É preciso esperar que a noite caia. Que se torne tão escura quanto possível. E, depois, pode começar a visita. Amontoadas em grupos, com um guia à frente, as pessoas embrenham-se pelos caminhos do Parque Biológico de Gaia, na expectativa de ver o reluzir intermitente dos pirilampos a iluminar a noite. Bem depressa, a pergunta que paira na cabeça da maior parte das pessoas deixa de ser, "será que vamos mesmo ver algum pirilampo?", para "quantos será que consigo apanhar?".
O ambiente é caótico. Há cada vez mais gente, de todas as idades, a chegar à recepção do parque e a algazarra dos miúdos misturada com as conversas dos adultos enchem a noite de barulho. Uma das funcionárias de serviço, com a t-shirt negra animada pela imagem de um pirilampo e pintas que hão-de brilhar no escuro, avisa os participantes que podem entrar para o auditório, para verem um curto filme de apresentação sobre as criaturas nocturnas que levaram ali 240 pessoas: os pirilampos.
E as pessoas entram e sentam-se, mas o ruído ensurdecedor nunca chega a desaparecer por completo e o som do filme é demasiado baixo para que se consigam ouvir as informações que vão passando no ecrã. O que vale é que o filme é curto e, poucos minutos depois, já está toda a gente no exterior, à espera de partir para os caminhos escuros do parque. Os participantes são divididos em três grupos e as portas abrem-se para a noite quente de Junho.
Daniel é o nosso guia. Leva uma lanterna potente na mão e pára assim que descemos os degraus que levam ao início do trilho. Ainda não há pirilampos por ali, mas Daniel avisa que já há algo para ver, e crianças e adultos voltam as cabeças para o ramo de uma árvore isolada, onde uma fêmea de pavão está empoleirada. Em redor, voam pequenos morcegos que, informa o guia, comem "cerca de mil mosquitos por noite". Soltam-se "ahs" e "ohs" das gargantas, antes de os pés voltarem a tactear o caminho, cada vez mais escuro, do parque.
Há mais lanternas suspensas das mãos dos visitantes e um miúdo empoleirado nos ombros do pai, entretém-se a ligar e a desligar a dele, iluminando momentaneamente a noite em seu redor. Daniel pede a todos que não utilizem as lanternas. "Se não habituarmos os nossos olhos ao escuro não vamos conseguir ver bem os pirilampos", explica.
E, não é preciso esperar muito para eles começarem a aparecer. Pontos de luz intermitentes ou constantes que surgem, primeiro, colados às sebes de um dos muros baixos que ladeia o caminho. As pessoas entusiasmam-se e o guia desafia-os: "E aqui ainda são poucos, ali à frente é que vão ver." Para que ninguém perca a oportunidade de ver de perto um pirilampo, Daniel apanha um e o insecto deixa-se ficar quieto, na palma da mão, enquanto é observado por cada um dos participantes. E a sua luz não queima, porque é fria.
É minúsculos e muito pouco bonito. Mas a luz na parte inferior do corpo anelado transforma-o em alimento da imaginação. Pelo panfleto que existia na entrada do parque e pelas explicações que conseguimos ouvir, de forma entrecortada, no auditório, já sabemos que os pirilampos são insectos, da família das joaninhas, e que há várias espécies destes seres luminosos. As fêmeas não têm asas, ou têm-nas de forma incipiente, e são os machos que voam, iluminado a noite. Estes emitem luz para captar a atenção das fêmeas, enquanto as larvas, o fazem como mecanismo de defesa. Os pirilampos sofrem um processo de metamorfose e são carnívoros, alimentando-se de caracóis ou minhocas. E pronto. A informação está dada, mas ela é o que menos interessa.
O que importa mesmo é olhar o negro da noite e ver centenas de pontinhos a brilhar, como luzes de Natal que piscam entre ramos e moitas. Pensa-se em fadas dos livros de histórias. Em estrelas presas na terra. Em magia. O espectáculo, praticamente impossível de ver nas cidades, enche o espaço benévolo do parque.
Noutros pontos do mundo, a luz libertada pelos pirilampos ganha outros tons - pode ser vermelha, por exemplo -, mas por cá é branca e limpa. O som da água do rio Febros, que atravessa o parque, faz-se ouvir mais alto e a quantidade de pontos luminosos triplica. Há pirilampos nas moitas, dos dois lados do caminho, a voar, poisados no solo. As mãos de Bruno, uma das crianças que vai colada a Daniel, movem-se lentas no ar e apanham um pirilampo. "Ó mãe, apanhei um." Ao seu lado, Bia reage: "Fogo, já o deixaste cair." Mas o rapaz apanha outro e outro, depositando-os, depois, no solo. Apanha mais um e a mãe, que carrega uma criança ao colo, pede-lhe que se aproxime: "Deixa ver a Leonor, que ela ainda não viu nenhum." Ao longo do caminho, Bruno continua a apanhar pirilampos, mas não é o único. Uma miúda, de mãos abertas, orgulha-se de já ter apanhado "seis" e outros erguem os braços, tentando segurar entre os dedos as pequenas criaturas luminosas.
O trecho mais escuro - não se distingue nada além das formas dos corpos que nos rodeiam e a luz dos pirilampos -, junto ao rio, é o que oferece o espectáculo mais bonito. Pouco depois, quando metade do caminho já foi percorrida, as luzinhas brancas deixam de ser visíveis. "Como está mais claro, os pirilampos não gostam de andar aqui a mostrar a sua luz", vai dizendo Daniel às crianças. Mais à frente, acrescenta ainda: "Eles gostam de andar perto do rio, nas zonas mais húmidas. Aqui é mais seco e há luz artificial, por isso não há pirilampos."
Com muito caminho ainda por percorrer, a lanterna de Daniel vai-se ligando, amiúde, para mostrar outras criaturas do parque. Primeiro, um bufo-real, altivo e de olhos esbugalhados, que nos observa de um ramo alto. O guia explica que "é a maior ave nocturna de rapina", mas que este, por viver em cativeiro, "já não sabe caçar" os pequenos ratos que constituiriam o prato forte da sua alimentação. A lanterna volta-se ainda para o chão, para facilitar o atravessamento de uma ponte, e para um grupo de burros que se afasta, apressado, da cerca na qual os visitantes se debruçam. "Este parece o burro do Shrek", diz uma voz infantil. Pouco depois, é a vez de as cegonhas e os grous serem importunados pela lanterna de Daniel, para delícia dos mais pequenos.
O passeio nocturno já decorre há uma hora e está quase a terminar. No final do percurso não há pirilampos, mas o brilho que imprimiram à noite ainda está na memória de todos. O fim da visita é junto ao pequeno observatório do parque. Os telescópios estão voltados para Saturno, e muitos dos que procuraram o piscar das luzes na noite do parque, tentam ver, agora, a luminosidade do planeta dos anéis. A olho nu parece mais uma estrela perdida no céu. Um ponto de luz branca a brilhar na noite. Como se fosse um pirilampo.
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