Fugas - Viagens

Miguel Madeira (iPhone)

O Mindelo está a mudar, mas ainda é gostoso

Por Jorge Marmelo

O Mindelo já não é uma cidade de uma só cara, convivial e afável. A urbe vai crescendo, desordenada, pelas fraldas dos velhos vulcões e, com ela, crescem as contradições. Jorge Marmelo visitou o postal ilustrado, mas também andou atento às mudanças. E foi ver as praias da ilha.

O Mindelo colonial e amistoso, cosmopolita e culto, brasileirinho, ainda lá está, espraiado em torno da baía que viu nascer e crescer o maior porto de Cabo Verde. Olha-se e vê-se a antiga alfândega (agora centro cultural), a réplica da Torre de Belém, o antigo Palácio do Governador, o Liceu Jorge Barbosa, o velho mercado da Rua de Lisboa, a Praça Nova com o busto de Luís Vaz de Camões, o antigo cinema Éden Park (fechado), o casario de cores fortes. E tudo parece igual ao que sempre foi. Mas o Mindelo já não é o que era e isto não é contradição nenhuma; é apenas o retrato à la minuta de uma cidade em mudança.

Olhó passarinho! Flash! Chega-se e, desta vez, ao contrário do que era costume, advertem-nos de que não devemos regressar sozinhos à pensão depois que a noite cai; que o “caçubodi” (expressão traduzível por “assalto” e que o crioulo adoptou a partir do inglês “cash or body”) também já chegou a “Soncente”. Uma amiga pede que vá ter com ela à Praça Nova, como antigamente, mas que não vale a pena tentar telefonar-lhe: passou a deixar o telemóvel em casa para evitar chatices.

Flash! Na deserta e ventosa praia de Flamengos não há apenas caranguejos bravios correndo o areal: um grupo de soldados armados com kalashnikovs oculta-se sob a sombra de uma acácia, verde e frondosa depois das chuvas do final de Agosto. Ao longe, talvez contrariados pela presença inusitada de turistas no areal, os invisíveis ocupantes de um bote insuflável esperam na dobra do penhasco da Ponta Flamengos que a praia fique vazia para que volte a ser possível vir a terra descarregar -droga, garantem-nos.

Flash! Estacionado junto ao tribunal que ocupa o belo e rosado palácio que já foi “do governador”, um automóvel Lexus, versão superdeluxe, faz-se notado numa ilha pequena cuja única estrada asfaltada, em direcção ao aeroporto, se esgota em poucos minutos.

Flash! Quase ninguém vai à praia de Palha Carga, no lado Sul da ilha.

Para lá chegar é preciso um jipe capaz de ultrapassar o caminho escalavrado pela corrente das chuvas. Num canto, junto à falésia, há palmeiras e uma construção em ruínas. Um pequeno paraíso com fim à vista: o terreno foi já vendido a um grupo de investidores árabes que promete construir um “resort” de luxo com acesso directo ao novo aeroporto internacional.

Flash! É noite e, junto à nova marina, um bote move-se lentamente em direcção aos veleiros acostados, mal agitando as águas mansas da baía. Se fosse uma actividade legal, diz-nos um mindelense, iam a pé, pelo cais, passando pela portaria. Mas não é: talvez uma menina menor que irá ser servida numa bandeja a um velejador europeu.

Flash! Prostitutas adolescentes abordam os clientes nas imediações da Praça Nova, disputando clientes às velhas que vendem “drops” e cigarros avulso. Italiano? “Ciao! Amore!” Estão demasiado pintadas, demasiado gastas, meninas bonitas e velhas já, e usam todas as palavras estrangeiras que aprenderam à pressa. “Français? L’amour?”


Cidade de contrastes

O Mindelo já não é o que era, mas ainda lá está fazendo pose para o postal ilustrado. As construções afaveladas vão subindo os morros vulcânicos e dominando a paisagem, mas, junto ao mar, a cidade é ainda colonial e pitoresca, bonita, as ruas traçadas a régua e esquadro. Os edifícios têm cores fortes e, junto ao calçadão da praia da Laginha, cujas areias a chuva levou, nasce um empreendimento de quatro torres que se chamará... Copacabana.

O Mindelo já não é o que era, mas ainda há grupos dedilhando a suave melancolia de uma morna, de uma mazurca, de um funaná, na esplanada do restaurante Archote, na do Hotel Porto Grande, no Tradisson & Morabeza, no Chez Loutcha. Os mindelenses, porém, parecem ter-se rendido ao ritmo meloso do zouk/kizomba e juntamse, movendo lentamente os corpos colados, na pista de dança abafada da discoteca Cave.

O jardim colonial da Praça Nova ainda é, à noite, o ponto de encontro preferido dos mindelenses, que, durante o dia, se movem amistosamente pelas artérias em torno da Rua de Lisboa. Mas o quiosque da velha praça e a esplanada em seu torno vão sendo trocados pelas “roulottes” parqueadas nas imediações, onde se vendem hambúrgueres e “shwarma”, pizzas. E a praça é cada vez mais longe dos sítios para onde a cidade cresceu e aonde as pessoas recolhem quando a noite cai.

