A reactivação, em 1980, foi sobretudo simbólica, mas desde aí a linha e a própria frota têm sido progressivamente recuperadas, havendo planos para manter o trajecto activo o ano inteiro e não apenas de sexta a domingo durante o Verão, como actualmente sucede. É de novo um meio útil de chegar à praia, numa época em que os transportes públicos voltam a estar de moda. Mas o eléctrico é também e cada vez mais um fim em si, em que o que conta não é tanto chegar, mas a experiência de viver hora e meia (ida e volta) sobre carris, ao mesmo tempo que se assiste ao filme turístico que vai sendo rodado em tempo real sobre a serra de Sintra.
Valdemar Alves é co-autor (com Júlio Cardoso) do ensaio Eléctrico de Sintra, um percurso centenário e tê-lo como condutor é uma segura mais-valia. Cada estação, cada curva da linha serve de pretexto para rebobinar um pedaço de história do eléctrico e, na verdade, de toda uma cultura do idílio sintrense que tende ou já desapareceu do mapa. Como a esplêndida Quinta do Cosmo, de que há registo desde a Idade Média e chegou a ser uma das principais produtoras do famoso vinho de Colares, mais recentemente retalhada e dividida entre a ruína e a construção de anónimos condomínios fechados. Nem todas as estórias dos eléctricos de Sintra são, porém, deprimentes e uma das mais populares é a de uma fita de cowboys na Colares nos anos 60: parte das rodagens envolviam uma emboscada de índios ao eléctrico, mas ninguém avisou o guardafreio de que iria ser atacado por peles vermelhas, o que o levou a abandonar o eléctrico em pânico.
A serra com outros olhos
A excursão da Ciência Viva corresponde a um emprego alternativo da linha Sintra-Praia das Maçãs, que por um lado vem consagrar e por outro questionar os clichés da paisagem. As três biólogas convertidas em guias estão numa missão em prol da biodiversidade, que passa por enaltecer o valioso mosaico de habitats escalonados entre a serra e o mar.
É o ramalhete excepcional de características mediterrânicas, atlânticas e macaronésicas da vegetação serrana, onde se contam 900 espécies de flora autóctones, dez por cento dos quais são endemismos. Mas são também as 200 espécies de vertebrados, incluindo 33 mamíferos, mais de 160 aves, 12 anfíbios, 20 répteis e nove peixes de água doce. A boa notícia é que todas estas maravilhas naturais ainda se podem divisar no parque de Sintra. A menos boa, ou mesmo alarmante, é que em boa parte dos casos a sua conservação está por um fio.
É o próprio guarda-freio que aponta uma das principais raízes do problema, o tristemente célebre incêndio de 1966. O problema não terá sido tanto o mal, mas a cura então adoptada: a introdução de espécies exóticas, como as acácias, que rapidamente progrediram, pondo em sério risco a flora autóctone. A lembrança do incêndio leva, entretanto, uma das biólogas a pôr em causa alguns dos lugares comuns que fazem a fama de Sintra.
O parque de Monserrate, com as suas 2500 espécies botânicas oriundas dos cinco continentes, é certamente um dos ex-líbris da Sintra romântica. Mas foi justamente a sua conversão em jardim botânico por Francis Cook, em meados do século XIX, que levou à introdução de acácias e doutras espécies exóticas-infestantes na serra de Sintra. Foram, por sinal, também plantadas quase na mesma altura por D. Fernando II no parque da Pena.