Fugas - Viagens

Tiago Castro/DiveAzores

Mergulhar nos Açores, paraíso do Atlântico

Por Vanessa Rato

Vanessa Rato já não mergulhava há quase dois anos. Não levou luvas, a água estava gelada e ia morrendo de frio. Mas o mar do Faial esconde um mundo tão admirável que rapidamente esqueceu tudo. Só não tira da cabeça aquelas algas que parecem grandes flores amarelas e brancas e os imensos cardumes que viu debaixo de água. Gostou tanto que em Julho quer voltar.

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O primeiro aviso de Tiago chega nem passado meio minuto de conversa: Maio, diz ele, é um dos piores meses de mergulho nos Açores, ou, pelo menos, é um dos piores meses de mergulho no triângulo Faial, Pico, São Jorge.

Na Internet há dezenas de fotografias de um mar azul belíssimo, incrivelmente vivo e calmo a promessa de mergulhos fantásticos. Na imagem agora à nossa frente, por exemplo, há um pequeno grupo de gente a sorrir para a câmara. Uns têm a máscara na testa, outros sobre os olhos e nariz. Fazem ok com o indicador e o polegar colados um ao outro em círculo. Sinal de que tudo está óptimo.

Já estão dentro de água, prestes a descer. O sol brilha forte e não parece correr uma réstia de vento. Isto é cá em cima. Mas não vemos só o que se passa à superfície.

Imagem após imagem, vamos passando por retratos de mergulhadores imóveis, suspensos lá no fundo, a meia-água, junto ao voo planado de enormes jamantas, as raias gigantes conhecidas como morcego-do-mar que projectam a sua sombra como nuvens passageiras sobre os fundos de areia. Mas não são só as jamantas. São as caudas de baleia a desaparecer no oceano, mais os comentários extáticos sobre encontros com exemplares de tubarão-azul e avistamentos recentes de espécimes de tubarão-baleia. O "paraíso subaquático do Atlântico", dizem os folhetos da Direcção-Regional de Turismo já especializados em mergulho recreativo.

Na outra ponta da linha, Tiago parece impacientar-se e criar distância à medida que passamos em revista o que lemos e perguntamos o que podemos esperar das saídas organizadas pela sua empresa, a Dive Azores. Depois, há um momento em que atalha bruscamente:

- Mergulhar com baleias é proibido, a não ser para fotógrafos profissionais autorizados; as jamantas e tubarões-baleia só passam pelos Açores entre Julho e Agosto, eventualmente Setembro. Precisamente em Maio, nos últimos anos, a temperatura e visibilidade submarina têm atingido os seus pontos mais baixos. Entre Junho e Agosto, a temperatura da água do mar pode chegar aos 22 graus e a visibilidade aos 20 metros, 30, segundo algumas fontes oficiais. Na primeira quinzena deste Maio, a água está a apenas 15 graus e a visibilidade a pouco mais de dez metros.

Podia ser o fim, mas não temos outra data. Será dentro de seis dias ou não será. O melhor, diz-nos Tiago, é viajar sem expectativas.

São menos de cinco minutos de conversa. Um desconsolo. Depois, esquecemos. Até ao momento da partida.

Sexta-feira, 13 de Maio. São 7h30 em Lisboa. Durante o serão da véspera esteve um calor de abafar e a manhã nasce já tépida. Saímos sem casaco, um vestido de meia manga e Havaianas nos pés.

O Faial fica a pouco mais de duas horas de voo. Para descer temos que atravessar um tecto de nuvens espessas. Depois, vemos verde e árvores a abanar ao vento. A recta da pista de aterragem da Horta é uma régua de asfalto negro a correr ao lado de um mar encapelado. Fora do avião corre uma brisa cortante. A atravessar a pista gela-se. Pensar entrar dentro de água é uma tortura.

O primeiro mergulho será na manhã seguinte.

Parede vertical

Às 7h30, a mesma hora a que saíramos de casa em Lisboa, na véspera, descemos para o pequeno-almoço no Hotel do Canal. Pela janela dos quartos virados a sudeste, para o porto, vê-se um céu encoberto e cinzento. O Pico, imponente, tão perto que apetece tocar-lhe, é uma miragem por detrás de nuvens e neblina.

Em vez de um vestido e Havaianas, um fato de banho. E, por cima, uma camisola leve, mas com gola, um casaco de meia estação, um lenço bem enrolado ao pescoço, leggings, ténis quentes. Não há sol para os óculos.

