disso, ganham sabores mais intensos.”

O jardim comestível já é uma realidade, mas quando olha em redor Ljubomir vê também o que ainda irá acontecer. “Vou pendurar garrafas nas árvores para fazer vinagres a partir do hidromel e do mel da região, ando a estudar as características do leite para ver se é possível fazer burrata e mozzarella, porque, como o clima é seco, o leite aqui tem menos gordura, é mais parecido com leite de burra. Vou enterrar potes lá em cima, a metro e meio de profundidade, para fazer curas em sal.”

Conta-nos tudo, entusiasmado, enquanto vai trazendo pratos para a mesa do Sem Porta: um queijo curado em beterraba, envolvido em pó de beterraba e salpicado de flores roxas e amarelas, sobre couve desidratada e pão com tomatada; um “carapau de corrida” em ceviche com pão de sementes feito na casa; um tártaro de beterraba com citrinos; cabeça de xara feita “com tudo o que é entranhas” e, no meio, fígado de ganso curado em especiarias. No final, virá uma tachada de um delicioso arroz de marisco.

Uma das preocupações que teve desde o início foi distinguir o que está a fazer aqui e o que está a fazer no Six Senses, no Douro. Aqui há outros produtos e outras histórias para contar. “Encontrei esta história das salinas de Tróia, que eram usadas pelos romanos [para secar peixe e fazer o garum, molho feito a partir das cabeças, espinhas e entranhas dos peixes, muito apreciado na época], que acho genial, e quero explorar tudo o que tem a ver com a salinidade. Quero ânforas, doze, com doze produtos diferentes, quero fermentações dentro das ânforas, vou dedicar-me a isso no Inverno.”

Tem na cabeça a imagem do “alentejano que vai para o campo e leva com ele um queijo de Serpa com dois anos, um tomate, um pedaço de toucinho, tudo a ver com o que faz sentido aqui”. Por isso, está também já a trabalhar num fumeiro, com divisão para peixes e carnes.

Tudo para criar pratos para o Sem Porta, mas também para o restaurante de autor que há-de surgir no próximo ano e que terá à frente Maldonado — o “homem do fogo”, diz Ljubomir, lembrando os grelhados que ele fez num almoço organizado pelo projecto Sangue na Guelra. “Eu vou ser o bombeiro”, acrescenta, divertido.

Outra ideia, que já está a ser preparada, é a de colocar uma jangada no meio do lago, com uma tenda e até um pequeno frigorífico com comida, tudo à base de energia natural, para os clientes terem uma experiência ainda mais única. E, com Ljubomir a ter ideias a este ritmo, quem sabe o que mais poderá estar a acontecer da próxima vez que visitarmos o Sublime Comporta?

 

Sem Porta

Sublime Comporta, EN 261-1, Muda, Grândola
Tel.: 269 449 376/396
www.sublimecomporta.pt
Todos os dias das 13h às 15h30 e das 20h às 22h
Preço médio: 72 euros (com vinho), 65 sem vinho

 

 

 

--%>