Fugas - restaurantes e bares

  • Isabel Gonçalves
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Esta antiga moagem quer dar alimento a uma nova sociedade

Por Mara Gonçalves

No edifício da antiga moagem de Aljezur nasceu a Mó Bistrô, que é muito mais que um espaço para provar comida vegetariana.

“Eu fui ver a minha amada / Lá p’rós baixos dum jardim / Dei-lhe uma rosa encarnada / Para se lembrar de mim”, canta Zeca Afonso na voz de José “Lisboa”, 85 anos, sentado à sombra do Largo da Liberdade, em Aljezur. Chegámos antes da hora marcada e, depois de um passeio pelo centro histórico que galga a vila algarvia até ao castelo, calha ser junto dele que nos resguardamos do calor. “Sei muitos poemas e cantigas”, sorriem os olhos azuis, para logo desfiar quadras e letras. “Oiça esta que é tão bonita”, vai repetindo entre o último verso e o primeiro da seguinte. Desafia-nos a entrar na desgarrada mas já nos esperam na moagem. “Eu levo-a lá, já sou amigo deles.”

José Francisco, que todos conhecem como “Lisboa”, foi um dos primeiros na vila a vir espreitar o que andavam a fazer no edifício da antiga moagem de Aljezur, encerrada há oito anos. As mós vindas de França, os engenhos artesanais e grande parte dos móveis ainda estão lá, mas já nada se esmiúça além de ideias para uma nova sociedade — e dos pratos vegetarianos que se servem no Mó Bistrô, o restaurante inaugurado no solstício de Verão. Diogo Ruivo, Isabel Gonçalves e Rita Belo são três dos “novos rurais” que compõem a Moagem de Ideias, uma associação cultural que visa apoiar “os movimentos de uma nova sociedade”: mais ecologista, virada para a sustentabilidade, para a boa alimentação, para a consciência, para a arte e para a cultura, enumera Diogo Ruivo, director-geral e principal “instigador” do projecto. “Sentimos falta disso nesta região e notámos que existiam cá muitas pessoas que também necessitavam de um ponto de encontro.”

A programação é extensa e variada, repartindo-se, para já, entre o edifício da moagem e o antigo celeiro, no lado oposto da rua. Todas as semanas, organizam aulas de diferentes tipos de ioga, de meditação e muita dança — africana, criativa, tântrica. Há actividades para miúdos e para a família inteira. Caminhadas, concertos, workshops, palestras. Às quintas-feiras, a música electrónica assume o púlpito sobre as escadas, onde duas mós escondem a mesa de som. No dia 16, por exemplo, está agendada uma cerimónia de cacau, liderada por Eva Marques Bellas. A programação vai sendo divulgada mensalmente na página de Facebook da associação.

A direcção que querem tomar na Moagem de Ideias é “clara mas ainda mutável”, assume Diogo. Projectos não faltam: organizar programas conjuntos com unidades de alojamento e empresas de turismo da região; estabelecer parcerias com as outras associações culturais que, curiosamente, têm sede na mesma rua estreita de Aljezur. Quem sabe abrir um espaço de co-working, uma oficina de artesanato ou criar programas de nutrição nas escolas locais, esboça Rita Belo, directora criativa e principal responsável pela programação. Para já, vão testando inúmeras actividades, tentando perceber como chegar às diferentes “populações” que convergem em Aljezur. Os portugueses que aqui vivem há gerações, os estrangeiros que se mudaram nos anos 1980 e os que chegam agora “para montar as suas quintinhas sustentáveis” ou os turistas de Verão. “Queremos de alguma forma chegar a essas pessoas todas, incluindo os velhotes, com quem já fizemos alguns eventos aqui”, sublinha Diogo.

Em Junho, os velhos portões da moagem centenária voltaram a abrir, depois de seis meses de obras de reabilitação. A ajuda de um grupo de “wandergesellen” — uma comunidade maioritariamente alemã que mantém a tradição de percorrer a Europa em trajes medievais, oferecendo os seus serviços de carpintaria e artesanato — foi fundamental. Estavam em Aljezur na altura e acabaram por fazer grande parte dos trabalhos com madeira e retirar a camada de cal que tapava a enorme parede de pedra. Destruir o velho para professar o novo estava fora de questão. “É um sítio lindíssimo, único”, defende Diogo. As máquinas adaptadas por Ricardo Vilhena, que durante mais de 30 anos foi aqui moleiro, ainda ocupam um terço da sala com o seu vermelho gasto pelo tempo. Os funis de madeira são agora candeeiros. Há peneiras em exposição.

A nova moagem quer “nutrir espírito, mente e corpo”. É do último vértice que se ocupa o Mó Bistrô. “É como se fosse a cantina da associação”, descrevem, onde se serve “comida vegetariana, vegan e crudívera”. Mais uma vez, a ideia é preencher uma lacuna na região. “Havia restaurantes fantásticos de gastronomia tradicional portuguesa, mas nada realmente alternativo, com uma certa consciência alimentar nutritiva e dietética”, recorda Diogo. Apenas o leite de vaca (que na ementa surge depois do de arroz e do de amêndoa), o queijo de cabra e o mel fogem à lista de ingredientes vegan. Nas sobremesas não entra açúcar, um dos ingredientes que consideram ser nocivos para a saúde, indica Isabel Gonçalves, chef principal do restaurante. Além da carta fixa, todos os dias há um prato, uma sopa, um sumo e uma sobremesa diferentes. Muitos dos ingredientes vêm do mercado de Aljezur, outros vão buscá-los directamente a produtores locais, como o tempeh ou o amendoim. São poucos os que ainda vêm de fora. Um dos sonhos é voltar a moer cereais nas velhas máquinas (que ainda funcionam) e “fazer pão a sério”. Para já vão testando de tudo um pouco, com calma. Até porque, graceja Isabel, “para sementinha já moemos muita coisa”.

Mó Bistrô
Rua João Dias Mendes, 13 – Aljezur
Tel.: 925 289 246
E-mail: hello@moagem.pt (geral) ou eventos@moagem.pt (programação)
www.moagem.pt
Horário: de quarta a segunda entre as 10h e as 23h
Preços: tostas a 5,50€; saladas a 4,50€ e 6,50€; prato do dia a 10€; sobremesas a 3€ e 4€; sumos naturais e bebidas bio a partir de 2,50€; cafetaria bio entre 1,20€ e 3,50€; cerveja a 2€ e vinho a partir de 2,50€/copo.

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