Fugas - Viagens

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O futuro é o presente do Dubai

Por Andreia Marques Pereira

De pequena cidade portuária a metrópole cosmopolita a distância foi a de uns poços de petróleo aliados à visão de um entreposto comercial e de lazer global. O Dubai é o grande bazar mundial entre o luxo das Arábias e o limite da imaginação. 

Há uma espécie de névoa a cobrir permanentemente a cidade do Dubai. Vemo-la quando observamos o skyline ao longe. É pó em dança permanente animada por vento omnipresente que sopra de noroeste, o shamal. Poucas vezes lhe sentimos as benesses directas, mas quem vive nestas paragens áridas há séculos conhece-lhe as manhas e aprendeu a usá-lo a seu favor.

As "torres de vento" (barajils) são disso paradigmáticas, um "ar condicionado" primitivo que no início do século XX eram a marca mais distintiva do skyline do Dubai. No início do século XX eram, aliás, o único skyline do Dubai e, claro, chamar skyline à silhueta citadina que se erguia nas margens do Golfo Pérsico é uma liberdade de retórica. Que levamos até 1979, quando se ergueu aquele que é considerado o primeiro arranha-céus da cidade, o World Trade Center, e as torres de vento começaram a ser substituídas por ar condicionado.

Trinta anos passados a diferença é abismal e nem sequer é necessário recuar tanto para ver a vertigem em que o Dubai se tornou: comparar fotografias da Sheikh Zayed Road, a principal via da cidade e aquela onde os prédios se começaram a erguer, do início dos anos 1990 com actuais é um regresso ao passado que não cabe em 20 anos. O Dubai chegou ao futuro com a velocidade de um sprinter e, não contente com tal proeza nunca antes vista numa cidade, agora entretém-se a engendrar novos mundos. Bem-vindos, portanto, ao Dubai, onde o passado é nota de rodapé e o presente é já o amanhã.

É difícil hoje descobrir torres de vento no Dubai. As torres que agora se erguem são outras, são os arranha-céus caprichosos que riscam volumetrias caprichosas no que é o skyline da cidade, a sua imagem de marca onde buscamos rostos familiares - e o mais inconfundível é o famoso Burj Al Arab, o verdadeiro hotel das Arábias que já foi o mais alto do mundo mas que não precisa desse título para se distinguir, com o seu perfil de vela enfunada sempre preparado para levantar âncora e partir, mar adentro; porém, o mais famoso desde há dois anos é o Burj Khalifa, que tem uma silhueta de catedral gótica moderna, mas o que realmente importa é que, do cimo dos seus 829 metros, é o edifício mais alto do mundo.

E este é apenas um dos vários recordes que ostenta, no que parece resumir a sede que se apoderou do emirado em anos recentes: a de construir mais, melhor e maior, ou então o mais imprevisível e excêntrico, num desvario megalómano. De que outra forma se pode explicar que num local onde as temperaturas poucas vezes baixam os 30 graus e muitas vezes ultrapassam os 40 se possa esquiar? Ou que dizer da ilha Palm Jumeirah, concluída, ou do arquipélago "The World", em construção, com forma de palmeira e dos cinco continentes, cujas formas só podem ser compreendidas do ar e são visíveis do espaço? Não há muita subtileza nesta terra, onde o limite já não é o do céu, mas o da pura imaginação, e essa é também uma fonte de riqueza do Dubai, que não é país, não é (só) cidade - é qualquer coisa de intermédio e isso pode ser esquizofrénico.

Mal saímos do avião somos logo sugados pelo vórtice de luxo descontrolado que aprendemos a associar ao Dubai. O dia desperta lá fora e somos confrontados com as palmeiras douradas que se espalham num mar de mármore e colunas. Em retrospectiva, não podemos deixar de considerar que é a melhor introdução possível ao Dubai porque é o Dubai em "miniatura" e in your face e somos logo imersos nas suas obsessões de opulência kitsch, que nem o ar livre dissipa: ainda não são sete da manhã e já é um bafo de calor que nos recebe - em poucas horas sentir-nos-emos como que a arder e quando a noite cair caímos com ela como numa sopa. Não esperávamos outra coisa, contudo não esperávamos que fosse assim.

