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Museu da América

Museu da América Luís Maio

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As Américas de Madrid

Este novo enfoque na arte colonial espanhola é outra das grandes razões para visitar o museu de Moncloa. Porque se as colecções pré-colombianas e etnográficas são notáveis, onde o museu de Madrid arrasa a concorrência é justamente no capítulo das chamadas c colecções "vice-reais". Quer dizer: arte dos séculos XVI a XIX decorrente de valores espanhóis, mas produzida nas Américas, de uma forma ou de outra adaptada às peculiaridades do novo contexto. E o prazer que dá hoje explorar este filão passa muito por descobrir as pequenas diferenças, muitas vezes surpreendentes, frequentemente reveladoras. Tudo num legado pictórico sul-americano que até há bem pouco tempo era desqualificado como uma réplica inferior dos mestres europeus.

É todo um leque de mestiçagens que se testemunha ao longo de três séculos de colonização. Vai da aplicação de novos materiais e técnicas pictóricas ao imaginário clássico espanhol de fenómenos de hibridez simbólica, onde se destaca a tendência conhecida pró "ídolos atrás dos altares", através da qual os povos ameríndios continuaram a adorar as suas divindades através das figuras dos santos católicos. É esta arte mestiça, quase sempre original, muitas vezes de grande apuro formal, que se encontra profusamente documentada no Museu da América.

Há uma série de imagens bíblicas clássicas, incluindo a Imaculada e a Adoração dos Reis Magos, representadas segundo estilos comuns na pintura europeia dos século XVI e XVII. Mas, quando se vai a examinar mais de perto, descobre-se que esses quadros mexicanos são feitos em penas, seguindo uma velha receita pré-colombiana. Há depois um conjunto de fantásticos biombos, como aquele que ilustra o Palácio dos Vice-Reis e documenta a sociedade mexicana no século XVII (incluindo índios e mestiços), ao mesmo tempo denota influências nipónicas, nomeadamente do estilo Namban. Outras jóias da colecção colonial são as famosas representações da Virgem de Guadalupe que escondem/revelam uma antiga divindade telúrica, os retratos de noviças coroadas, subgénero estritamente mexicano, e os espantosos quadros de castas, ilustrando toda a gama de combinações raciais (desde espanhol + ameríndio = mestiço a ameríndio + negro: zambo).

A pergunta que é inevitável fazer quando se contempla este fantástico legado colonial é por que razão o Museu de América é tão pouco visitado e publicitado. A propósito da recente exposição Pintura de Los Reinos em Madrid, Fietta Jarque fazia notar no diário El País que na Espanha actual "não se estuda, nem se lê nada sobre a cultura pré-colombina, nem sobre a cultura vice-real" (23.10.10) Mais gritante, diga-se de passagem, é o caso português, onde nem sequer há um museu das ex-colónias. De resto, as histórias de Portugal para jovens que hoje se editam são muitas vezes derivadas de compêndios salazaristas.

Neutralidade aparente

A fachada invoca uma igreja colonial, dominada por uma grande torre barroca. Já as salas de exposição distribuem-se em dois pisos, em torno de um pátio ajardinado em tudo igual aos dos conventos daquela época. Meio igreja, meio convento, o Museu da América em Madrid é tudo menos um acto de contrição. Antes pelo contrário, a nostalgia do império serviu de fio condutor ao programa de construção de um museu que, em 1941, se inaugurou com o propósito explícito de documentar o papel missionário e civilizacional da Espanha colonial.

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