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  • Drazen Grubisic, criador do museu. Na parede, uma citação do Livro do Desassossego de Bernardo Soares/Fernando Pessoa
    Drazen Grubisic, criador do museu. Na parede, uma citação do Livro do Desassossego de Bernardo Soares/Fernando Pessoa

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O Museu dos Corações Partidos

Uma história maior

Uma pilha de bugigangas, peças de roupa usadas e mais tralha fazem do Museu dos Corações Partidos o único no mundo com um espólio completamente desqualificado, que também poderia estar à venda na Feira da Ladra. Drazen concorda, mas junta: "Se se tomarem os objectos expostos só por si, é claro que não são arte. Mas associados às legendas, ou no contexto de histórias pessoais, passam a ser arte.

Porque o que a arte deve fazer é despertar emoções. Quando somos confrontados com um quadro ou uma escultura de qualidade sentimo-lo, não é uma coisa racional. E este é o tipo de museu que faz as pessoas chorar e rir".

Os objectos são, portanto, uma espécie de teaser, que despertam a curiosidade e, às tantas, levam o visitante a querer adivinhar que tipo de história lhe está associada. Haverá alguns óbvios (um machado = uma vendetta perpetrada na mobília de um amante traiçoeiro), mas na maior parte é impossível descobrir a história subjacente sem ler a legenda. Começa pela imagem, aparentemente neutra, de um coelho de corda fotografado algures num deserto rochoso. É a única peça doada pelos próprios criadores do museu e uma espécie de divisa da sua fi losofi a: era suposto o coelho dar volta ao mundo na bagagem deles, mas não foi mais longe que o descampado em causa, algures nas montanhas do Irão.

Há histórias dramáticas, quase sórdidas, como a que se associa à exibição de uma prótese de uma perna: o proprietário é um inválido da guerra servo-croata, que se envolveu com uma funcionária de um hospital de Zagreb. "A prótese durou mais que o amor", conclui o dador, "porque é feita de material mais rijo". Ou aquela outra, que nos relata Drazen, relativa a uma das doações mais recentes: "Nunca estivemos na Arménia, mas acabo de receber um envelope de uma senhora de Yerevan de 65 anos, que enviou cartas e fotografias de um homem que a pediu em casamento há 30 anos, mas morreu num acidente de carro no dia a seguir a ter-se declarado".

Mas o Museu dos Corações Partidos não é forçosamente uma experiência depressiva. O reverso da medalha é o humor que parece ser tanto mais apurado quanto mais curta a mensagem: um ferro de engomar usado para passar um vestido de casamento de que é o único sobrevivente; o telemóvel de um amante, oferecido pelo próprio, de modo a ela não lhe voltar a ligar; as chaves de casa dele oferecidas ao museu para ela não sofrer a tentação de lhe voltar a entrar em casa, ou ainda o líquido de partes íntimas dele, agora usado pela mãe para encerar os móveis.

Coincidência ou talvez não, a maior parte das doações são de assinatura feminina. Drazen acha normal: "As mulheres são mais de 70 por cento do museu. É uma coisa cultural: não é suposto os homens sofrerem ou pelo menos mostrarem dor numa situação de separação." Mas, logo acrescenta, as coisas estão a mudar, até onde menos se espera: "O único sítio onde tivemos mais doações de objectos de homens foi, para surpresa geral, em Istambul. Eles procuraram explicar este fenómeno com as mudanças vertiginosas na sociedade turca dos últimos 15 ou 20 anos. Os homens é que de algum modo estão em perigo porque foram educados no sistema tradicional e agora têm de lidar com mulheres que têm carreiras e querem ser independentes."

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