Pelas janelas do autocarro temos a primeira incursão na cidade. Primeiro os esperados arranha-céus, uma floresta de sequóias de betão e rostos espelhados de várias cores (azuis, verdes, rosas...); depois prédios "antigos" (os tais que têm 30 anos, máximo), cor de areia ou rosados, restaurantes e comércio no rés-do-chão. Pelo meio, descobre-se o "Dubai Creek", um braço de água salgada que entra terra adentro e divide a cidade e onde ainda circulam dhows (embarcações tradicionais), Deira e Bur Dubai, leste e oeste as coordenadas básicas nestas paragens que ainda não dominamos; passamos desconcertantes relvados de um verde impossível e flores de cores garridas; vemos um mercado que às 7h30 é uma multidão de homens e as palmeiras não são douradas, mas são omnipresentes.


Dubai rewind

Há algo de esquivo nesta cidade que vive de aparências que, por mais Dubai que já tenhamos nos olhos, só começamos a descortinar quando percorremos o Museu do Dubai. Por isso, fazemos fast forward e já estamos no velho Forte Al Fahidi - de 1799, é considerado o edifício mais antigo da cidade -, em plena "cidade velha", onde o museu apresenta a história da cidade e do emirado de forma muito visual, como tudo aqui. Não é preciso muito tempo para percorrer este forte-museu, cor ocre e dimensões modestas, apesar de ter sido sede do governo e residência dos governantes. No pátio central, caminha-se entre antigos barcos e utensílios de pesca e espreita-se uma casa tradicional, feita de folhas de palmeiras; na penumbra por detrás das pesadas portas de madeira, a primeira exposição é de armas, com adagas e sabres em abundância; contudo, é descendo que se entra na máquina do tempo.

Transitamos pelo velho Dubai como se este estivesse aqui, suspenso nestas salas que recriam um souk e velhos ofícios, a escola e o deserto (acampamento, fauna e flora incluídos), antes de avançarmos em direcção ao mar, com a construção naval, a pesca e a apanha de pérolas e terminarmos a escavar as areias como arqueólogos. No entanto, é na primeira sala, com um apanhado cronológico e muitas fotografias que retratam o ontem e o anteontem - a velocidade com que o Dubai se transforma não se compadece com exposições de museus -, que se sente o verdadeiro impacto desta história de conto de fadas que foi a transformação de um pequeno povoado piscatório na cidade que ambiciona ter o mundo inteiro lá dentro.

O Dubai é uma espécie de corporização do sonho americano e não há expressão que melhor o expresse do que o from rags to riches (literalmente, dos trapos às riquezas). Se a história do que é o Dubai hoje pode começar no século XIX, a ocupação neste canto do Golfo Pérsico já vem do século VI, quando era um ponto de paragem de mercadores. Doze séculos depois, não era mais do que uma pequena povoação de pescadores e apanhadores de pérolas nas margens do "Creek", quando a dinastia Al Maktoum ali se estabeleceu e emancipou o território do vizinho Abu Dhabi - foi em 1833. Quase dois séculos passados, é a mesma dinastia a governar o Dubai, que, entretanto (em 1971, após o fim dos protectorados britânicos na região), formou com os emirados vizinhos um país muito sui generis, os Emirados Árabes Unidos (EAU), no qual Dubai e Abu Dhabi dividem a maior parcela de poder: o emir do Dubai é vice-presidente dos EAU, o de Abu Dhabi o presidente e são as suas caras que vemos repetidas vezes em cartazes nas ruas - fazem parte da hagiografia.

