Se calhar vai acabar por não visitar as Filipinas, mas é o primeiro país de que fala. Afinal, o pai "ter" um país não é de todo vulgar o pai chama-se Filipe... logo, na imaginação da criança, é o "dono" das Filipinas. Num instante, o planisfério é trazido para a sala (e é maior do que ela), estendido no chão, à laia de tapete, e Inês começa o seu giro por ali: as Filipinas não encontra (mas anda pela Ásia), a Itália primeiro é Portugal, mas depois já é "a bota", os Açores é a casa da Matilde e a bandeira de França afinal está do outro lado.
Não foi por acaso que saíram estas referências da boca de Inês, quatro anos, e que recebeu da mãe Luísa a alcunha de Pikitim: esteve em Roma há poucos meses, já foi a França, aos Açores vai visitar a prima e às Filipinas talvez vá no próximo ano, durante a volta ao mundo que vai fazer com os pais, Luísa Pinto e Filipe Morato Gomes, a começar em Janeiro. É uma viajante "involuntária" e precoce, portanto, mas isso não parece incomodá-la: é com um sorriso fascinado que vê na internet "as casinhas com rodas" (carrinhas convertidas em auto-caravanas) que a mãe lhe mostra ("Inês, achas que ias gostar de uma destas?") e é com orgulho que mostra o "tigre" que leva em todas as viagens, um pequeno trolley que é da sua responsabilidade, para encher com o que queira.
Provavelmente, nesta viagem o "tigre" ficará em casa. O Pipocas, o coelho de peluche que é o seu preferido irá, mas numa mochila, dizem os pais. É mais prático desta forma. Filipe e Luísa sabem do que falam, as viagens sempre fizeram parte da vida do casal e a certa altura tornaram-se o modo de vida dele. Quando, em 2003, este engenheiro de sistemas e informática ficou sem emprego, ganhou a oportunidade para realizar um sonho: dar uma volta ao mundo.
Durante 14 meses, viveu mundo e voltou "diferente", nota Luísa, que chegou a pensar, sem grande convicção, em acompanhá-lo. "Não percebia bem o que estava ele a fazer". Agora sabe e agora vai com ele, deixando para trás um emprego fixo: jornalista, pediu uma licença sem vencimento que não foi aceite e, passou tanto tempo até obter essa resposta, que esta acabou por ser indiferente. Filipe chegou a duvidar. "Pensava que, para mim, a concretização estava dependente da resposta do jornal", conta, por seu turno, Luísa, "na altura, também ponderei, mas decidi que queria fazer isto agora".
"Pode parecer uma loucura, não é? Mas eu tenho de arriscar e arriscar agora." Se não fizesse isto agora para manter um emprego, Luísa sabe que se arrependeria para sempre. E esse é um risco que não quer correr. Quando regressarem, vai tentar alguma coisa. Se calhar nem quererá voltar a fazer o que faz agora. "Não sei como vou chegar." Se as pessoas nunca retornam iguais de uma viagem, mesmo curta, considera, ela agora enfrenta a incógnita de saber como reagirá no registo de jornalista freelancer (durante a viagem tenciona fazer trabalhos). "Não sei se tenho vocação para isso. Até agora sempre disse que precisava da rotina de redacção." Talvez não a volte a sentir.
Quando veio da sua volta ao mundo, Filipe nunca mais quis rotina. Chegou diferente. Com um "auto-conhecimento brutal", mais tolerante, paciente, sim, e decidido "a, enquanto for possível, não ter um emprego normal de escritório, com horário e patrão". E queria viver ligado às viagens, à fotografia e à escrita.
Com o site de viagens que criou, Alma de Viajante, conseguiu-o, complementado com as reportagens que publica em diversas revistas. Se não tivesse família, até poderia trabalhar numa praia na Tailândia. Como tem, e como desde que a Inês nasceu passou a fazer mais viagens, mas mais curtas ("tanto por questões práticas, como pela relação afectiva"), volta e meia, meio a sério, meio a brincar, dizia: "Qualquer dia fazemos todos a volta ao mundo." Desta vez, a iniciativa partiu de Luísa. E perceberam que o momento era agora, até porque Inês ainda está no pré-escolar.
"Ainda é fácil de gerir", explica Filipe, "depois, não nos sentimos à vontade para assumir a escolaridade dela". "E a escola é importante pela socialização", continua Luísa. Mesmo agora, Inês não vai cortar os laços com os colegas: reuniões por Skype com a escola, por exemplo, já estão marcadas (por iniciativa da educadora) para que quando ela volte não seja uma estranha. Durante a viagem, também terá tempo para socialização. A ideia é que Inês contacte com outras crianças, que perceba as diferenças e veja as semelhanças, que entenda a diversidade. É umas das sementes que os pais esperam estar a plantar outra é a sensibilização para as questões da conservação da natureza e do turismo ambiental, sustentável.
Pela Inês, Luísa e Filipe sabem que esta viagem vai ser diferente das anteriores mais previsível (têm bilhetes de volta ao mundo), com actividades que não fariam sozinhos e com um ritmo distinto ("teremos de viajar mais devagar", explicam, "as crianças aguentam bem, mas ao seu ritmo, volta e meia têm de parar") mas esta é uma viagem de família. A preocupação na preparação foi tripla: as experiências que podem proporcionar à Inês, os interesses mútuos e os locais que ainda não conhecem. O resultado estará online, no Diário da Pikitim.
Projecto e itinerário
O projecto, explicam no site, "tem subjacente uma ideia tão arrojada quanto simples: viajar a três, em família, com uma criança". Objectivo: "mostrar à nossa filha, quase a fazer cinco anos, que habitamos numa pequena gota de um grande oceano chamado Terra", "feito de uma enorme diversidade e que, no lado oposto desse globo terrestre, os meninos vivem e falam e brincam de forma diferente, mas são apenas meninos como ela". "Queremos voar nas asas dela - que nada, nem ninguém, tem asas mais poderosas do que a imaginação de uma criança", escrevem. A viagem "dará à pequena Pikitim preciosas ferramentas para o seu crescimento, sementes a partir da qual germinará uma cidadã tolerante, solidária, responsável, perspicaz".
O espírito é "viajar devagar" sob o mote do "turismo responsável". A volta ao mundo tem início nos primeiros dias de Janeiro e durará todo o ano de 2012. Porquê agora?: "Antes a petiza pouco aproveitaria a viagem e daqui a nada será altura de começar a escola primária; o momento é, pois, agora. Regressaremos a tempo do primeiro ano de escolaridade da pequena Pikitim".
O itinerário passa "maioritariamente" por "ambientes insulares", "previsivelmente em locais como a Tailândia, Malásia, Filipinas, Indonésia, Austrália, Nova Zelândia, Nova Caledónia, Vanuatu, Fiji, Samoa, Ilhas Cook, a costa oeste dos Estados Unidos da América e do Canadá e, eventualmente, antes do regresso a casa, uma incursão a Miami e a algumas ilhas caribenhas".
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