O Mindelo já não é o que era, mas ainda é gostoso andar ao calhas pelas ruas dessa espécie de brasilinho trepando pelo anfiteatro formado pelos restos dos velhos vulcões. Ainda lá está o Café Lisboa com os clientes do costume, mas o comércio em torno é cada vez mais chinês. Sabe bem fazer uma pausa no Café Mindelo ou estacionar no balcão do Bar Argentina, ao lado do Centro Cultural, e ficar a petiscar pastéis de atum enquanto as gentes preenchem os boletins do Totoloto e a proprietária narra as qualidades do grogue e do pontche de produção familiar, vendidos em garrafas recicladas de outras bebidas; subir ao final da tarde pelas ruas da Ribeira Bote até ao Monte Sossego e parar no Bar do Zé para uma Strela estupidamente gelada e uma enfiada de croquetes de peixe acabadinhos de fritar; ir caminhando pela marginal que contorna o Porto Grande até ao mar da Laginha e aí ficar a tomar um pouco desse sol quente e bom enquanto os mocetões da ilha insuflam os músculos nos aparelhos de ginástica improvisados junto à esplanada Caravela; penetrar no Mercado do Peixe e, depois, tomar um dedal de grogue no mítico bar Boca de Tubarão -trinta escudos com direito à companhia de um dos loucos descalços que catam esmolas nas ruas da cidade.

O Mindelo dos livros e da lenda ainda existe, sim, convivial e afável como no mito, mas está a mudar. Continua a ser “sabim”, gostoso, doce e bom, morno. Mas é, cada vez mais, uma cidade real, complexa, contraditória e de contrastes. Ainda é a cidade dos escritores, e do teatro, da morna tocada nos bares e dos pintores. Tchalê Figueira mantém abertas as portas do atelier na Avenida da Praia. Mas há algo novo a nascer. É pena, mas talvez tenha mesmo que ser assim. As únicas cidades que não mudam são aquelas que já morreram.


Sete praias de São Vicente

Ao contrário do que sucedeu na ilha do Sal e, mais recentemente, na da Boavista, cujos areais extensos de areia dourada rapidamente cederam caminho a um carrossel de hotéis, “resorts”, pacotes turísticos e voos charter, a ilha de São Vicente tem mantido, desde há vários anos, uma procura turística regular e equilibrada, que pouco ou nada tem a ver com a oferta de sol e praia a preços convidativos, mas antes com a afamada convivialidade da cidade do Mindelo, uma espécie de Brasil como já nem no Brasil existe, e, mais recentemente, com a praga global do turismo sexual.

O sol e a praia não são, pois, o principal produto turístico do Mindelo, mas as coisas estão a mudar: em Santo André, a cinco minutos do aeroporto (cuja nova gare, internacional, acaba de ser inaugurada), existe já há algum tempo o “resort” Foya Branca e anunciam-se novos investimentos do género para outras partes da ilha. As praias de São Vicente não serão tão imediatamente vendáveis como as congéneres do Sal e da Boavista (onde a população autóctone foi já numericamente superada pela dos residentes italianos), mas, ainda assim, estão lá. E, enquanto os “resorts” não chegam, constituem, em alguns casos, verdadeiros paraísos quase desertos, onde é possível gritar alto, a plenos pulmões, sem se correr o risco de ser escutado por alguém.


Laginha
É a praia urbana da cidade do Mindelo, situada no interior da baía onde está localizada a infraestrutura portuária da cidade. A despeito da poluição inerente a este facto e à ruidosa vizinhança da unidade de dessalinização de água da Electra, é o local aonde os mindelenses confluem naturalmente sempre que os dias se põem a jeito para um cálido banho de mar, ou apenas para uma caminhada ou ainda para uma sessão de musculação nos aparelhos improvisados junto ao muro do Calçadão. A avenida está também bem servida de equipamentos de apoio, nomeadamente esplanadas e uma discoteca. O cenário é igualmente convidativo: diante do areal ergue-se a imponente massa da ilha de Santo Antão, o bonito perfil do Ilhéu dos Pássaros e, mais à esquerda, o volume recortado do Monte Cara.


Praia Grande
Separada do Calhau pelas duas montanhas deixadas pelas últimas erupções vulcânicas registadas em São Vicente, a Praia Grande conta com um extenso areal de areia clara e um mar cálido agitado por uma ondulação persistente e regular. Adequada para a prática de alguns desportos náuticos, como o kitesurf, não dispõe de qualquer estrutura de apoio, embora a distância até ao Calhau possa ser facilmente percorrida a pé.


