Fugas - Viagens

Charles Platiau/Reuters

Por que continuamos a ir ao Louvre?

Por Andreia Marques Pereira

É um dos maiores museus do mundo e certamente o mais reconhecível. É também um dos mais criticados. Mas mesmo os mais cépticos não lhe resistem: amantes de arte ou simples turistas em Paris, todos acabam mais cedo ou mais tarde por convergir ali. Afinal, o que é que Louvre (não) tem? Andreia Marques Pereira arrisca algumas respostas

Havia Paris antes do Louvre, mas é difícil imaginar a capital francesa sem ele. Dele, oito séculos de história nos contemplam. E muitos mais são os que nós contemplamos, neste Louvre que foi fortaleza, palácio real e acabou em museu. Não um museu qualquer. Cézanne disse que “o Louvre é o livro onde aprendemos a ler” e através do qual “podemos compreender e amar tudo” - e aqui podemos ver um manifesto informal do museu, que é o maior do mundo, o mais reconhecível, o mais procurado.

É primus inter pares. British Museum, Metropolitan Museum, Hermitage, Prado são museus que andam na boca do mundo mais ou menos atento ao mundo da arte, mas o Louvre tem (e continuará a ter, atrevemo-nos a dizer) um lugar à parte. Os números impressionam: são 60 mil metros quadrados de espaço expositivo dedicado às 35 mil obras de arte da sua colecção permanente e o mais sustentado (por vezes, espectacular) aumento de público dos grandes museus internacionais.

 Na verdade, o Louvre é o museu mais visitado do mundo: há quatro anos que recebe mais de oito milhões de visitantes anuais, e em 2008 atingiu os 8,5 milhões que o mantêm como o número um (o segundo museu mais visitado, o British Museum, ficou-se com 5,6 milhões). Em 2015, esperase que 10 milhões percorram os seus infindáveis corredores. Isto apesar das já lendárias filas para entrar, das multidões que não deixam ver as suas obras mais emblemáticas, do seu tamanho desmesurado, que provocam críticas constantes. Com quase 220 anos de idade, por que é que o Museu do Louvre insiste em não deixar ninguém indiferente?

O sorriso de Mona Lisa

Quem já esteve no Louvre terá tido uma experiência semelhante: multidão compacta, máquinas fotográficas em riste, flashes a dispararem. Todos em bicos de pé para tentarem ter um vislumbre do sorriso dela. A mais conhecida obra de arte mundial está ali mas nunca a vemos completamente. Há 200 anos que no Louvre se acumulam algumas das obras de arte mais emblemáticas da história da humanidade, mas há uma estrela que brilha mais do que todas as outras. Os próprios responsáveis o reconhecem - cerca de 80 por cento dos visitantes do Louvre querem ver apenas a Mona Lisa.

É uma bênção e uma maldição. O Louvre teria tantos visitantes se não fosse por ela? Há quinhentos anos, Leonardo da Vinci trocou Itália pela corte de Francisco I. Consigo levou uma tela: o retrato de Lisa Gherardini. Em meados do século XVI, Mona Lisa já era famosa, nomeadamente pelas inovações técnicas que representava (a mais aludida, o sfumato), e já fazia parte da colecção real francesa. A tela circulou por vários palácios até ir para o novo museu central das artes, no Louvre, em 1798.

Entre 1800 e 1804 ainda fez companhia a Napoleão, nos seus aposentos privados no Palácio das Tulherias, mas voltou ao museu, de onde foi roubado em 1911 por um “patriota italiano”. Depois de um rocambolesco périplo, acompanhado como um folhetim pelo mundo inteiro, regressou à sua casa “adoptiva” em 1914. A Mona Lisa continua ali, na Salle des États (que foi redesenhada em torno dela e alberga 52 das melhores obras da colecção de pintura italiana do Louvre, incluindo de Ticiano, Tintoretto, Veronese), uma tela minúscula que se vê por detrás de um vidro, numa caixa hermeticamente selada e climatizada para garantir que o enigmático sorriso na paisagem toscana nunca se desvaneça.

A obra-prima de Leonardo da Vinci é, sem dúvida, o maior cartão-de-visita do Louvre. Mas podemos incorporá-la num triunvirato com outras duas senhoras. Vénus de Milo e a Vitória de Samatrácia. O Louvre podia viver sem ela(s) - e continuaria a ser o que é: um dos melhores museus do mundo - mas, olhando para as filas que começam na pirâmide e as multidões de alvos bem definidos, quase apostamos que não seria a mesma coisa.

