Fugas - restaurantes e bares

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Amor pelos dois no coração da Estónia

Por José Augusto Moreira

Um país onde os nossos produtos são apreciados e a qualidade se pronuncia em português. No melhor restaurante, Diogo Rocha cozinhou bacalhau e cabrito, com vinhos de Encruzado e Touriga Nacional. Viagem ao Báltico com o prestígio dos produtos nacionais.

Estamos no centro daquela que é a cidade medieval mais bem preservada em todo o mundo, e o som dos Deolinda, com acordes de cavaquinho e a voz de Ana Bacalhau, despertam natural curiosidade. E mesmo que os versos da melodiosa e ritmada “corzinha de Verão” cantados em português sejam imperceptíveis para os habitantes de Talin e os muitos turistas que por ali passam, quem se senta na esplanada ou olha através da porta logo se apercebe da portugalidade que por ali anda.

O Ribe é um dos melhores e mais bem frequentados restaurantes da capital da Estónia e nesse dia destaca um jantar vínico com o chef Diogo Rocha, do restaurante Mesa de Lemos, em Viseu, e o enólogo Carlos Lucas, que por aqui parece ter um estatuto especial. Na entrada do restaurante, com uma bela garrafeira em pano de fundo, alinham-se dezenas de rótulos portugueses, e também na carta os vinhos lusos têm espaço destacado, muitos servidos a copo.

Mas não é só no Ribe. No panorâmico restaurante do hotel Hilton, já fora do centro histórico e na moderna zona de negócios da cidade, os vinhos portugueses são igualmente propostos em destaque na carta e nas sugestões de harmonização dos menus. Assim é, também, no Alexander, o melhor restaurante do país, mais a sul, num luxuoso e exclusivo resort da ilha de Muhu, onde não só os vinhos, como também os profissionais de cozinha e de sala, se expressam em português (ver texto ao lado). Uma espécie de paixão evidenciada num exclusivo “Amar pelos Dois/Portuguese Dinner”, que teve até honras de interpretação da canção por um dos proprietários do sumptuoso espaço. Ao piano e em português!

Um amor pelos produtos portugueses no país Báltico que está, no entanto, longe de se restringir aos restaurantes de maior prestígio. Também na turística praça central de Talin basta uma rápida olhada pelos menus propostos nas múltiplas esplanadas para encontrarmos vinhos do Douro, Alentejo, Verdes, Dão ou Bairrada. E sempre numa gama superior e preços médios acima dos 40€, como os produtores gostariam de os ver sempre.

Significativa é também a visibilidade na mais prestigiada cadeia de supermercados da Estónia. As lojas Kaubamaja, assim se chamam os supermercados, têm sempre uma área específica para os produtos de tendência gourmet e lá está uma área dedicada aos vinhos lusos com destaque idêntico aos italianos, franceses ou espanhóis. E também os preços são idênticos, o que será, talvez, o indicador mais interessante,

É claro que para tudo isto há sempre um culpado. Por destacar os produtos e gastronomia portugueses; por colocar vinhos de qualidade nos melhores restaurantes; por fazer do enólogo português (Carlos Lucas, no caso) uma quase pop star. Tudo sem o mínimo apoio ou enquadramento das entidades nacionais do sector, que bem jeito lhe daria, agora que se prepara para expandir o negócio para a vizinhança da Finlândia e da influente e poderosa São Petersburgo.

Carlos Pereira é um jovem portuense que se apaixonou pela Estónia e por uma local (a ordem pode ser inversa) e se decidiu pela aposta na qualidade dos vinhos portugueses para estabelecer negócio. Os vinhos de Carlos Lucas foram a sedução inicial, uma espécie de primeira paixão que quer manter, a par da crescente abertura do portefólio. Daí que o enólogo goze por ali de um quase estatuto de estrela: recebido nos hotéis com o tratamento das grandes personalidades; anunciado pelo nome no formidável bar de vinhos do aeroporto (a não perder); vedeta nos restaurantes, que esgotam ao simples anúncio da sua presença.