As casinhas de madeira das várias companhias de mergulho alinham-se ao longo do cais, a escassos metros à esquerda da saída do hotel. Dois minutos a pé. Sempre a gelar. Lá ao fundo, Tiago e Joana já estão a preparar o material para a saída.

Mergulhar nos Açores ou em qualquer ilha não é como mergulhar junto à costa continental. Ao largo, no meio do oceano, a concentração salina é inferior. E, por causa do frio, o fato que vamos usar é também mais espesso do que o habitual.

Em vez dos sete quilos de lastro normalmente necessários, Tiago e Joana sugerem-nos um cinto com apenas cinco quilos de chumbo. Será, dizem, o suficiente para descer e manter profundidade. Joana, entretanto, enfiou-se dentro de umas calças impermeáveis de suspensórios, calçou umas botas de borracha, vestiu um casaco polar e pôs um gorro quente e óculos espelhados.

Passa pouco das 10h00 quando entramos no semi-rígido e nos fazemos ao mar.

Tiago escolheu um spot virado a Sul a menos de 15 minutos de viagem, na zona de paisagem protegida do Monte da Guia, perto das Caldeirinhas, uma reserva integral que muitas espécies escolhem como berçário.

Quando paramos, ficamos de frente para uma parede de rocha vertical que vem lá de cima e desaparece no mar até aos 12 metros de profundidade. Tiago explica-nos que, aí, esta parede forma uma plataforma em declive para depois voltar a mergulhar até algo mais de 20 metros.

Cá em cima, é um quarto de círculo de rocha cortado por duas fendas. Debaixo de água, a primeira dessas fendas transforma-se numa pequena gruta com acesso à superfície, explica ainda Tiago.

É uma espécie de anta submarina conhecida como Gruta da Pedra. Não chega a formar túnel. Basta uma barbatanada para passar por debaixo da pedra estreita que faz tecto para entrar na gruta e podermos chegar à superfície, lá dentro, se quisermos. Mas não é esse o plano.

Briefing do mergulho: entrar junto ao ponto mais ocidental do semicírculo, descer ao longo da parede, até à primeira plataforma, depois mais fundo, seguindo em direcção à gruta; o plano é entrar por baixo da rocha que faz tecto, saindo por cima, para, por fim, aproveitar a subida natural da parede para uma aproximação progressiva à superfície. Fica combinado que regressaremos a bordo subindo pelo cabo da âncora que acabámos de lançar.

Corremos o fecho do fato até cima. Barbatanas, cinto, colete, máscara. E estamos prontos. Mão direita sobre a máscara e o regulador. Mão esquerda sobre o manómetro e profundímetro. Sentados, chegamo-nos o mais para fora do barco possível e deixamo-nos cair de costas.

O primeiro embate é assustador. A água está gelada. A visibilidade não é maravilhosa. Mergulhar sem luvas foi um erro. Paralisamos de frio. A ansiedade vem ao de cima e começamos a respirar mais rápido. O que é mau para mergulho.

Por fim, lá conseguimos juntar-nos e acalmar - vagamente. Vamos descer.

Um mundo à nossa volta

Não são as condições ideais para quem não mergulha há quase dois anos. Entre o frio, a ansiedade, e, por fim, a dificuldade em manter flutuabilidade, mal conseguimos olhar em volta. Mas, a dada altura, já lá em baixo, Tiago aproxima-se, cara a cara, e começa a fazer círculos lentos com o indicador em volta do regulador sinal para uma respiração mais profunda, cadenciada. E, de repente, um mundo à nossa volta.

Por todo o lado, algas que parecem grandes flores amarelas e brancas. E, em cima delas, nudibrânquios, às vezes aos quatro e cinco. Há cardumes de enxaréus e salemas. Há castanhetas, rascasso, solhas, bodião azul. Aqui e ali, por várias vezes, aparecem os reflexos turquesa, amarelo e vermelho do peixe-papagaio. Mais junto ao fundo, os salmonetes varrem a areia com os seus tentáculos, à procura de comida.

A dada altura, Tiago aponta o cone de luz da lanterna para o espaço entre duas rochas. Lá dentro, a observar-nos, a cara imensa de um mero com cerca de 10 quilos. Nem um minuto até numa fresta mais pequena surgir a boca horrenda de um moreão-castanho. E, de repente, num pequeno banco de areia está, completamente à vista, uma moreia preta ou pintada. Mais de um metro, talvez um metro e vinte, de corpo ondulante a olhar para nós de boca aberta, a ameaçar o ataque.

