Fugas - Viagens

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Rio, a cidade do Chico

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Real Gabinete Português de Leitura - Centro 
Talvez não seja o acaso que faça o escritor Chico Buarque terminar o seu roteiro no Real Gabinete Português de Leitura. É uma jóia neo-manuelina no centro do Rio com um acervo de cerca de 400 mil livros. A história do Gabinete confunde-se com a história dos portugueses no Rio de Janeiro. Foi a primeira instituição fundada pelos portugueses depois da independência do Brasil. O objectivo dos 42 fundadores era emprestar livros aos transmontanos e minhotos que chegavam sem muita instrução. 

"Mas se pensarmos que em 1850 um dirigente do gabinete de leitura adquiriu da Casa de Setúbal um dos exemplares da edição do príncipe de Os Lusíadas, de 1572" - conta com entusiasmo o director do Gabinete, António Gomes da Costa, que chegou ao Rio de Janeiro da Póvoa de Varzim há quase 60 anos - "conclui-se que estes senhores tinham uma visão de futuro privilegiada e queriam formar no coração do Rio de Janeiro um templo de cultura portuguesa." E a sensação ao entrar no Gabinete (deixando para trás uma parte do centro do Rio maltratada) é, no mínimo, a de que se está num templo. A imponência do prédio e a grandeza do acervo são avassaladoras. "Tem gente que passa aqui e pensa que é uma igreja", sorri António Gomes da Costa.

Machado de Assis era um frequentador assíduo antes de tornar-se o grande escritor e Presidente da Academia Brasileira de Letras. Presidiu a cinco sessões solenes da Academia no prédio. O manuscrito de uma de suas peças está aqui. As obras raras, como a de Machado ou a edição de 1572 de Os Lusíadas estão num cofre e só é possível ter-lhes acesso com autorização especial. Mas para a experiência da visita ser plena não se pode sair sem tocar e ler algumas linhas de um dos milhares de títulos à volta. 

Peço um conselho a António Gomes da Costa... "Ah!, se quem estiver a visitar for um camiliano, temos a segunda maior camiliana do mundo" - e explica que o acervo foi deixado por um comerciante português, apaixonado pela obra de Camilo Castelo Branco, que comprou muitas primeiras edições e até 200 cartas escritas ou endereçadas ao escritor. "Se for um queiroziano, temos uma das melhores colecções de Eça." 

O roteiro sugerido por Chico Buarque está quase no fim e sem que eu perceba o director do Gabinete me reserva uma surpresa. "Aqui está o manuscrito de Amor de Perdição", anuncia com uma certa solenidade na voz. "Quer ver?" Incrédula, pergunto: o manuscrito no Rio de Janeiro? "Sim, sim... Seu Orlando, por favor abra o cofre e traga o manuscrito". E assim me chega às mãos o delicado manuscrito. E com ele o ritual das luvas brancas e muito cuidado ao manusear cada página. Gomes da Costa chama a minha atenção para a ausência de rasuras. "Camilo escreveu este livro na prisão em 17, 18 dias, praticamente de uma vez só. Muito diferente dos manuscritos de Eça, onde se vêem muitas rasuras, rabiscos, chamadas de páginas." 

Termino o roteiro do Rio do Chico sem esbarrar em Chico Buarque mas a lembrar os traços da caligrafia firme de Camilo. A vida de viajante é assim: cheia de surpresas e de mais razões para um dia voltar.

#Real Gabinete de Leitura | Rua Luís de Camões, 30 Centro | Tel: (55) 21 2221-3138 |www.realgabinete.com.br | aberto de segunda a sexta-feira, das 9h00 às 18h00.

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