Enciclopédia da civilização

É, o circuito mais procurado une os vértices do triângulo Mona Lisa-Vénus de Milo-Vitória de Samotrácia, mas há (tanto) mais Louvre. E há que fazer justiça: os “secundários” são de luxo. Mais, são uma autêntica enciclopédia da civilização humana: na impossibilidade de viajar ao passado, o Louvre é o melhor simulacro de máquina do tempo que podemos ter - nele percorremos quase todos os cantos do mundo e da História, através da arqueologia, pintura, escultura, objectos decorativos. E isso também o torna irresistível para além do óbvio.

Não se entra à toa no labiríntico museu - ou não convém. Afinal, são 14 quilómetros de galerias, onde se exibem 35 mil obras de artes espalhadas em oito departamentos (para referência: Pintura, Desenhos e Gravuras, Esculturas, Artes Decorativas, Antiguidades Gregas, Etruscas e Romanas, Antiguidades Egípcias, Antiguidades do Próximo Oriente e Arte Islâmica), divididos pelas três alas que compõem o museu - Denon, Richelieu e Sully.

Vários milénios de génio humano convergem no Louvre - num momento admiramos um capitel do palácio de Dário I e aprendemos a ler o Código Hamurabi, e noutro estamos, literalmente, aos pés de Aménophis ou contemplamos o Escriba Sentado; andamos entre os grandes mestres europeus, encantamo-nos com objectos decorativos seculares e deleitamonos com o luxo de reis.

No Louvre, há um pouco de (quase) tudo e muito de algumas coisas - as colecções de arte antiga são soberbas, as de pintura e escultura francesas são inultrapassáveis, a colecção de desenhos é a maior e mais antiga do mundo, a renascença italiana tem ali algumas das suas obras supremas. Tem lacunas, e as pistas são dadas pelos responsáveis: os “quase” que temos vindo a usar justificam-se pela ausência ou sub-representação de certas zonas geográficas - a saber, a América, o Sudão e a Ásia Central - que a política de aquisições e da exposições temporárias tem tentado colmatar. E tem um defeito que é mais questão de feitio - o âmago do espólio termina em meados do século XIX, por isso a colecção de arte moderna - e mesmo impressionista - é reduzida, embora inclua obras de Cézanne, Monet, Renoir e Degas.

Mesmo conhecendo-lhe as falhas (estas e outras), é fácil intimidarmonos perante a enormidade que é o Louvre. É a angústia de quem tem de optar, porque sabe que não pode ver tudo. O próprio museu dá pistas, com roteiros temáticos façavocê-mesmo, o mais procurado sendo o que percorre o “trio” - mas como são especialistas, chamam atenção para outras obras-primas “imperdíveis” (e conhecidas) que surgem no caminho: As Bodas de Caná, de Véronèse (mesmo em frente à Mona Lisa), A Grande Odalisca, de Ingres, A Jangada da Medusa, de Géricault, A Liberdade Guiando o Povo, de Delacroix, A Coroação de Napoleão e Josefina, de David, os Escravos, de Miguel Ângelo (dos poucos trabalhos que se encontram fora de Itália). A pintura surge em maioria, o que não surpreende: são seis mil as telas que ornamentam o museu, com obras que abrangem todas as escolas de pintura entre o século XIII ao século XIX.

Por isso, quase tudo fica de fora deste roteiro: os outros Da Vinci, Rafael, Ticiano, Fra Angelico, Botticelli, Caravaggio, Vermeer, Rembrandt, Van Eyck, Bosch, Dürer, Holbein, Rubens, Gainsborough, El Greco, Poussin, Watteau, Fragonard... E, enquanto se caminha de sala em sala, é quase impossível não admirar o próprio palácio e os seus esquemas decorativos, uma revisão do gosto francês dos últimos quatro séculos. Os estuques, as pinturas, os painéis, as esculturas, fazem do espaço uma outra obra de arte realizada por alguns dos maiores artistas e decoradores do(s) seu(s) tempo(s) - que vai além do século XIX: Braque pintou, em 1953, Os pássaros e, recentemente, outros artistas vivos foram convidados a intervir na decoração permanente do Louvre.

