Fugas - Viagens

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Madrid das arábias

Por Luís Maio

Medina Mayrit é Cidade de Madrid em árabe. Um jardim das delícias que a Fugas descobriu nas entranhas da capital espanhola.

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Situada entre a Puerta del Sol e a Plaza Mayor, a Plaza Jacinto Benavente é uma das mais castiças do centro de Madrid. Acaba de ser requalificada, mas conserva-se popular, caótica e hiper-ruidosa. Basta, porém, abrir uma porta na sua esquina sudoeste e descer dois lanços de escadas para entrar noutra dimensão, que é muito literalmente a antítese do stress urbano reinante à superfície. O lugar chama-se Medina Mayrit e oferece-se como uma recriação da cultura de banhos públicos consagrada no período áureo do El Andalus.

Vem daí o nome Medina Mayrit que significa "mãe das águas" e donde deriva Madrid, designação escolhida pelo Reino de Toledo (séculos VIII a XII) para o novo enclave em que assentou a capital espanhola. Um dos limites do seu perímetro amuralhado era a actual praça Jaime Benavente, onde em data incerta foi construída uma cisterna. Foi o seu subsolo recuperado, empregando materiais típicos dessa época, que deu lugar ao balneário ao estilo mudéjar inaugurado pelo grupo El-Andalus fez agora quatro anos.

Vem na tradição dos "hammams", tem óbvias similitudes com os banhos públicos que se podem hoje frequentar nos países árabes, mas a grande mais-valia para além do corte com o tumulto à superfície é a sua aproximação ao gosto e aos hábitos ocidentais. Resumindo, homens e mulheres partilham os espaços da Medina Mayrit com o à vontade (e correspondente decoro) comum a qualquer estância de veraneio europeia, enquanto a decoração recria o ambiente árabe/andaluz ao estilo das revistas de design.

Refúgio subterrâneo

A recepção fica no piso térreo. Com as suas arcadas em ferradura a demarcar os espaços, a escadaria em caracol de ferro forjado a fazer a ligação com o andar superior, as velas aromáticas e as vitrinas repletas de incensos e adereços para o ritual do chá, é já uma antecâmara do que espera o visitante no subsolo.

Também se percebe - sobretudo quem for às 16h00, último horário (ainda) da manhã com preços mais económicos - que a Medina Mayrit já faz parte dos roteiros alternativos e do turismo independente. A clientela nesse horário costuma ser numerosa e não engana: é uma mistura de espanhóis "new age" e de estrangeiros de "Lonely Planet" debaixo do braço, uma demografia à base de casais oscilando entre os 25 e os 45 anos. Chegada à hora da entrada do turno (reservas obrigatórias), a recepcionista dá as instruções para o programa de hora e meia que se segue: é indispensável levar fato de banho, a toalha eles facultam, só se pode entrar descalço e é proibido falar alto.

Cumpridos estes preceitos, o visitante está pronto para o banho de exotismo, começando por evoluir às apalpadelas, até se adaptar à penumbra, pelo estreito corredor que divide todo o subsolo. À esquerda estão três piscinas de águas mornas, o "tepidarium", a piscina de água quente, o "caldarium", e uma sala mais pequena e fechada de sauna, enquanto à direita se encontra um tanque de água fria e salas de relaxamento, temperadas com música suave e chá de menta. As paredes são em adobe com tectos baixos abobadados, tijolos de barro artesanal dispostos em composições geométricas com fiadas de azulejos coloridos pelo meio. Pequenos focos de luz estão incrustados no tecto, mas há também uma entrada de luz natural, através de uma fonte situada a meia da sala do restaurante, no piso superior. Ouve-se e vê-se a água a jorrar, mas como o fundo é de vidro não nos chega a cair em cima, o que só contribui para a acentuar a ambiência mágica do local.

