Fugas - Viagens

  • Lago Peipsi (João Lopes Marques)
    Lago Peipsi (João Lopes Marques)
  • Filipe Araújo
    Filipe Araújo
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Como viajar no tempo e passar um fim-de-semana na União Soviética

Andrej sonha em servir os melhores cocktails do mundo num qualquer cruzeiro nas Caraíbas. O longilíneo Miguel, esse, prefere o djambé. É divertido vê-los com papéis trocados: é o loirinho Andrej que quer rumar às Caraíbas quando as raízes de Miguel é que estão lá. Em jeito gingão, precisará: "O meu pai é cubano, mas eu não falo espanhol!"

Narva emploga-se com ele, e ele com Narva, como constataremos minutos mais tarde no Ro-Ro. Espaço ímpar. Debruçado sobre a margem, poderíamos estar diante de uma fogueira de Vila Real de Santo António a contemplar Ayamonte. Ou alunados em Valença a fitar Tui. O djambé de Miguel não dá tréguas e abrilhanta as labaredas de metro e meio, ideais para aquecer a alma e o balão deste Metaxa quatro estrelas.

Uma Coke no Lago Peipsi

Falta o prometido elemento trágico, mas arrisca-se a anular os demais. Lembro-me apenas, lembramo-nos, de haver regressado eufóricos ao Central Hotel, de visitar a dinamarquesa Cidadela de Hermann, do sushi do actualíssimo Club Crisis, de fumar sheesha no Antalya Café, propriedade de Diper Balan, turco cuja esposa é nativa de Ida-Virumaa.

Se um lado esbarra na Rússia, e poucos anteciparão que São Petersburgo está a 135 quilómetros, sobram três pontos cardeais. A sul de Narva? O raiano Lago Peipsi, ideal para um piquenique ou saborear uma Coke, tão vasto que tem ondas maiores que as do próprio Báltico. A norte de Narva? O resort de Narva-Jõesuu, meca de casamentos e onde russos mais endinheirados ainda não desistiram de construir um pied-à-terre na União Europeia. A oeste de Narva? Bom, quase tudo, mas detenhamo-nos na enigmática Sillamäe.

Enriquecer urânio

Foi no seu tempo a menina de Estaline, e tão queridinha que entre 1949 e 1988 foi uma cidade fechada. De um local onde se enriquecia urânio não seria de esperar outra coisa, mas outra coisa era saber-se que em Sillamäe se enriquecia urânio. A localidade de 16 mil habitantes, 95 por cento deles russos ou russófonos, mantém intacto o orgulho de ex-laboratório soviético. De um lado, a fábrica e o porto da Silmet, do outro um núcleo residencial cujas cores terracota metem o Carregado num bolso.

A meio-caminho, hossanas ao Hotell Krunk: é a única hospedaria de Sillamäe, mas não foi o monopólio que fez a família Saakjan desleixar-se na arte do shashlik. Vinca a sua ancestralidade arménia, mormente nas espetadas de porco, outros dos denominadores comuns da URSS. Acima só mesmo uma seljanka. Ou um borsch. Pois o Krunk serve ambas, e com requinte.

Iuri, filho do dono, tem pouco de órfão da Guerra Fria. Explica-nos com o vagar de um licenciado em Filologia Inglesa que em Sillamäe, sorry, não há nada para ver. Lá nos remete para os dois poisos que frequenta, ou tolera: a íngreme descida à praia, fronteira ao Krunk e que lança um cheirinho à odessana Escadaria de Potemkine, e a Peetri Pizza, melhor do que o sovietíssimo Rannaklubi.

Sim, senhor ministro

O cinzentismo dos xistos betuminosos, subterrâneo activo desta província de 170 mil habitantes, ameaça boicotar a investida. Não obstante, há um chacra em Ida-Virumaa que desconhecíamos. Só um sueco para nos alertar: "Esta arquitectura estalinista é património mundial..."

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