Em dia algum de mergulho na costa continental portuguesa se verá tanta vida e diversidade. Junto a Lisboa, um dos melhores spots de mergulho é Sesimbra, conhecida como a capital do mergulho nacional, inserida no Parque Natural da Arrábida. Num bom dia de Verão, com visibilidade óptima, descer até aos 24 ou 30 metros nos destroços do River Gurara é uma experiência inesquecível para um mergulhador pouco experimentado.

A 26 de Fevereiro de 1989, numa madrugada com vagas de seis metros e rajadas de vento na ordem dos 101 quilómetros por hora, este já velho cargueiro nigeriano de 175 metros teve uma avaria e acabou por se ver atirado contra os rochedos do Cabo Espichel. Em terra, do alto do cabo, dezenas de pessoas assistiram às tentativas de salvamento pela Marinha Portuguesa com uma fragata e helicópteros. Conseguiram-se salvar 24 dos 48 tripulantes. Apenas metade da tripulação. A outra metade morreu, incluindo o comandante, que recusou estar entre os primeiros a sair e foi ficando, a ajudar nas operações. Uma tragédia horrível a desenrolar-se ali, à vista de terra. Mas, entretanto, passaram-se mais de 20 anos e o mar apagou o drama.

Partido ao meio, e com a proa separada da popa, o River são pedaços indistintos de madeira, mas sobretudo ferro, incluindo a gigante hélice de quatro pás. Lá dentro, há cardumes que saem e passam por nós a nadar. Podem ver-se pequenos lírios, sargos veado, safios, fanecas, abróteas. E, depois, ali à volta, há vários spots de mergulho: a Pedra Furada, o Tanque, a Pedra do Pargo, a Pedra do Leão. Vê-se vida, claro. Há estrelas-do-mar, polvos, lavagantes, sapateiras, anémonas, espirógrafos, ouriços e pepinos do mar. Mas os encontros são esporádicos. E um ruivo, a abrir em leque as barbatanas vermelhas, como asas, é um acontecimento. Nada como nos Açores.

O primeiro mergulho no Faial acaba, por fim, por durar cerca de 40 minutos. O que não é mau, tendo em conta o frio e a velocidade a que podíamos ter acabado por consumir toda a reserva de ar. Mesmo assim, quando voltamos a bordo, estamos verdadeiramente enregelados, pés e mãos brancos como porcelana, nem pinga de sangue.

Tiago ri-se quando, de volta a terra firme, e a sonhar com um banho quente, nos confessamos reticentes em fazer novo mergulho à tarde. Ele próprio, apesar da experiência e hábito, só com esforço o faria.

Combinamos para a manhã seguinte. Novo spot: a Baía de Entremontes, também na costa Sul.

Take dois

Durante a noite a temperatura da água sobe. Não muito: um grau. Mas sente-se a diferença entre os 15 e os 16. E também mergulhamos numa zona menos profunda e acidentada, chegando, no máximo, aos 22 metros.

É um mergulho menos variado, mas, mesmo assim, vemos um enorme verme de fogo, belíssimo, o veneno abrasivo a anunciar-se na cor fantástica. E um polvo. Grande, a avaliar pelo poderoso tentáculo que lança para fora do seu esconderijo e enrola a brincar com os nossos dedos. Acabamos por não ver barracudas, apesar de estarem entre os pelágicos frequentes. Mas vemos o pobre peixe-porco, adorável, curioso e brincalhão, cuja carne saborosíssima haveremos de provar mais tarde, num restaurante do porto. E, quase sem darmos conta, estamos a flutuar pouco acima de uma bela rocha em forma de leque que, afinal, abre no topo um bivalve gigante: a pinna rudis.

Muito perto, uma enorme estrela-do-mar, está a andar devagarinho, tentáculo a tentáculo sobre uma pedra inclinada. E, depois, a corrente suave traz um bizarríssimo ser até à palma da nossa mão, uma coisa de ar alienígena, completamente transparente e fora deste mundo.

Não devíamos tocar-lhe. Não devemos tocar em nada para não magoar nem nos magoarmos. Mas não resistimos, e tocamos. Até apertamos ligeiramente, muito ao de leve, a sentir a forma.