No início do século XX, o Dubai transformou-se num importante entreposto comercial na região, onde os mercadores estrangeiros beneficiavam de isenção de taxas, e quando o comércio de pérolas entrou em decadência, na década de 30, passou a dedicar-se à importação e exportação de ouro. A modernização começou a chegar, tíbia, na década de 50, e em 1969 vendeu-se o primeiro petróleo. Este foi o rastilho para o que hoje vemos, porém há muito que o petróleo - cujas reservas se vão esgotar rapidamente - deixou de ser preponderante na economia do emirado. Neste momento constitui apenas 6% das receitas do Dubai, cuja originalidade, segundo Christopher M. Davidson na sua obra Dubai: The Vulnerability of Success, é o pioneirismo do seu modelo de desenvolvimento pós-petróleo, que apostou na diversidade de actividades assente em alguns vectores estratégicos, entre eles a expansão da infra-estrutura comercial, a criação de "zonas livres" especializadas, a aposta agressiva no turismo de luxo. Os turistas chegam em busca das praias, da extravagância, da diversão, da oitava (e nona, décima...) maravilha do mundo, que é como qualquer novo projecto do Dubai é apresentado. De uma vida das Arábias.


Cenário ou ser vivo?

Nesta Arábia versão século XXI há muitas cavernas de Ali Babá. Um dos seus símbolos máximos é o hotel Burj Al Arab, que, com 321 metros de altura, já foi o mais alto do mundo e que com a sua aura de sete estrelas (não oficiais) convoca todo o luxo imaginável. De perfil vemos a famosa vela, mas de frente parece-nos uma cobra-capelo a erguer-se diante de nós. Estamos aos seus pés e aproximamo-nos o máximo possível para o comum dos mortais - aqueles que não pagam um mínimo de 1600 euros de estadia diária ou nem sequer tomam um high tea, por 360 euros com visita ao hotel incluída - e esse máximo são os portões de ferro negro. Do lado de cá dos portões o movimento é constante (em contraste com a calma do outro) com turistas a acotovelarem-se para a pose possível no cenário. Os portões abrem de vez em quando e nessa altura os seguranças mostram-se para afastar as multidões e dar passagem às viaturas: jipes de vidros fumados, Rolls Royce Phantom (que fazem parte da frota que o hotel coloca à disposição dos hóspedes, juntamente com Lamborghini, por exemplo), desfilam então indiferentes ao burburinho.

O parque aquático Wild Wadi, cuja entrada até se faz pela Burj Al Arab Causeway (fica bem ao lado do hotel) hoje está fechado; para oeste, há um muro ocre a encerrar um complexo de hotéis, restaurantes, cafés, mercados e canais, que são os veios comunicantes entre tudo. A arquitectura é tradicional neste Madinat Souk mas a atmosfera é mais de centro comercial do que de souk, não se vive tanto quanto se visita. E são muitos os que o fazem: turistas, mas sobretudo locais, famílias inteiras, os homens de kandura (as longas túnicas) imaculadamente branca, as mulheres de véu e preto integral (não raras vezes adornadas por carteiras Chanel ou Louis Vuitton). Sentam-se nas esplanadas, passeiam pelos corredores do souk, descobrem os jardins repletos de palmeiras e navegam canais e lagos com o Burj Al Arab ao fundo.

Há um iniludível sentimento de fingimento aqui, quase como se fosse um parque temático. Mas é um pouco isso o Dubai. E como as gruas são omnipresentes é frequente sermos tomados pela sensação de estar por detrás do palco, a assistir à construção de um grande e fantasioso cenário. Que por vezes parece assombrado por esqueletos de prédios parados, locais de construção abandonados em crateras - se é verdade que 30 por cento das gruas mundiais estão no Dubai, uma parte está parada, porque a crise também se faz sentir aqui e o boom do mercado da construção é, por estes dias, uma miragem.

Nada que impeça que os projectos floresçam, em papel pelo menos, como cogumelos, cada vez melhores, cada vez maiores. Não sabemos em quanto tempo se deixará de ver espaços em branco no Dubai, onde a área metropolitana ameaça tomar conta de todo o território. Sabemos - e voltamos às fotografias do antes e depois - que a voragem é intensa e a grande Sheikh Zayed Road, que atravessa a cidade, avança no deserto até chegar a Abu Dhabi, exibe-a ad nauseaum. E, por isso, o Dubai também nos parece um organismo vivo, palpitante até ao excesso no seu processo evolutivo, a comer o deserto metro após metro. Cenário e ser vivo são extremos, sabemo-lo, mas é assim que nos resulta a cidade.


