Uma rota de 204 países concluída a 11-11-11. A data de "fim de ciclo" não foi um acaso. Para Nuno Lobito é uma data por que há muito ansiava, escolhida a dedo - inclusive por razões da sua crença budista, porque "há uma energia cósmica neste número". 11-11-11 estava marcado há muito como o dia do seu regresso a Lisboa vindo do país que ficou para o fim das suas viagens, o único que lhe faltava no mapa-múndi, a Islândia. Um dia de "glória", como o próprio gosta de sentir e dizer e para o qual se preparou durante uma vida.
Para este fotógrafo profissional, com muitas reportagens, exposições e livros no currículo, com quase três décadas de viagens e trabalhos, poucas vezes terão parecido tão próximos esses dias em que, rapazinho, dizia para si próprio que um dia viajaria pelo mundo todo. "Missão cumprida". A alegria de completar esse desígnio não poderia ser mais visível do que no momento da "derradeira" chegada ao aeroporto da Portela (que pode ver-se no Facebook): passadas as portas, entre aplausos de amigos, fãs e família, o viajante despe a t-shirt, e, agarrado a um cachecol do seu clube adorado (o Sporting, onde foi jogador de apoio), dá o corpo ao manifesto para ser recebido à sua maneira, em apoteose e ao som de um cântico único: "E o Lobito deu a volta ao mundo inteiro".
Lobito conta 204 "carimbos", entre os 193 países que são oficialmente reconhecidos pelas Nações Unidas "e 11 ditos independentes" (o número de "países" existentes no mundo parece uma questão fácil de responder mas, muito pelo contrário, a resposta varia e depende da fonte e critério utilizados), em que se incluem os casos do Taiwan ou Sara Ocidental. "Mas o número não é importante", diz Lobito. O que interessa é um mundo inteiro visitado, "ter vencido" a sua "luta", iniciada em sonhos e cumprida em 29 anos: "Quando era criança decidi que queria ir a todos os países do mundo", confessa-nos, numa conversa, entre correio electrónico e áudio, quando ainda estava na Islândia. A primeira viagem "à séria" foi à Índia ("paguei 140 contos [700 euros] em 88/89"), isto tirando as "brincadeirinhas na Europa" - as "brincadeirinhas" a que se refere incluem ir à boleia num camião TIR para as vindimas em França, aos 18 anos, e, depois de dar "a volta à Europa toda", regressar a Portugal num 2CV.
E, aos 45 anos, será Nuno Lobito "o português que mais países visitou"? Para o próprio e para grandes viajantes de todo o planeta, a ferramenta "oficial" é o site Most Travelled People, onde entre milhares de registos, 19 pessoas somam os 193 países oficiais. Entre estes, dois portugueses, Lobito e João Paulo Peixoto, o economista que, este Verão, andou nas bocas do mundo por ter, precisamente, viajado a todo o lado.
Lobito não quer meter-se em mais polémicas sobre o assunto e resume a situação de forma lapidar: "eu não sou turista, esse senhor é". "Eu sou um viajante, não estou um dia em cada sítio, os meus livros e reportagens falam por mim". "Sou o português mais viajado", "tenho lutado para levar isto a bom porto" e "não foi, nem é, nada fácil", diz. Até porque, para além dos tais 193 países mais 12, o mapa do site faz cálculos a partir de um total de 872 territórios. E, neste campo, Lobito vence claramente com 611 registos, além de, também no seu site oficial, mostrar as fotos captadas em muitos dos locais. Em 2.º, outro fotógrafo com longa carreira nas viagens, Luís Filipe Gaspar, e, em 3.º, Peixoto - no 4.º, um lendário viajante luso, José Megre, já falecido, que visitou "todos os países do mundo (menos um)".
Nas viagens de Lobito não faltam, naturalmente, momentos marcantes, perigos e aventuras várias. E, além de muitas fotografias ("400, 500 mil"), muitas alegrias. Da Índia onde "aprendeu" a ser muito do que é hoje àquela que terá sido a experiência que mais marcou e moldou a sua vida: viver cerca de cinco anos na Amazónia, entre as tribos. Até porque casou com uma indígena, Carol, com quem tem um filho, Angel. Aliás, dessa experiência, nasceria também o livro de fotografia "Amazónia Oculta". Mas, na biografia deste fotógrafo que começou por estudar na Ar.Co e depois se dedicou ao fotojornalismo, à publicidade e fotografia de viagens com trabalho publicado nos mais diversos meios, há outros grandes momentos que considera definidores, entre fotografar "em pleno teatro de guerra" na Sérvia ou na paz de Laos, viajar pelo Tibete ou visitar o Dalai Lama, "sentir a magia" de Machu Picchu ou de Vanuatu.
