Eu deixei o olhar vaguear um pouco, à volta do pátio interior, depois até à porta azul de ferro, por onde acabara de entrar, tentando perscrutar uma presença feminina. De seguida passei a mão pelo cabelo para confirmar se estaria assim tão longo. A senhora, com a sua saia comprida e uma blusa de uma cor alegre, indicou-me um quarto onde, à entrada, repousava um pequeno balde amarelo cheio de água. Eu transpus a porta e depositei os olhos na cama onde mal cabia o meu corpo, quanto mais o meu e o de uma mulher. Aquele espaço exíguo, com uma janela gradeada, com as suas paredes nuas, aqui e acolá órfãs de tinta, assemelhava-se a uma cela de uma prisão.
- São muçulmanos e, por isso, está proibida a entrada de mulheres na pensão -, explica-me um homem que, uns dias depois, para minha surpresa, haveria de viajar no mesmo autocarro que eu ao longo das estradas de terra batida e das paisagens imponentes das Montanhas Simien.
Uma hora antes, o Bombardier da Ethiopian Airlines fez-se à pista com brusquidão e alguns turistas, na sua maioria franceses, assustaram-se quando, subitamente, deixaram de ouvir o barulho das hélices. Sou o primeiro a entrar no edifício central do pequeno aeroporto e, contrariando o habitual, desta vez não há representantes dos hotéis à chegada. As placas que os publicitam, em cartão, estão todas deitadas, o que significa que terei alguma dificuldade em encontrar um quarto vago durante a minha permanência de dois dias em Axum, a mais antiga cidade da Etiópia.
Negoceio o preço de um táxi até ao centro por menos de um euro e tenho como companhia, além do motorista, uma senhora sorridente com várias pulseiras em ambos os braços cruzados no ventre, sempre mergulhada no silêncio enquanto atira olhares furtivos através da janela.
Sob a cúpula ampla do céu pintado de azul, as ruas fervilhavam de gente quando o carro, velho sem idade, me deixou à porta da Pensão Amir, com as suas paredes de um amarelo-beje-desmaiadas. O meu quarto, despojado de qualquer intimidade, convida-me a sair para a rua abrasadora à procura de um restaurante que descubro ao fim de menos de 100 metros a caminhar, depois de passar por uma senhora, envolta em farrapos e com os pés despidos, que me estende as mãos em concha, rogando uma esmola.
- Olhe que vai demorar um bocadinho!
Resignado, com todo o tempo para conceder ao destino, limito-me a sorrir para o empregado e peço um prato vegetariano. Nesta altura do ano, devido às celebrações religiosas, não se consomem produtos de origem animal.
- É servido?
Agradeço e troco um olhar cúmplice com a numerosa família sentada na mesa ao lado, no momento em que o rapaz, com um tufo de cabelo que lhe cai pela testa, deposita à minha frente uma tella, a cerveja local confeccionada à base de cevada. O restaurante, todo em madeira, com enormes vigas a sustentar o tecto, está cheio e os empregados correm de um lado para o outro como se fizessem parte de um formigueiro enlouquecido.
- Aqui está! Bom apetite.
O pequeno prato de legumes faz-se acompanhar de injera. À primeira vista, o mais desatento pode pensar que, pela forma como surge enrolado, se trata de um toalhete daqueles que, cada vez menos, recebemos nos aviões nos instantes que antecedem a refeição. Semelhante a uma panqueca, com um diâmetro de 50 centímetros, o pão é feito de uma massa de água e teff, um cereal que se cultiva em terras etíopes, e cuja mistura é deixada a fermentar durante três ou quatro dias até ficar pronta a ser assada num artefacto de barro.
- Gosta?
Por essa altura, já despejara o prato de legumes em cima da injera e, sempre com a mão direita, gozava dos prazeres do almoço no meio daquela explosão de alegria em que se transformara o restaurante.