No topo do mundo

O paraíso (recreio?) dos arquitectos rodeia-nos por todos os lados e não conseguimos deixar de andar de cabeça no ar, apontada bem ao alto dos arranha-céus para todos os gostos e feitios, dos mais sóbrios aos mais delirantes, como as duas torres azuis e brancas que parecem construções de Lego a desmancharem-se, ou o edifício das telecomunicações que tem uma bola de golfe como cúpula (e antena). É, no entanto, incontornável a tendência para o kitsch, nas formas e acabamentos, que não se limita a, por exemplo, um pastiche da cúpula do Chrysler Building (em azul) ou aos mastodontes dourados e azuis - pode ser também uma minipirâmide defronte de um stand Hyundai e já estamos em espécies de periferias em plena cidade, feitas de armazéns e grandes concessionários, nos bordos de vias rápidas que, com pontes e viadutos, ligam as clareiras futuristas.

Percorremos as avenidas sobre rodas e não se vê vivalma a caminhar. Alguns edifícios não têm indícios de ocupação; no resto, a verdade é que tudo é em dimensão sobre-humana, feita para homens dentro de máquinas - claro que o calor também contribui para a ausência de pessoas nas ruas, mas isso não será problema no velho Dubai. Já o desvendaremos. Estamos no futuro e as estações do metro parecem a materialização de um qualquer filme de ficção científica, sobretudo quando as podemos ver ao longe, como as cápsulas gigantescas que são. Lá dentro, passeamos em mármores em ambiente irrepreensivelmente refrigerado (até as paragens do autocarro o são), mesmo quando a plataforma é à superfície (como acontece em boa porção do percurso), e o metro parece estar sempre em dia de inauguração (atenção às pastilhas elásticas, são proibidas, informa o fiscal).

Não é ficção científica, o Burj Khalifa, é o maior arranha-céus do mundo, bem no centro da chamada Dowtown Dubai, ainda em construção. É difícil vislumbrar o topo do edifício espelhado, que se vai estreitando, passa por vários terraços, até se extinguir numa espécie de agulha gigantesca. Muitos recordes ali se condensam: por exemplo, é o edifício com mais andares (163), acolhe o restaurante (no 122.º andar) e a discoteca (no 144.º andar) mais altos do mundo e tem o deck de observação ao ar livre mais alto também (no 124.º andar, a 452 metros).

Cá em baixo, rés-do-chão desta terra plana, não faltam distracções. A começar pelo verdadeiro templo do consumo que é o Dubai Mall, o maior do mundo, claro, labirinto interminável. Não lhe percorremos exaustivamente as entranhas, confessamos, vimos  o aquário (recorde aqui: o maior painel de acrílico do mundo), cujas montras são aquários gigantescos e o azul-turquesa sacudido pelos peixes hipnotiza de vários ângulos; passamos um turbilhão colorido de fantasia doce chamado "Candylicious", que, soubemos depois, é a maior do mundo; e perdemo-nos várias vezes, sem encontrar a livraria normalmente apontada como a maior do mundo.

A noite já se pôs quando desembocamos na Dubai Fountain, a grande ágora nas traseiras do Burj Khalifa que se ergue iluminado e se vai dissolvendo na névoa que começa a surgir no topo. São milhares de pessoas as que por ali deambulam, tiram fotos, se sentam nas margens da fonte que tem o tamanho de dois campos de futebol e desaparece entre edifícios que lhe tocam as margens. Do lado de lá, atravessada a ponte tradicional, novo souk, Al Bahar, que é novamente um centro comercial, desta feita com inspiração árabe. Contudo, a esta hora, a concentração tem outros objectivos que não as compras: o espectáculo de água, luz e música que todos os inícios de noite explode atrai todos os olhares, que se perdem seguindo a elaborada coreografia que saltita na água e escapa para o céu ao ritmo de sons árabes.

