Viver é preciso
Lou e Chris, de 27 e 26 anos, não são novatos nas viagens. Lou já percorreu a América Latina, estudou no Chile, foi à descoberta da Europa de Leste. Mas é Chris o mestre dos velocípedes: além de desportista de alto nível (ciclismo ou snowboard é com ele) já fez, entre muita viagem, França-Gâmbia em bicicleta. E, juntos, também já pedalaram pela Índia. Daí, estarem licenciados em viagem e imprevisto. Confessam já terem tido "uma ou duas" más experiências durante a Pianotrip mas nem querem aprofundar o tema: "tudo se resolve". O segredo está na adaptação. Até porque, sublinham: "Não queremos impor, queremos propor."
"Na Europa, planeamos tanto. Mas o que acontece, acontece. Definitivamente, temos que correr riscos, deixar de sobreplanear, viver. A vida não é tanto plano, não funciona assim." E será isto tudo demasiado utópico para a maioria das pessoas? Resposta sem hesitações: "Não estamos aqui para vender um sonho ou liberdade." No projecto "há técnica, burocracia, site para fazer, música para tocar, conexões, pessoas... são muitas coisas." "Não é liberdade; é escolha. Não nos queixamos. Mas não é um sonho." Resumindo: "Não tem nada de utópico darmo-nos a liberdade de vivermos momentos inesperados."
Ao longo do caminho europeu, não têm parado de fazer amigos. Muitos, mesmo "amigos-amigos". "Construímos ligações fortes por todos os países. E sabemos que voltaremos a ver-nos." "As pessoas dão-nos o que vivem, o que sentem, o que pensam, trocamos livros e música. Pessoas, música e paisagem fazem uma outra viagem." "E agora" - ri-se Chris -, "temos que comprar uma grande casa em França para receber toda a gente, todos os amigos", "uma grande tenda para todos os nómadas".
Para já, a viagem continua por terras espanholas, rumo a Inglaterra e à Escandinávia, até porque seguem, naturalmente, o clima, "tudo depende dele". Depois se verá até onde o piano os viajará.
Por contraponto ao projecto Pianotrip, falo-lhes da experiência de dois jornalistas que cruzaram a Europa de comboio (Fugas, 21.05.2011) questionando estereótipos e ideias dos europeus, onze cidades em 15 dias, enquanto eles cruzaram dez países em ano e meio. "Claro que há diferenças entre italianos, portugueses, gregos, etc. Mas o que realmente experimentamos é uma grande conexão. Este piano está a atravessar a Europa por dentro."
Como viajar com o seu piano
O projecto Pianotrip conta com apoios da região de Rhône-Alpes e de Savóia, do programa Juventude em Acção da UE, do Alto Comissariado para a Juventude de França, e, entre outras instituições e empresas, da Câmara de Paris. A viagem tem sido feita a uns 12 km/h, em duas bicicletas: uma normal (baptizada de Zorba), outra alterada (a Janot) que é, aliás, um grande triciclo e funciona a energia solar - é esta, desenvolvida especialmente pela empresa Cycle Maximus, especialista na criação deste tipo de veículos, que puxa um reboque onde se guarda o piano, um Rippen.
Ao longo da viagem, apesar dos apoios, nunca sabem onde ficam. Pode ser num albergue ou como convidados de um embaixador. "Fizemos tudo para criar uma relação europeia no projecto, com as pessoas, as instituições, a música. Mas é um pouco utópico. Quero dizer, temos fundos de toda a gente, mas a cooperação e cultura europeias têm problemas de interconexão. Quando chegamos a um sítio, já enviámos mails para todo o lado, com 90 por cento de hipóteses de não termos resposta. Então, temos que encontrar uma solução. E ela aparece", conta Lou. "Ao princípio fiquei triste por não termos instituições "a bordo". Mas não faz mal. Temos encontrado tanta gente, tantas realidades. Faz parte do projecto, torna-o mais profundo." Enquanto vão pedalando, vão mantendo na forja um documentário, fotografia e o que mais se verá: "Quando tudo terminar, veremos o que podemos fazer, não queremos andar puxados por um projecto muito fechado que nos obrigue a produzir artificialmente. Trabalhamos com a realidade."