Fugas - Viagens

  • Lago Peipsi (João Lopes Marques)
    Lago Peipsi (João Lopes Marques)
  • Filipe Araújo
    Filipe Araújo
  • Filipe Araújo
    Filipe Araújo
  • Filipe Araújo
    Filipe Araújo

Continuação: página 3 de 4

Como viajar no tempo e passar um fim-de-semana na União Soviética

Ficamos confusos. Mas as palavras vêm de Bengt Johansson, ex-ministro das Finanças da Suécia. Canta na mesa, a cerveja, sempre a cerveja, com a terna Lehte, uma estónia local que teve de fugir em 1944. Agora convida os amigos a passar os verões na quinta onde nasceu há sete décadas e renasceu há uma: o terreno expropriado pelos sovietes foi-lhe devolvido em 2001.

Luteranismo à Estaline

É com um olhar escandinavo, pois, que Todd e eu iremos inspeccionar o que o Bengt Johansson entende por "património mundial". Notável. Referia-se ele à falsa torre luterana que Estaline aqui mandou erguer no edifício da Câmara Municipal, obra do arquitecto Popov e do engenheiro-chefe Gordjev. Os dois camaradas estiveram à altura, como se lê na placa: "Os projectistas adoptaram o princípio de que em cada cidade báltica e norte-europeia deve existir um município de traça medieval."

Um gesto cristão de Estaline que é insuficiente, porém. A solução é pernoitar em Jõhvi, afinal a capital provincial e o bastião estónio na região. Temos sorte com a boleia de Simeon, cujo inglês de Hollywood surpreende. Agradecemos a generosidade e poisamos as malas no Hotell Wironia, confortável mas curtinho. A cozinha encerra às 20h00 e nem o Pubi Kompromiss, a 50 metros, negoceia uma excepção.

Será a única vez que vejo Todd nervoso. Por breves minutos: alguém sussurrará a palavra "Aroma", restaurante sino-russo que serve uma galinha à singapurense que trai de saudade o meu amigo do Louisiana: "Tão boa como o frango cajun da minha mãe..."

Temos direito a esplanada com vistas para a via rápida. Comentamos a nossa perversão, isto do caro e mau, meu caro, sabe mesmo a turismo masoquista. Rimos e ainda gostamos mais. Terrível. É assim que, 20 minutos depois, estamos já enfiados numa confortável garagem. Chamam-lhe "Monga" e tem bilhares, muitos bilhares e um pequeno bar, e com bom vinho australiano, embora eu me convença que este é o cenário perfeito para um filme de gangsters com dentes de ouro. 

Saudades de Talin

Ida-Virumaa é encantadora, desde que passageira como nós. Um dia adicional e a depressão irrompe. Sonhamos em apanhar o comboio de regresso a vinte anos mais tarde e a impaciente locomotiva apita. Já se vislumbra da semi-ruína que é esta estação de Jõhvi. Anseia por Talin, ou Rakvere no mínimo, vem ao Oriente apenas por frete - tal como quase tudo o que é ou se diz ou fala estónio.

O trem desafia os bumbuns desprevenidos. Indiferente, a revisora esboçará um assomo de alegria ao ver duas almas que até arranham estónio num oceano russo. É de uma simpatia comovente, que só crescerá: por alturas de Maidla, e são 7h25, João Mendonça embarca na carruagem.

Perguntar-me-ão quem é o Mendonça. Pois não há adolescente no concelho de Maidla que ignore este português de 25 anos. Qual jesuíta a Leste, embora nem tanto como no luso-quinhentismo, explica-me que hoje vai a Talin arranjar os dentes. Não, não é ensaiado. Somente outra afinidade connosco, que ao Fareste do Mendonça apenas viemos pacífica e humildemente radiografar um dantes bem cariado.

--%>