Também por essa magnificência arquitectónica, nunca nos esquecemos de que este foi um palácio real e muitas destas salas foram os espaços privados de monarcas. Para uma janela directa para a intimidade real, os aposentos de Napoleão III são imperdíveis - a sumptuosidade da vida imperial do século XIX está preservada - e na Galeria Apolo, no esplendoroso estilo de Versalhes, os olhos fogem para as jóias da coroa francesa, onde se encontra o Diamante Regente,

Metamorfose na História

É incontornável, portanto: como haveria museu sem Mona Lisa, também haveria Louvre sem museu. Foi palácio real. E, antes ainda, foi fortaleza. É um testemunho da história de França, é um catálogo da grande arquitectura dos últimos séculos. Por isso, mesmo à margem da arte, o Louvre vale bem uma visita.

Uma visita que inevitavelmente começa pela monumentalidade exterior. O Louvre impressiona primeiro pela sua grandiosidade e imponência, uma face virada para o Sena, outra para as Tulherias. Dirse-ia maciço, mas as suas fachadas renascentistas (com um toque já barroco) e neo-clássicas têm uma elegância sóbria. Porém, antes de chegar aqui, o Louvre era apenas uma fortaleza, construída no século XII, e uma parte dela sobrevive, visitável, nas entranhas do edifício: bases de torres e o suporte da porta levadiça.

Quatrocentos anos depois, no século XVI, Francisco I completou a metamorfose do Louvre para palácio. E este foi o impulso para o Louvre tal como hoje o conhecemos, pois embora não reste muito desta era, foi desde então que ele não mais deixou de ser um organismo quase vivo (e em crescimento constante: mais que um palácio, o Louvre é um aglomerado de edifícios), acompanhando a passagem dos tempos em todos os sentidos: foi reflexo das convulsões históricas, dos grandes movimentos arquitectónicos e até dos gostos pessoais de cada governante. Na verdade, todos os monarcas quiseram deixar a sua marca mais ou menos visível no palácio, que foi amado e detestado, vivido e abandonado em função dos caprichos reais.

E à medida que as modas arquitectónicas se imprimiam no palácio - com uma coerência inesperada, embora seja um bom exemplo compósito da arquitectura francesa desde o renascimento - também a história por ali passava. A Revolução Francesa trouxe a abertura do museu, em 1793, que da Grande Galeria haveria de tomar conta de todo o edifício - começou com a colecção real e a arte confiscada à aristocracia e, rapidamente, viu o seu espólio aumentar com os saques dos exércitos napoleónicos.

Com Napoleão III, e já estamos no século XIX, o Louvre sofreu as últimas grandes renovações. E com a queda do Segundo Império terminou o longo percurso de Louvre como centro do governo, e começou a nova vida do Louvre como portal de cultura.

Houve apenas um “intruso” nesta vocação cultural - o Ministério das Finanças, que ali funcionou até que François Mitterrand lançou, em 1981, o projecto do “Grand Louvre” e começou a mais radical transformação da história do museu. A mais visível (e ostensiva) terá sido a pirâmide que I. M. Pei, em 1989, fez aterrar como um óvni no Cour Carrée para funcionar como entrada principal do museu; porém, a mais importante terá sido a abertura da ala Richelieu (até então casa do ministério), no que constituiu a maior expansão do museu até à data. Agora, constrói-se o segundo edifício moderno do Louvre - para, em 2012 receber o Departamento de Arte Islâmica. Com certeza não será a último.

Passeio público

Começou por ser um jardim ao estilo italiano, ou não tivesse sido encomendado por Catarina de Médicis como complemento ao “seu” Palácio das Tulherias, construído a 500 metros do Louvre e, posteriormente, a ele ligado.

Foi uma tapada real, promenade para aristocratas e realeza francesa durante o século XVIII (e o balão de ar dos irmãos Montgolfier foi aqui lançado com êxito em 1783) e, finalmente, jardim público (e democrático), depois do palácio que lhe deu origem ter sido destruído nos últimos anos da Comuna de Paris. O Jardim das Tulherias, que foi oficialmente integrado na estrutura do Louvre, que o abraça deixando-lhe vista para a Praça da Concórdia e o Museu d’Orsay, é um dos locais favoritos dos parisienses para os passeios de fim-de-semana - e é um bom local para os visitantes do museu descansarem ao ar livre, ainda entre arte: obras de Giacometti, Ernst e Moore, entre outros, foram recentemente colocadas no jardim. Que é ele próprio uma obra de arte, que mantém o mesmo rosto que lhe deu o criador dos jardins de Versalhes, no século XVII - o esquema dos jardins, os terraços, os lagos octogonais e redondos permanecem, faltam as esculturas que foram sendo trazidas de outros palácios, pois as que se vêem agora são cópias, os originais encontram-se no Louvre. Entretanto, novas adições botânicas foram feitas, com a introdução de plantas raras e a plantação de nogueiras. Já no século XVIII, algumas atracções foram instaladas nas Tulherias e essa tradição mantém-se - há carrosséis, concertos, desfiles, espectáculos infantis e, nos lagos, barcos sulcam as águas para divertimento e relaxamento de todos.

