Fugas - Viagens

  • Lago Peipsi (João Lopes Marques)
    Lago Peipsi (João Lopes Marques)
  • Filipe Araújo
    Filipe Araújo
  • Filipe Araújo
    Filipe Araújo
  • Filipe Araújo
    Filipe Araújo

Como viajar no tempo e passar um fim-de-semana na União Soviética

Por João Lopes Marques

João Lopes Marques guia-nos por Ida-Virumaa, a 200km de Talin, na Estónia. Uma viagem no tempo, pelo Leste do Leste: a URSS eterniza-se no canto nordeste desta pequena república báltica.

Ao turismo masoquista nunca faltarão etapas obrigatórias. Visitar Chernobil ou uma jornada no Estado-fantasma da Transnístria são duas opções. Contudo, nada como ser excursionista radical dentro da União Europeia: Ida-Virumaa, na doce Estónia, é o Leste mais vívido neste nosso Leste comunitário. No "28.º Estado" fala-se russo e recuamos a outra União. A Soviética, naturalmente. 

"Estar a Leste" é uma dessas raras expressões com milhentas acepções. Mormente para quem é português e aterrou na Estónia. A toponímia da república é filha do romano Tácito, que chamou aestii às tribos da região. O gentílico de Leste, portanto. E como chamaríamos ao Fareste, à província mais a Leste deste Leste continental? Os aestii designam-na "Ida-Virumaa", embora para um ocidental haja definições mais inteligíveis. "Viagem no tempo", por exemplo.

Isentos de visto, Ida-Virumaa é o fim-de-semana perfeito na União Soviética. "URSS"? Sim, ela existe. Eterniza-se no canto nordeste da pequena república báltica, como se do 28.º Estado da União Europeia se tratasse - e tudo a menos de 200 quilómetros de Talin.

Até já, Talin

Desta vez, Todd e eu optámos pela ligação diária a Moscovo. Ardíamos por uma coisa superpotente e só um comboio directo para fingir que vamos a despacho à sede do império. A senhora de socas ortopédicas ainda nos pede o passaporte, mas elucidamo-la que está perante um simulacro. A nossa intenção é apearmo-nos na derradeira paragem da União Europeia: Narva.

Duzentos minutos em vez das 15 horas até Moscovo. Somos os únicos e a estação, essa, permanece assombrada por Estaline. A Estónia fez questão de subtrair todas as foices e martelos do seu território, o mesmo aconteceu a alguns soldados de bronze, mas há fachadas que fintam a melhor semiótica. Narva e respectivos 60 mil habitantes, 95 por cento deles russófonos, têm a sua própria gramática. Situa-se algures entre o cool, o exótico, o trágico e o kitsch.

Da paranormalidade

Permitam-me começar pelo último: conseguirá alguém explicar o que faz aquele depósito de água no topo da principal torre de Narva? É um edifício horrendo, mas está ali para lavar e durar. Comenta-se que de depósito terá muito pouco, devem ser antes antenas e radares. A tese da espionagem vinga, não estivesse a Rússia ali a dezenas de metros.

Embala-nos para o campo do exótico. Narva e o seu homónimo rio vivem nesta faísca, com direito a extensa varanda: ciclistas, alcoólicos, namorados, turistas, caravanistas, contrabandistas, poetas falhados, todos eles se encaminham para a margem oriental da União Europeia. Olhar para as areias simétricas, Ivangorod, dá corda à megalomania euroasiática que se arrisca a só parar em Vladivostoque.

Ronrom no Ro-Ro

Narva alimenta-se desse folclore cool só possível numa terra felina que, em rigor, é de ninguém. Menos mal que Todd e eu tenhamos tido a sorte de tropeçar na dupla Andrej + Miguel. Ocorreu no OK Modern, no número 12 da Avenida Pushkin e, como neste Fareste nada pode ser totalmente normal, a única entrada possível no bar é pelas traseiras.

--%>