Fugas - Viagens

Luís Maio

Sintra para além das vistas

Por Luis Maio

Viaja-se no eléctrico mais romântico de Portugal, contempla-se uma das serras mais fotogénicas da Europa, mas pelo caminho também se vai percebendo que toda aquela beleza nunca esteve tão ameaçada. Luís Maio embarcou no programa "Da Serra até ao mar", promovido pelo Centro Ciência Viva de Sintra.

A linha de eléctrico que liga Sintra à Praia das Maçãs deve ser a quintessência da experiência bucólica sobre carris. Viaja-se em peças de museu gloriosamente restauradas, que hoje circulam sobretudo pelo prazer de circular, ao ritmo do seu tempo de construção. Levam três quartos de hora a percorrer menos de 13 quilómetros de paisagem protegida entre a serra densamente florestada e o mar aberto, passando por quintas pitorescas e vilas tradicionais. O eléctrico é assim parte integrante, ou mesmo o epítome, da mística que consagrou Sintra como santuário do romantismo.

Os eléctricos podem ser os mesmos, a paisagem é que não. Apesar de protegida sob a figura do parque natural, tem sofrido muitas e radicais transfigurações desde que a ferrovia de bitola estreita nela se veio sinuosamente inscrever, nos inícios do século passado. A serra de Sintra é ainda uma das mais frondosas e bonitas de Portugal, mas está agora muito humanizada e mesmo terrivelmente degradada nalgumas áreas. Vendo as coisas em retrospectiva, é bem provável que o eclipse do manto vegetal de Sintra tenha começado justamente com o seu apogeu declarado, ou seja, a era romântica.

Essas e muitas outras leituras são avançadas ao longo de uma excursão fora de carreira do eléctrico de Sintra, este ano lançada no contexto do programa de Verão da rede Ciência Viva. É uma associação que faz todo o sentido, desde logo porque o Centro da Ciência Viva de Sintra funciona na antiga garagem dos eléctricos, contígua à respectiva oficina, que de futuro poderá ser museu e funcionar como seu complemento.

O eléctrico oferece os prazeres do costume, mas três biólogas promovidas a guias esmiúçam a paisagem, ensinando a olhar a serra de Sintra para além dos clichés turísticos. O programa chama-se Da Serra até ao mar e na estreia, a 29 de Julho passado, atingiu lotação esgotada, preenchendo os 30 lugares do eléctrico com uma plateia sobretudo composta por professores.

O carro sem janelas, de bancos corridos e rebatíveis em madeira, está parado na Ribeira, mesmo à porta do centro. Tem o número 7 e será conduzido por Valdemar Alves, responsável pela manutenção da frota sintrense. Mesmo antes do arranque, o nosso guarda-freio não hesita em falar de "património sobre carris" para introduzir um espólio constituído por 14 eléctricos comprados desde 1903 à companhia norte-americana J.G. Brill. São verdadeiras relíquias, em particular os três carros abertos, únicos hoje em circulação. Vem gente dos quatro cantos do mundo só para admirar as máquinas e saber como é andar numa delas.

A história da linha Sintra-Praia das Maçãs é uma declinação local da evolução dos transportes de lazer no século XX. Inaugurada em 1904, primeiro chamada Cintra ao Oceano e depois Sintra-Atlântico, atingiu o apogeu nos anos 30-40, quando chegou a Azenhas do Mar. Era a época em que meio mundo começava a gozar férias e ir a banhos, mas poucos ainda em veículo próprio. Depois, com a vulgarização do automóvel, o eléctrico foi perdendo terreno e a sua circulação no trajecto entre a serra e a praia veio mesmo a ser descontinuada em 1975.

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