A sequência clássica consiste em começar com a água morna para efeitos de ambientação, evoluir para a quente visto que a transição é suave dos 36 para os 40 graus, e depois experimentar o choque que se acredita fazer bem à circulação sanguínea, ou seja, o tanque com água a 15 graus. Rapidamente, porém, os utentes desistem desta rotina, trocando-lhe a ordem e sobretudo passando a evitar a água fria. Há quem namore, passe pelas brasas, ou medite, e há instantes em que só se ouve mesmo o suave ruído da água. Mas estamos em Espanha e, apesar das recomendações, há momentos em que os banhos ameaçam tornar-se em algazarra de esplanada e tem de ser o pessoal da casa a chamar os banhistas ao silêncio. Os espaços mais exíguos, em particular a sauna, são mais serenos, ao passo que as piscinas, e sobretudo a entrada do tanque de água fria, com as suas sensações fortes, são mais dados à comunicação e à brincadeira.

Uma coisa é certa: quando se volta a sair à rua e a enfrentar a balbúrdia da Plaza Jacinto Benavente, a única coisa que apetece mesmo é fugir de Madrid, de preferência por essa gruta de Ali Babá que é a Medina Mayrit. Fica bem, em qualquer caso, à capital madrilena isso de ser uma das poucas cidades do mundo onde o paraíso fica no subsolo.

Mundo árabe
Delícias turcas

Os banhos turcos ou hammams são um sucedâneo das termas romanas e dos banhos bizantinos. Foram introduzidos no mundo árabe como parte dos rituais das abluções, recuperando os banhos romanos ou dando lugar à construção de anexos nas mesquitas. Rapidamente se vulgarizaram e autonomizaram nas principais cidades Império Otomano, tornando-se instituições complexas e mesmo monumentais, caso por excelência do famoso Çemberlitas Hamam de Istambul.

A estrutura básica de sala morna, sala quente e tanque com água fria, complementada por salas de massagem e relaxamento, ganhou crescente sofisticação arquitectónica, na mesma medida em que os banhos se converteram em centros da vida social. Tornaram-se lugares de encontro quotidiano, mas também de entretenimento (dança, refeições) e cenários de várias cerimónias. Foram também capelas de luxúria, que empregavam como trabalhadores sexuais rapazes e raparigas muito novos, na maior parte recrutados entre os países não islâmicos subjugados pelos otomanos. Hábitos que se foram perdendo no mundo árabe com a introdução dos modernos sistemas de canalização, ironicamente na mesma época vitoriana que viu os ingleses inaugurarem banhos turcos nas principais cidades do Império Britânico.

Informações

Calle Atocha, 14
Reservas (obrigatórias) pelo telefone: +34 902333334
E-mail: mailto:madridreservas@hammam.es?subject=Reserva
Site: http://www.medinamayrit.com/

Horários e preços

Estadias de 90 minutos com o primeiro turno às 10h00 da manhã e o último às 24h00.
De segunda a sexta das 10h00 às 16h00, o banho custa 24 euros (mais quatro com massagem), depois 26 euros. A meia hora seguinte a cada turno é usada para limpezas. Existem pacotes de "mil e uma noites", que incluem banho, massagem, jantar e espectáculo, a partir de 65€; e "manhãs de hammam", com banho, massagem e comida, desde 37,50€ (Preços de 2011).

Onde comer

Além de hammam, a Medina Mayrit é restaurante e casa de chá, que funcionam no piso térreo do mesmo prédio na esquina da praça. A cozinha dirigida por Isabel Omar recria os pratos da tradição mudéjar, uma cozinha de matriz árabe mas também sabores judeus e cristãos, a que ela acrescenta um toque contemporâneo. O menu do dia - com entrada, segundo prato, sobremesa, café ou chá e a primeira bebida - custa 12,90€ e o menu de jantar é 39€ (Preços de 2011).

O que fazer

O programa ideal é ir a banhos e depois tomar um chá ou comer no restaurante, de preferência com danças e música ao vivo. A casa de chá oferece dança do ventre aos fins-de-semana e um cartaz de espectáculos para as noites, que muda todos os meses. O cartaz e os preços actualizados estão no site.
A Medina Mayrit é parte do grupo El-Andalus, cadeia que abriu estabelecimentos semelhantes em Granada e Córdoba.

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