Não somos diferentes. Animais fugindo ao rigor do estio e à cidade onde, para muitos, já nada refreia a saudade de uma natureza que afastamos para longe. E aqui, se o quisermos, se desligarmos a televisão, deixando Espanha para lá dos montes a norte e nordeste e Portugal nas nossas costas, separado de nós pelas serras do Parque Nacional da Peneda-Gerês, estamos, de facto, refugiados. Protegidos de quase tudo e, assim, permeáveis ao negrume da terra humedecida pelo orvalho da manhã, aos cheiros, sons e à solidão aparente da paisagem. E permeáveis até aos seus sabores, se viermos no tempo das amoras que tingem os lábios e, quando caem, grande parte dos caminhos.
Caminhar é, aliás, o que melhor se pode fazer por aqui, onde começa aliás o trilho dos brandeiros, um percurso de 14 quilómetros de moderada dificuldade que, entre os vales do rio Vez e do rio Mouro, nos leva pelas rotas e abrigos dos pastores de Gave. Bem mais acessível é o passeio pelas ruelas estreitas da branda, nas quais é possível espreitar a passagem do tempo na grossura centenária dos troncos dos castanheiros, nas construções em ruína ou em recomposição, ou senti-lo no musgo que dá cor aos muros de granito irregularmente sobreposto. No vale que se abre para as duas encostas por onde se espalha o casario, o Aveleira, um afluente do Vez onde alguém teve a infeliz ideia de criar uma zona seca atirando cimento para o leito, insinua a sua presença, misturando-se com ruído do gado que lhe apara a margem e com uma ou outra ave de rapina que fazem de todo o espaço que a vista alcança a sua coutada de caça.
Não estamos longe de uma das mais belas entradas no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Lamas de Mouro, na sua planáltica brandura, é, sombreada por carvalhos, bétulas e camacíperes, um fértil contraste com algumas das encostas rochosas, esculpindo broas de pão, como descreveria Miguel Torga, que nos balizam o caminho, por estrada, até lá. Estrada que, nos primeiros quilómetros, até começa por nos oferecer um insólito contraste entre o "relvado" verdejante do Lameiro da Porteira, onde é fácil encontrar alguns garranos ou famílias de vacas em ameno piquenique, e o campo de futebol pelado que nos implora, do outro lado da via, relva, uma bola e jogadores que não há.
O que há é um cruzamento, no sítio do Batateiro, que podemos tomar como ponto de partida para um percurso, vá lá, circular - pelo menos capaz de pôr a cabeça de alguns passageiros a andar à roda, de tão sinuoso o caminho. Lamas de Mouro está para nordeste - e de lá, Castro Laboreiro, a sete quilómetros, pede um desvio que, desta vez, resistimos a fazer. Seguimos de Lamas para sul, iremos ao encontro de um santuário singular que, inspirado no Bom Jesus de Braga, espalha encosta abaixo o seu escadório, erguendo-se o templo à sombra da montanha que lhe dá nome. A senhora da Peneda é lugar a visitar em qualquer altura do ano, sendo que vale para alguns o aviso de que, na primeira semana de Setembro, durante a romaria, o lugar e toda a estrada desde Lamas de Mouro são expropriados por milhares de peregrinos e respectivos carros e autocarros, tornando difícil, muito difícil mesmo, a circulação.