Fugas - Viagens

Luís Maio

Cemitério Père-Lachaise, o jardim-panteão de Paris

Por Luís Maio

Conversas com espíritos e ritos de fertilidade esperam o visitante no mais turístico cemitério do mundo. A Fugas andou por lá a perguntar pelas últimas moradas dos famosos e pelo meio descobriu esplêndidas zonas verdes, esculturas sensacionais e uma mão-cheia de histórias incríveis

É o maior espaço verde da capital francesa, um dos mais belos também. Ocupa 44 hectares no nordeste de Paris, toda uma colina coberta por 5300 árvores, na maior parte bordos, castanheiros, freixos e tuias, incluindo exemplares tão singulares que até têm direito a placa. Servem de residência a uma fauna variada, que integra cerca de 300 gatos, muitos corvos e mais pássaros, um batalhão de lagartos e toda uma multiplicidade de insectos (grandes colónias de abelhas).

Ao mesmo tempo funciona como um museu a céu aberto, uma montra privilegiada de arquitectura e de escultura europeias dos séculos XIX e XX, integrando nada menos de 33 mil obras inscritas nos inventários de monumentos históricos da cidade. Mas o lugar é sobretudo famoso como "morada mais honrosa de Paris", residência definitiva de um impressionante escol de personalidades, em particular de artistas e escritores que se distinguiram nos últimos dois séculos, em França e não só.

A lista nunca mais acaba e muda consoante as épocas e os juízos dos vivos. Mas há uma espécie de top 100, onde figuram desde escritores como Balzac e Oscar Wilde a artistas como Edith Piaf e Jim Morrison, passando por filósofos tais que Auguste Comte e Jean-François Lyotard. Não admira se o Cemitério de Leste, mais conhecido por Père-Lachaise, é o mais famoso de Paris e o mais visitado do mundo. Nunca chega a ter lotação esgotada, até porque ocupa uma área maior do que o Vaticano, mas há uma série de moradas onde se registam concentrações diárias de visitantes. São para cima de dois milhões ao ano, certamente mais curiosos e turistas do que familiares dos sepultados. Este cemitério é, portanto, uma das principais e certamente das mais originais atracções da capital francesa.

Cemitério VIP

Se as histórias das celebridades mortas são o principal magnete, a do próprio cemitério e de como veio a tornar-se morada final de tanta gente famosa é todo um enredo, tão ou mais fascinante. Em finais do século XIX, os cemitérios existentes dentro de Paris estavam superlotados, tanto que o dos Inocentes chegou mesmo a rebentar. Rolaram cadáveres pelas ruas e o seu cheiro putrefacto chegou às imediações de Les Halles, então o mercado central da cidade, o que naturalmente disseminou o horror entre a população.

No dia seguinte ao sórdido acidente, Napoleão anunciou quatro novos cemitérios, o maior dos quais era justamente o de Leste. Antes, no século XII, a colina estava coberta de vinha, sendo depois comprada pelos jesuítas, que construíram uma casa de repouso, bordejada por um frondoso jardim à francesa. Era o refúgio predilecto do padre François D'Aix de La Chaise, confessor do rei Luís XIV, que em muito contribuiu para a valorização da propriedade, justificando que o cemitério viesse popularmente a ganhar o seu nome. Com a expulsão dos jesuítas, em 1763, o domínio foi vendido a particulares, chegando pouco depois às mãos da família Baron que, arruinada pela Revolução, acabou por cedê-lo à edilidade.

Habituados a enterros em igrejas ou nas imediações, os parisienses começaram por virar costas a este, inaugurado fora de portas em 1804. Para contrariar o fracasso inicial, a edilidade investiu no marketing, trasladando para o novo cemitério Abélard e Heloise, o casal de amantes trágicos da Paris medieval, mas também La Fontaine e Molière, dois dos mais famosos autores franceses de sempre. Foi uma clara encenação, porque na confusão em que se encontravam os cemitérios parisienses na altura é quase impossível que tenham recuperado os restos mortais certos. A campanha de publicidade apurou-se mesmo assim um sucesso, levando muitos famosos a reservaram o seu espaço para a posteridade no Père-Lachaise e legiões de anónimos a seguirem pelo mesmo caminho.

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