E como resumir tanta viagem? "Não se consegue resumir", admite. O melhor resumo: "Fui crescendo como homem, como viajante, como fotógrafo". Muito graças à conjugação das viagens e da fotografia, diz considerar-se hoje em dia "uma pessoa equilibrada", que faz o que gosta: "Adoro fazer fotografia, gosto de partilhar essa fotografia e gosto quando as pessoas gostam". Mas nem se considera um artista, "longe disso. Sou um profissional ‘loucodisciplinar', domino a técnica até ao tutano, porque sem técnica nada se consegue. E depois sou muito louco". "Um louco disciplinado e tecnicamente apurado."
Agora que já não lhe falta mundo, também não lhe faltam projectos após este "ciclo que chegou ao fim". Diz-nos que vai deixar "de trabalhar como até agora" e, entre outros objectivos, pretende dedicar-se "à televisão, à fotografia na televisão" - para já, não adianta mais, mas é de esperar algo num registo documental. 2012 trará mais. Desde logo, vai participar num evento para o qual recebeu há pouco um convite que o deixou "muito feliz": será um dos participantes de uma das conferências internacionais TEDx, encontros internacionais de debate de ideias que terão uma reunião em Setembro, nos Açores, na Madalena do Pico. Em processo de fabrico, está também um novo livro dedicado às suas viagens. E, claro: "Vou continuar a viajar, a fotografar. É óbvio".
Sete léguas
Amazónia
"Tenho dentro de mim cinco anos na Amazónia. É única. E posso dizer - disse isto ao Gonçalo Cadilhe quando ele chegou à Amazónia há dez anos -, quem passa por aqui e sobrevive cinco anos é um verdadeiro viajante porque a Amazónia não é para todos. Sobreviver num sítio onde não tens nada, só te tens a ti e ao teu cérebro, não é fácil. É a selva, onde somos tão, tão pequenos."
Índia
"Um país espiritual, que me deu imenso equilíbrio e onde eu aprendi a ser quem sou hoje espiritualmente."
Indonésia
"Porque é multicultural, com uma energia única mesmo, com boas ondas, um país de gente jovem, que me inspira muito, muito. Não sei se um dia não viverei lá."
Irão
"É uma cultura ímpar, onde as pessoas conseguem transmitir aquilo que sentem e não aquilo que a sociedade quer que eles pensem."
Omã
"Foi um dos últimos países onde conheci das pessoas mais simpáticas."
Mali
"Foi onde me ajudaram no meio de África. Conheci pessoas únicas, com quem tive conversas no meio do nada, conversas tão importantes como..., sei lá, sobre a nossa existência."
Portugal
"É o meu coração e posso dizer que é a minha paixão, o país que eu gosto, com que me identifico e que defenderei até à morte."
Perfil
Prestes a celebrar 46 anos (em Dezembro), Nuno Lobito, nascido em Lisboa, tem uma longa carreira tanto de viajante quanto de fotógrafo, até porque ambas as condições têm andado, desde sempre, interligadas. Estudou na Ar.Co, dedicou-se ao fotojornalismo em vários meios, passou pela publicidade e, mais relevante, passou a década de 90 a viajar por uma centena de países. Além de centenas de reportagens fotográficas (nos últimos anos para a revista Caras e grupo do Expresso), já publicou diversas obras em que aprofunda fotograficamente as geografias que mais o marcaram, o que inclui "Goa o Traje" (1990), ou "Amazónia Oculta" (2000) e "Sons do Silêncio" (2008, um testemunho da sua história e viagens).
Mais recentemente, lançou "O Mundo aos Meus Olhos", uma obra viajante por natureza que percorre cem países em 150 imagens, um livro que considera identificar-se muito consigo próprio (e "pouca gente em Portugal conseguiria fazer um livro assim"). Entre várias exposições, prémios e distinções, foi distinguido pela Fundação Andrés Bello para "melhor portefólio fotográfico indígena" (2003, Colômbia) e recebeu menções honrosas de certames ligados a referências internacionais como as revistas "Geo" ou "National Geographic". Pelos intervalos, foi também formador de fotografia.
Outra das suas paixões também marca a sua vida, além da sua obra: o Sporting, que já mesclou com a sua arte - o resultado foi o livro "35 anos de Glória", sobre a Juventude Leonina. Não em vão, dia 20, revela, será homenageado pelo seu clube de estimação (que recebe o Braga para a Taça de Portugal) no Estádio José Alvalade.
Lobito na net
O fotógrafo dá-se bem com a net social e está presente em diversas redes e plataformas. Só no Facebook, soma mais de 7500 fãs, com quem conversa informalmente e onde não se importa nem de entrar em debates mais acesos e polémicas, nem de dar dicas de viagens ou fotografia. Sempre no seu estilo peculiar, com mensagens em que tanto se pode despedir com "abreijos", assinar "N1" (de Nuno e de número 1) ou misturar português e inglês continuamente, bem ao seu jeito. Tanto no Facebook como no site oficial e noutros locais com a sua marca, pode apreciar-se o seu trabalho fotográfico com imagens de todo o mundo que percorreu.
Site: www.nlphotographer.com
Flickr: www.flickr.com/photos/nunolobito
Olhares: www.olhares.com/nlphotographer
Facebook: nunolobito