Fugas - Viagens

Daniel Rocha

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A casa das histórias de Pedro Canavarro

O destaque que se segue fica na porta ao lado, mas representa uma mudança radical de universo. Entramos na Galeria Mimi Fogt, um dos dois espaços da última residência de Passos Manuel actualmente convertido em espaço de exposição. Mimi (1925-2005) nasceu e viveu a juventude em Paris, vindo depois a passar temporadas nos Estados Unidos e no México, onde veio a ganhar o hábito de ler Eça de Queiroz. Em 1976, recorda Pedro Canavarro, "decidiu vir conhecer o país do Eça e quando cá chegou ficou apaixonada pela luz, que considerou ser melhor ainda que a da Grécia". "Acabou por resolver ficar."

A colecção doada inclui nus, paisagens e retratos, sendo este último sector aquele que mais chama a atenção, quando recorda gente tão famosa quanto Diego Rivera, Marcel Duchamp, Man Ray e Norman McLaren, com quem Mimi privou nos seus anos de boémia parisiense. Entre as celebridades retratadas está o próprio Pedro Canavarro num momento charneira da sua vida: aos 40 anos, quando enfrentou o divórcio e a morte do seu pai. É talvez o mais memorável de vários retratos do proprietário que se encontram espalhados pela casa - há mais dois logo no corredor seguinte, um da autoria de Fernando Chamorro, outro de Joe Plaskett, ambos também da segunda metade dos anos 70.

O museu é ele

Os retratos são chaves para uma personalidade que se vai desvelando à medida que circula nos seus próprios aposentos. A entrada no quarto em que nasceu e onde hoje dorme é, nesse aspecto, um momento crucial da visita. Trata-se, provavelmente, da melhor divisão da casa, da qual se desfruta de vistas desafogadas sobre o Tejo e a campina. Tem o fascínio suplementar de ter sido a divisão que recebeu a visita de Almeida Garrett (pequeno retrato e carta na parede), amigo e cúmplice político de Passos Manuel. O que mais chama a atenção, no entanto, acaba por não ser nada disso, mas a colcha de seda chinesa, que ocupa uma parede inteira, mesmo por cima da cama de Pedro. Ele esclarece: "É uma colcha com 300 anos, mas está impecável. É a única que se salvou (de seis que havia na casa dos Canavarros em Vila Pouca de Aguiar), segundo consta porque uma criada a escondeu debaixo de uma cama. Mas não estava exposta, era só usada para o genuflexório dos que casavam. Até que, quando chegou à altura do meu casamento, eu disse: 'Não me vou ajoelhar nela, vou é pendurá-la na parede'."

Passamos pela Sala Tejo, onde se encontra o melhor da colecção construída pelo actual proprietário, incluindo originais de Cargaleiro, Cruzeiro Seixas, Arpad Szenes e sobretudo uma esplêndida Peixeira, desenhada a tinta-da-china por Almada Negreiros. Tem uma história peculiar, como não poderia deixar de ser. "É o único desenho que representou Portugal na Exposição do Desenho de Madrid, nos anos 20 do século passado". Até que chegamos à sala Passos Manuel, aquela que se destina a celebrar a memória do prestigiado estadista e da sua descendência. A colecção inclui desde as suas jóias maçónicas até uma nota de 50 escudos de 1920 com o seu busto estampado.

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