E nem se pense que é exagero. Basta ver o que aconteceu logo à chegada no “Wine Not?”, o bar que Carlos Pereira explora como montra para os vinhos portugueses na zona mais animada da cidade histórica. Entradas limitadas e um público (maioritariamente feminino) ávido pelas explicações do enólogo. Muitos vindos da Finlândia — o que é comum em Talin —, gente com evidente poder de compra e uma imagem de maravilha de Portugal, dos vinhos e da gastronomia. Lá pelo Báltico, no coração da Estónia, parece haver mesmo uma grande vontade de amar pelos dois.

Portugueses na cozinha
Alexander, o melhor restaurante em lugar de sonho

Foi com rasgados elogios à qualidade dos vinhos e do staff de portugueses que Martin Breuer recebeu os convidados para o jantar no Alexander, o restaurante que nos últimos anos tem sido sucessivamente distinguido com o título de melhor da Estónia. “Trazem a paixão, a dinâmica, o ritmo e o calor que a Estónia não tem”, disse Martin, que é um dos proprietários do Padaste Manor, um luxuoso e exclusivo resort situado na ilha de Muhu, num enquadramento natural intocado e com requintes que remontam ao tempo dos czares.

O outro proprietário é Imre Sooaar, cuja empatia com as coisas de Portugal o levou a sentar-se ao piano e cantar Amar pelos dois, um hino de simpatia que quis transpor também para o ambiente e a denominação do jantar que tinha Diogo Rocha como chef convidado e os vinhos de Carlos Lucas como protagonistas. 

Num contexto de fine dinning, uma cozinha que privilegia os produtos naturais e de proximidade, na linha da Nordic Islands Cuisine, o Alexander tem à frente dos fogões o alemão Matthias Diether, um correligionário de Hans Neuner (Ocean, Armação de Pêra), que nos últimos oito anos conquistou outras tantas estrelas Michelin para os vários restaurantes que lidera. Na Estónia, não chegaram ainda as escolhas do mais conhecido guia gastronómico, mas este é, claro, o mais óbvio candidato à famosa distinção.

Interessante anotar é que nas suas ausências, que são naturalmente muitas, é uma jovem portuguesa que assume o comando da cozinha, numa equipa que tem ainda mais uma meia dúzia de outros jovens portugueses, incluindo o serviço de vinhos. Marina Garcia, assim se chama a sous chef, é uma jovem lisboeta, cujo nome convém mesmo fixar. Dividiu o protagonismo com Diogo Rocha, com um prato trabalhado à volta de polvo fumado e outro com tamboril, ambos de fina execução técnica e sofisticada apresentação.

Pedir Touriga e Encruzado

Martin Breuer contou que decidiram contratá-la para a esta temporada (o restaurante fecha de Outubro a Março, pelas exigências do clima) logo no final do estágio do ano passado, tal como aconteceu com Gonçalo Camacho, que se encarrega do serviço de vinhos. Tal como todos os outros jovens que estão no staff do Padast Manor, são formados pela Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, onde os proprietários se deslocam já no início de Outubro com o intuito de contratualizar um novo grupo de estagiários para a próxima temporada. “Além da formação hoteleira, que é da melhor que há no mundo, os jovens portugueses têm hoje também um nível de educação muito elevado”, destaca Martin.

Jogando com o bacalhau e o cabritinho com que o chef português deliciou os estonianos, Carlos Lucas optou por uma eficaz estratégia de afirmação da diferença dos vinhos portugueses. Num mundo habituado a chamar os vinhos pelas castas, o enólogo lançou o desafio de fixarem “apenas duas palavras”: Encruzado e Touriga.

Com vinhos de diferentes estilos e regiões e pratos verdadeiramente virtuosos na forma como destacavam as características de cada vinho, facilmente todos perceberam que os vinhos portugueses são um mundo à parte. Pela diferença, diversidade e variedade de castas. Além de trautear Amar pelos dois, também no Báltico, pelo que se viu, haverá agora quem seja capaz de pedir um Touriga ou Encruzado.

A Fugas viajou a convite da Magnum Wines

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