Estamos longe das influências orientais clássicas quando percorremos a marina do Dubai, arrancada do deserto como uma laguna, que se estreita e alarga bamboleando entre arranha-céus, onde se misturam residências, muitos cafés e restaurantes nas imensas esplanadas que a ladeiam, e lojas. É um cenário futurístico, mas sem a aura asséptica das grandes avenidas: podemos imaginar uma pequena cidade do futuro assim.

Pequena cidade é também uma das maravilhas da engenharia em que o Dubai é pródigo que se espraia nas redondezas. Palm Jumeirah é a ilha-palmeira-prodígio quando vista do ar; quando estamos nela o sortilégio desvanece. A via rápida que lhe atravessa o "tronco" é uma sucessão de prédios cor de terra que depois se transformam em vivendas, os "ramos" que daí saem dão para ruas ladeadas de casas que não deixam ver a praia porque a praia é delas e, pode ser mau timing, há um cheiro nauseabundo que revela os problemas enfrentados na manutenção da estrutura artificial. A língua de terra que a cerca é coroada pelo Hotel Atlantis - kitsch inexcedível para o maior hotel do Médio Oriente, arquitectura oriental e mar até perder de vista em frente - mas são as suas extremidades que valem a pena. Não pela ilha, nem sequer pelos vários resorts de luxo com que nos cruzamos, mas pelo imponente waterfront do Dubai, tão perto e tão longe, na medida perfeita para o abarcar nas suas declinações e desfazer-lhe os vultos em formas concretas.


Regresso às origens

Abstraímo-nos do Dubai que cresce para o céu quando circulamos na vizinha Jumeirah Road, longa rua que corre paralela à praia, mas raramente a deixa ver. Vemos as mesquitas, que surgem em intervalos regulares, 500 metros no máximo, explica o guia, Schalke, para que todas as pessoas tenham local para descansar das altas temperaturas. Claro que agora há pouca gente a transitar a pé e à Mesquita Jumeirah, uma das mais grandiosas, inaugurada em 1987, chegam de carros de alta cilindrada. No minarete soam os altifalantes, na mesquita entra uma rapariga de saia de ganga comprida, véu e óculos de sol. À volta, um amontoado de hotéis e lojas de rua sem charme e até um Friday's, cadeia norte-americana conhecida pelas generosas happy hours.

Jumeirah é uma das zonas mais caras dos EAU - o aluguer anual de uma casa pode chegar aos 250 mil dólares - e a beira-mar está assaltada por resorts de luxo, como o Palm Jumeirah, que escondem areias brancas e mar turquesa. Há também praias "públicas" - entrada: cinco dirhams - que à segunda-feira são apenas femininas e onde até se vêem biquínis, contam-nos. É nesta órbita que o arquipélago artificial The World, "o mundo", começou a ser construído e já começou a afundar, com a crise. Dos responsáveis vem a garantia de que o projecto, previsto para se desenvolver em dez anos, apenas abrandou...

Em Majlis Ghorfat Um Al Sheef, o tempo não se limitou a abrandar. Cristalizou numa época que, por esta altura já não nos surpreendemos, não é tão longínqua quanto o olhar incauto poderia pensar ao confrontar-se com o complexo de edifícios rústicos. A casa de Verão do xeque Rashid bin Saeed al-Maktoum, comummente apontado como o pai do Dubai moderno, foi erigida em 1955 em Jumeirah, "longe" do Creek onde a cidade velha, a desses tempos, se concentra. Os jardins estão secos, porém já foram reluzentes, alimentados por um sistema de irrigação primitivo mas eficaz - como a "torre de vento" que aqui vemos, ainda a utilizar folhas de palmeira. O edifício principal está quase despido mas o terraço no topo oferece uma vista privilegiada sobre a cidade - atentamos num edifício branco, redondo, dimensões reduzidas para o Dubai de hoje, mas dele simbólico: Dar Al Ittihad, "casa da união", onde foi assinado o tratado fundador dos EAU.

A cidade pré-petróleo, pré-EAU sobrevive junto do Creek e aí, finalmente, encontramos ruas buliçosas e souks que não são centros comerciais. Não seria, contudo, o Dubai se não houvesse uma certa teatralidade. No distrito de Bastakyia, Bur Dubai encostado à água, encontramos tudo: é o Dubai antigo, autêntico e encenado - e esse é também o Dubai moderno.

