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Molucas, Cadilhe:

Molucas, Cadilhe: "Para quê regressar?"

"Encontros Marcados": As ilhas no oposto do mundo, por Gonçalo Cadilhe

Por Gonçalo Cadilhe

Gonçalo Cadilhe volta aos livros com "Encontros Marcados", obra pessoal, feita de momentos captados ao longo de muitas viagens. Em "As ilhas no oposto do mundo", uma das crónicas da nova obra, o cenário são as Molucas, as "ilhas das especiarias" indonésias. Aqui, Cadilhe pergunta-se, pensando no navegador e descobridor português Francisco Serrão: "Para quê regressar?".

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Apetece-me fazer como o primeiro português que chegou aqui: nunca mais me ir embora. «Para quê regressar?», pensou Francisco Serrão. Penso o mesmo.
Francisco Serrão acordava de manhã cedo, descia do palácio até à orla do mar, mergulhava nestas águas esmeraldas que, vistas de cima, parecem não estar lá, parecem ser apenas cores animadas envoltas numa película de luz irreal, afastava-se flutuando da margem para ganhar perspectiva sobre o vulcão perfeito que regula o olhar de todos os homens das «Ilhas das Especiarias» desde sempre, respirava fundo, mergulhava. E debaixo do mar abria a boca e ria às gargalhadas por tudo o que lhe acontecera, pela sorte que tinha, pela vida que deixara para trás. Sentia-se simplesmente o homem mais feliz do mundo.

A mim falta-me um palácio do qual sair - o estabelecimento de onde saio trata-se mais de um humilde hotel que, apesar de novo, já está a definhar sob a humidade e o desmazelo -, mas também me apetece abrir a boca debaixo do mar e rir de felicidade. Não propriamente por tudo o que deixei para trás, mas simplesmente por estar aqui. Sabe-se muito pouco do que Francisco Serrão fazia no seu quotidiano, esta minha descrição do seu mergulho matinal é pura fantasia, mas estou quase certo de uma coisa: para ele, ou para mim, ou para qualquer outro português, independentemente do século em que aportar às Molucas, estar aqui faz rir às gargalhadas de felicidade.

Apanho um ojeck. Em Jacarta, cidade que terá algo como vinte milhões de habitantes na hora de ponta, dá imenso jeito apanhar um ojeck para me deslocar pelo trânsito. Nesse fim do mundo a partir de Jacarta que é Ternate - capital histórica das Molucas e uma das ilhas mais periféricas da Indonésia -, um ojeck não tem qualquer utilidade. Um ojeck é uma moto que faz de táxi ou, por outras palavras, uma motorizada com motorista: desconhece engarrafamentos e avança rapidamente por uma grande cidade, mas é desconfortável, desprotegida do sol brutal ou do aguaceiro equatorial, e não se justifica para as distâncias tão pequenas como são quase todas as distâncias nas Molucas. Ainda por cima, no labirinto de Jacarta - vielas que concluem avenidas, auto-estradas que cortam a meio favelas lacustres, viadutos que passam em frente das janelas de casas, becos sem saída e ruas sem nome -, apenas com um ojeck conseguimos encontrar um lugar; pelo contrário, em Ternate só há uma estrada: a que rodeia o vulcão Gamalama pelo litoral. Os lugares em Ternate vêm ter connosco.

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