Fugas - restaurantes e bares

  • DR
  • Martin James
  • DR

Miso de caldo verde para ir ao Japão levando Portugal

Por Alexandra Prado Coelho

O Midori, em Sintra, mudou. Tem um espaço mais intimista, maior proximidade com o chef Pedro Almeida e um menu kaiseki “100% japonês” mas que fala (também) de Portugal.

Pintada na parede, uma gueixa de gestos elegantes e penteado elaborado, segurando um chapéu-de-sol vermelho. Atrás dela, um enorme peixe. E, do outro lado, uma onda pela qual navega uma caravela portuguesa. A história do Japão e de Portugal que é contada na parede do Midori, o restaurante japonês do resort Penha Longa, em Sintra, é a mesma que o chef Pedro Almeida quer contar no menu kaiseki (o menu tradicional japonês que é uma homenagem aos produtos de cada estação e tem uma estrutura particular) que aqui serve.

Este Verão, o Midori mudou. Era um caminho que vinha sendo preparado há já algum tempo e que se concretizou com a separação do espaço em dois: o restaurante pan-asiático Spices e o Midori, com apenas seis mesas, concentrado em oferecer aos seus clientes uma experiência única.

Depois de anos a pensar nisto, Pedro Almeida tem a confiança suficiente para dizer: “Aqui não vai haver soja na mesa, queijo Philadelphia ou frutas. Quem quiser esta experiência vem, quem não quiser esta experiência não vem.”

Foi há cinco anos que o Midori começou a mudar. “Estava-se a fazer uma cozinha cansada, que não trazia nada de novo, uma cozinha tradicional muito bem feita mas que não saía do mesmo registo. As pessoas cansam-se de vir a um restaurante comer sempre a mesma coisa. E como estamos perdidos no meio da serra, é preciso mesmo as pessoas quererem vir.”

O que o Midori oferece hoje não é uma fusão entre a cozinha japonesa e a portuguesa, explica o chef. É uma cozinha totalmente japonesa na qual entram elementos que têm a ver com a experiência de vida da equipa (que, entre outros, inclui o sous-chef Tiago Penão e, na sala, a escanção Andrea Smith, a trabalhar a harmonização com vinhos, sakés e chá verde). “Não queremos associar o Midori à cozinha portuguesa mas sim às nossas vivências, às coisas com as quais crescemos.”

Isso é feito, na maior parte dos casos, de forma subtil. O menos subtil é, possivelmente, a sopa miso de caldo verde. Aí, e sobretudo quando os clientes são estrangeiros, é preciso explicar que há uma sopa tradicional portuguesa que serve de inspiração a este prato em que a base é uma sopa miso, com pequenos cubos de batata fritos, couve portuguesa e, por cima, uma tosta com pó de chouriço.

Todo o menu é acompanhado por explicações de cada prato, não apenas dos elementos que o compõem mas da história que está por trás. Como, por exemplo, o delicioso sashimi de carapau com gaspacho, em que o peixe, braseado, é servido sobre uma tosta com pó de tomate e acompanhado por gaspacho, a tradicional sopa fria portuguesa e espanhola.

Noutros casos, mal damos pelo elemento que faz a ligação a Portugal. É o que acontece noutro prato muito bem conseguido, o sashimi de salmonete de pele braseada, acompanhado por manteiga de alho temperada com sumo de limão (e lá está um acompanhamento habitual para o peixe grelhado português) e uma irresistível pasta de miso misturada com manteiga e queimada, que ganha, nas palavras do chef, “um sabor a terra, quase a cogumelos”, com folhas selvagens da serra de Sintra.

Há uma piscadela de olho à salada de atum com feijão frade sob a forma de sashimi de toro (a barriga, e parte mais nobre, do atum), com feijão frade fermentado; outra às amêijoas à Bulhão Pato, com a diferença de estas serem abertas com saké e virem acompanhadas por cogumelos e flor de lótus; há a enguia grelhada que tem três pontinhos de molho com os sabores do ensopado de enguias; há uns pequenos rábanos em pickle de ameixa de Elvas e umeboshi, a ameixa japonesa curada em sal.

E, no sushi, encontramos um niguiri de cogumelos que parte das memórias de infância de Pedro e dos cogumelos que a mãe preparava, outro de gamba do Algarve com suco da cabeça da gamba “à guilho”, um de lula com limão e coentros, um de carapau grelhado com azeite de alho e outro ainda de lírio fumado com louro da serra de Sintra e moxama seca, tradicional do Algarve.

É com a chegada dos niguiris que o chef vem à mesa. “É o que tem maior simbolismo e que as pessoas continuam a associar a cozinha japonesa. É um estigma que ainda não conseguimos combater totalmente, essa associação da cozinha japonesa ao sushi. No Japão só há niguiris, não há rolinhos, por isso aqui não temos rolinhos, e não temos peixes que não fazem sentido para os japoneses, como o salmão. Queremos trabalhar os niguiris e trabalhá-los muito bem.”

É a mesma razão pela qual não há nas mesas molho de soja. Pedro Almeida resume os três “flagelos” que atingiram a cozinha japonesa quando ela chegou ao Ocidente, a partir da II Guerra Mundial, primeiro aos Estados Unidos, depois ao Brasil: a passagem da alga para dentro e do arroz para fora e a introdução de sabores novos como o abacate, o caranguejo e a maionese; o “sushi tropical” do Brasil, com frutas, queijo Philadelphia e salmão; e, por fim, o hábito de encharcar o sushi em molho de soja. Tudo para fugir dos sabores puros da cozinha japonesa e agradar aos paladares ocidentais.

No Midori, o trabalho vai todo noutro sentido. A manteiga, que não é usada no Japão, aparece aqui e ali mas, sublinha Pedro, “vemo-la como um complemento que enaltece um prato japonês”. Houve, claro, influências portuguesas no Japão e vice-versa (e lá está a tempura a lembrar isso) mas “nunca conseguiríamos criar um menu inteiro com base nisso”.

Daí a ideia muito clara do caminho a seguir: “Não fazemos o sushi da alheira. Aqui sai-se de Portugal, vai-se ao Japão, encontramos influências portuguesas mas não estamos em Portugal. Estamos no Japão e é essa a história que queremos contar.”

 

Midori
Penha Longa Resort
Estrada da Lagoa Azul, Sintra
Tel.: 219 249 011
Terça a sábado das 19h30 às 23h
Preço: Menu Chísai (9 momentos, 95 euros/135 euros com wine pairing) e Menu Ookii (11 momentos, 160 euros/200 com wine pairing)

 

--%>