Regresso ao futuro

O âmago da colecção de arte do Louvre pode ter ficado pelo século XIX, mas o museu enquanto instituição nunca deixou de acompanhar l’air du temps veja-se, por exemplo, o site na Internet: é mais um museu virtual a complementar o real. E o “real” também não pára. Por estes dias, outra radical transformação se prepara no Louvre. Arquitectónica e expositiva. No centro do neoclássico Cour Visconti, um moderno edifício de dois andares, desenhado pelos arquitectos Mario Bellini e Rudy Ricciotti, vai albergar debaixo de um telhado translúcido feito de discos de vidro boa parte da colecção de arte islâmica do museu - são 10 mil peças, das quais apenas 1300 estão em exibição, que abrangem treze séculos em três continentes. A inauguração está prevista para 2012, o mesmo ano em que abrirão as novas salas devotadas às artes decorativas do século XVIII - e a colecção do Louvre é considerada uma das mais importantes, e mais belas, do mundo.

Não é consensual, mas já é uma realidade: o Louvre vai sair do Louvre. Que é como quem diz, vai abrir uma espécie de franchise - já não é apenas um museu, é uma marca. Em 2013 abrirá portas o Louvre Abu Dhabi, num edifício concebido por Jean Nouvel.

Se haverá mais Louvre pelo mundo, só o tempo o dirá, mas o Louvre anda pelo mundo - em exposições que apresenta regularmente em todos os continentes; em escavações que promove em vários locais; e em aquisições que visam complementar as lacunas da colecção. Tudo para que quem for ao Louvre continue a ter (cada vez mais) história do mundo em exposição.

Como ir

As opções de deslocação de Portugal para Paris são imensas. Há voos de várias companhias, do Porto e de Lisboa: TAP, Ryanair, easyJet, Transavia. Os preços são muito variáveis, mas encontram-se facilmente boas tarifas.

Museu do Louvre 75058
Paris Cedex 01
Tel.: (+33) 1 40 20 50 50
www.louvre.fr

Entradas: Pirâmide (é a principal e a mais espectacular mas também a mais congestionada); Portes de Lions (junto ao Sena, com pouco movimento); Galerie du Carrousel (Rue de Rivoli, 99 - a entrada pelo centro comercial subterrâneo é considerada a “entrada escondida” do museu; tem também um posto de turismo); Passage Richelieu (na Rue de Rivoli, entre a Praça do Palácio real e o Cour Napoléon - para entrar por aqui é necessário já ter bilhete).

Acessos: Metro: A principal estação é Palais-Royal-Musée du Louvre (linhas 1 e 7); outra opção é a estação Louvre-Rivoli (linha 1) Autocarros: As linhas 21, 24, 27, 39, 48, 68, 69, 72, 81, 95 param em frente à Pirâmide.

Barco-autocarro: Quai François Mitterrand.

Horários: Segunda-feira, quintafeira, sábado e domingo das 9h00 às 18h00; quarta e sexta-feira das 9h00 às 22h00. Encerra à terçafeira, 25 de Dezembro, 1 de Janeiro e 1 de Maio. Atenção: como o Louvre não tem funcionários para manter a totalidade do museu aberto todos os dias, há que verificar o calendário para saber que salas estão abertas e fechadas em cada dia.

Preços: €9,5 para acesso diário, excepto às exposições temporárias no Hall Napoléon também válido para o Museu Delacroix; €6 para acesso à quarta e sexta-feira entre as 18h00 e as 21h45 (excepto para as exposições temporárias no Hall Napoléon); €11 para as exposições temporárias no Hall Napoléon.

Bilhetes combinados: €14 para acesso à colecção permamente e exposições temporárias no Louvre e Museu Delacroix; €12 à quarta e sexta-feira entre as 18h00 e as 21h45. Entrada grátis todos os primeiros domingos do mês e dia 14 de Julho para a colecção permanente. Entrada gratuita para menores de 26 anos (há outras excepções, a verificar no site do museu). Os bilhetes podem ser adquiridos no local ou em avanço, evitando as filas: online, na Fnac,Ticketline e Ticketweb ou, em Paris, em diversas locais, como a Fnac, Carrefour, Printemps, e Galerias Lafayette.

[FUGAS nº 542 - 2 Outubro 2010]

--%>