Não é mole nem viscoso. Ao contrário da pequena medusa com que à primeira vista se parecia, não mostra quaisquer tentáculos e parece duríssimo. Uma espécie de caixa ovalada, rígida, como uma carapaça de plástico com apenas um compartimento dentro talvez uma espécie de tenoforo.

Deixamo-lo seguir a corrente.

Nessa tarde, depois do almoço, tomamos café no famoso Peter, o pequeno café-bar na rua acima da marina. No início, o Peter original que era português e não se chamava Peter (e sim José Azevedo) era tudo no primeiro porto entre a América e a Europa. De abastecedor de água e mantimentos a posta-restante e casa de câmbio, de delegação para previsão do tempo a "instituição de caridade", como alguém escreveu já.

Chegados ao século XX, e sempre rentável, o Peter é sobretudo uma atracção turística com óptimos bifes e belos gin tónico. Um pequeno covil de cadeiras de madeira e mesas com tampo de mármore repleto de bandeiras internacionais, fotografias, dentes de baleia gravados e envelopes com mensagens deixadas por alguns velejadores aos seus pares.

À nossa volta, as caras coradas, tisnadas pelo sol, o vento e o mar de iatistas de todo o mundo. Uma babel de línguas, computadores portáteis em todos os tampos.

Se velejares até à Horta e não visitares o Peter, não viste a Horta, diz o ditado. Faz parte do mito. A nós, interessa o tubarão-azul, ou tintureira, uma das espécies de tubarão mais comuns nos Açores, entre as 40 que se estima frequentarem o arquipélago e que, em anos recentes viram chegar a novidade do tubarão-baleia, trazido pelas correntes cada vez mais quentes.

Do outro lado da mesa, Tiago explica que qualquer das espécies só raramente é avistada junto à costa. Aparecem em bancos de pesca e têm que ser atraídos, com isco. Coisa para mergulhadores experientes.

Há tubarão-azul e espécies menos frequentes, como o tubarão martelo e o rinquim. Depois, há os cetáceos: os golfinhos, que tantas vezes acompanham os barcos, a saltar ali mesmo, a um veloz braço de distância; na Primavera há também as baleias de barbas, como a azul, a comum ou a sardinheira, os três maiores animais conhecidos.

Nos Açores as baleias estão em alimentação, explica ainda Tiago. Isso quer dizer que estão em deslocação e que a única forma de nos aproximarmos é pela cabeça, o que perturba a sua orientação. É proibido. Só em águas em que estejam em acasalamento é possível conviver com elas.

Os pelágicos de meia-água, como as jamantas, que migram com as correntes marítimas, aparecem entre Julho e Setembro. São mais frequentemente vistas no Princesa Alice, um dos mais importantes bancos de pesca nacionais.

A cerca de 45 milhas a sudoeste da ilha do Faial, este monte submarino foi descoberto em 1896 pelo príncipe Alberto I, do Mónaco, a bordo do famoso navio de investigação Princesse Alice. Hoje, no limite das 50 milhas náuticas estabelecidas pela União Europeia como reserva para a pesca açoriana, antes da entrada em águas comuns, é também um dos pontos de atrito da reforma da política comum de pescas.

É o reino dos "peixes do azul", os de mar aberto, espécimes de grande porte, em grandes cardumes. Aqui, uma jamanta adulta poderá chegar aos seis metros de diâmetro. Um bicho enorme, a pairar.

Voltamos em Julho. Fica combinado.

INFORMAÇÕES

DiveAzores
Marina da Horta, Faial
9900-117 Horta
Tel.: 912585803; 967882214
Email: info@diveazores.net
www.diveazores.net
O preço de cada mergulho, com o aluguer de todo o equipamento incluído, é de 45€.

Como ir

A TAP voa de Lisboa para a Horta com tarifas desde 241,53€; do Porto, desde desde 333,98€. As taxas estão incluídas.

Onde dormir

Hotel do Canal
Largo Dr. Manuel de Arriaga
Faial
9900-026 Horta
Tel.: +351 292 202 120
Email : hoteldocanal@bensaude.pt
www.bensaude.pt
Preços: desde 118€, duplo, com pequeno-almoço.

Onde comer

Peter Café Sport
Tel.: 292 292 327
www.petercafesport.com

A Fugas viajou a convite da TAP e da Direcção-Regional de Turismo

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