Baía das Gatas
Conhecida em Portugal por ser o local onde decorre, em Agosto, um animado festival de música, a Baía das Gatas é também um lugar de veraneio bastante concorrido. A pequena enseada tem um fundo pedregoso, mas a água é cálida e de um azul absolutamente cristalino, sendo o acesso facilitado pela existência de dois pequenos molhes em cujos topos se concentram os banhistas. A povoação anexa tem um ar algo desolado, mas providencia as necessidades mínimas. Dista cerca de quinze minutos da cidade do Mindelo, sendo os transportes pouco frequentes, pelo que é mais avisado recorrer a um táxi.


Calhau
Aldeia de pescadores localizada no extremo oriental da ilha de São Vicente, a cerca de meia hora do Mindelo, o Calhau tem visto crescer uma quantidade apreciável de casas de veraneio. Para além de algumas pequenas praias, tem uma piscina natural localizada no sopé da mais recente chaminé vulcânica da ilha, negra e imponente. O local é, por isso, estranho e belo, e o percurso que é necessário percorrer para ali chegar é absolutamente imperdível: na chamada Ribeira do Calhau, uma espécie de vale encaixado entre arribas vulcânicas, está concentrada toda a produção agrícola da ilha, sendo a escassa água das chuvas retida graças a um sistema de pequenos diques. São também características da zona as torres metálicas que sinalizam a existência de poços.


São Pedro
Localizada junto ao aeroporto, São Pedro é uma vila piscatória que dispõe de um areal amplo e protegido no interior de uma enseada cujo extremo ocidental corresponde à vizinha praia de Santo André, onde existe um hotel luxuoso. A população é amistosa e o mar proporciona banhos agradáveis, podendo ser alternados com o folclore da chegada regular das embarcações de pesca. A praia conta ainda com um bar de apoio


Palha Carga
O local é de difícil acesso, obrigando ao aluguer de um veículo todoterreno para percorrer o longo desfiladeiro escarpado que lhe dá acesso, mas a deslocação vale a pena. Palha Carga faz lembrar algumas praias do litoral alentejano, mas tudo o que lá se pode encontrar são duas ou três palmeiras e uma velha construção em ruínas. Regra geral, e enquanto não começa a construção de um prometido “resort”, o areal está deserto e é percorrido apenas pelos coloridos e numerosos elementos de uma colónia de lagartas do mar. Como não há vivalma nas imediações, é melhor ir preparado para qualquer eventualidade.

 
Flamengos

A praia é deserta e de acesso relativamente difícil, embora a curta distância do Mindelo, a partir da estrada de acesso ao aeroporto. Apesar do isolamento, persiste ali uma família, única presença humana regular no local. Para além desta família há apenas a registar a existência de caranguejos pouco amistosos no areal e de um mar morno batido pelo vento forte.

 

Como ir
São Vicente conta com um aeroporto internacional, mas a viagem até à ilha obriga ainda à passagem, frequentemente demorada, pelos aeroportos do Sal ou da Praia, que dispõem de ligações diária a Lisboa em voos da TAP e da TACV. O preço das passagens vai dos 600 aos 800 euros.

Quando ir
O clima é ameno e seco durante todo o ano. As chuvas, quando vêm, ocorrem normalmente entre os meses de Agosto e Outubro. Em Agosto a ilha está mais animada, graças à presença de emigrantes em férias e ao festival da Baía das Gatas. A passagem de ano e o Carnaval são também afamados pela sua animação.

O que fazer
São Vicente é um lugar privilegiado para a prática daquilo que os italianos designam por “dolce fare niente”, podendo o tempo ser passado entre a praia e um dos muitos cafés e esplanadas do Mindelo. Há ainda uma oferta regular de espectáculos teatrais, livrarias e lojas de artesanato.
Muito aconselhável é ainda uma visita à vizinha ilha de Santo Antão, estando disponíveis programas turísticos de natureza e aventura, mergulho, pesca submarina, surf, bodyboard, windsurf, passeios pedestres e em BTT.


Onde dormir

Hotel Porto Grande mmmm
Praça Amílcar Cabral, Mindelo
Telef. (+238) 232 3190

Casa Café Mindelo
Rua Governador Calheiros, 6, Mindelo
Telef. (+238) 318 731
www.casacafemindelo.com

Foya Branca Resort Hotel
S. Pedro, S. Vicente
Telef. (+238) 2307400

Residencial Sodade
Rua Franz Fanon, 38
Telef.: (+238) 327556

Residencial Laginha
Praia da Laginha
Telef.: (+238) 2325468
www.residencialaginha.ne1.net

Residencial Jenny
Alto de S. Nicolau
Telef.: (+238) 2328969


Onde comer

Restaurante Archote Alto de S. Nicolau, Mindelo.

Tradisson & Morabeza Rua da Praia Restaurante Sodade Rua Franz Fanoz, 38 Chez Loutcha Rua do Coco

Dinheiro
Escudo de Cabo Verde. Um Euro vale cerca de 110 escudos caboverdianos.
Existem caixas ATM nas principais cidades.

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