Nas praças, o futebol é o desporto de eleição (vimos um "Cristiano Ronaldo"), nas margens do canal há dhows feitos restaurantes e bares de um lado e de mercadorias de outro - continuam a fazer viagens pelo Golfo Pérsico e até à Índia, Somália. Há relvados cuidadosamente tratados, flores a compor canteiros que parecem tapeçarias de cores saturadas, palmeiras por todo o lado a acompanhar o curso de água - no sentido oposto, na zona dos palácios reais, veremos verdadeiros parques e até flamingos numa reserva entrevista da rua.

Edifícios governamentais (o Ruler's Court) intrometem-se e pouco depois é a Grand Mosque, a grande mesquita, que se exibe. Como todas as mesquitas no estado (excepto a Jumeirah), é interdita a não crentes, mas todos podem admirar os azulejos azuis celestes das suas fachadas que se desfazem nos minaretes, incluindo o mais alto do Dubai, entre dezenas de cúpulas. Apesar de parecer mais antiga, foi construída apenas em 1998, réplica de outra, datada de 1900, e à sua volta estamos no coração histórico do Dubai.

Antes dos superlativos, o que vemos nestas ruas estreitas era o Dubai. O Dubai mais afluente e pós-1861, quando esta área começou a ver crescer edifícios construídos com a matéria-prima que estava ali ao lado, as pedras do Creek unidas, à falta de cimento, por uma mistura de conchas e água salgada agora protegida com argamassa. A arquitectura é tipicamente árabe, com as torres de vento como elemento constante e os pátios centrais como aglutinador da vida caseira.

Mas é numa praça que vemos um camelo deitado ao sol, no que representa um antigo acampamento onde os convidados eram recebidos - só depois seguiam para o interior das habitações. Nesta zona histórica instalaram-se restaurantes que bebem a sua inspiração nas Mil e Uma Noites (numa cidade onde não faltam restaurantes dos quatro cantos do mundo) e as lojas são cavernas de Ali Babá, a transbordar de lanternas, caixas, colares - a Al Bajil é quase irrespirável. Mais recentemente começaram a chegar galerias de arte e há edifícios que serão musealizados.

O Dubai popular abre-se ainda deste lado do Creek, no souk dos tecidos e noutras ruas onde o comércio é constante em prédios antigos e pouco cuidados. É zona de imigrantes, que vendem de tudo, de panelas gigantescas penduradas à porta a electrodomésticos alinhados em frente às montras. De abra, pequenos dhows que são transportes públicos, atravessamos o Creek e neste pedacinho sentimos um pouco Veneza, quando vemos o vaivém de barcos engalanados de toldos e bandeiras multicolores que rasgam as águas, e olhamos os edifícios rentes à água.

Do outro lado, os dois souks mais populares do Dubai - em todos os sentidos - esperam-nos. Mais junto à água, o das especiarias, típico nas suas bancadas que se sucedem em diversos corredores, na desordem ordenada, nas multidões langorosas, na insistência simpática e no regateio cordial. Umas ruelas acima, alguns restaurantes e lojas baratas depois, o souk onde o Dubai foi buscar o epíteto original de "cidade do ouro". Aqui, em ruas que se cobrem e descobrem, sucedem-se ourivesarias e, logo na primeira, mais um recorde, "certificado pelo Guiness", o "maior anel de ouro do mundo". E em ruelas escondidas descobre-se tudo: de roupa a refrigerantes, de mercearias a artesanato. Mais óbvias, mas ainda assim discretas, são as mesquitas que acontecem em várias esquinas, reveladas muitas vezes apenas pelo calçado exposto à entrada.


A caminho das estrelas

Dos 50 mil habitantes de meados do século passado, o Dubai saltou para os dois milhões actuais, a esmagadora maioria expatriados e trabalhadores estrangeiros (cujas condições de vida e trabalho no emirado tantas dúvidas têm levantado) que vieram cavalgar os ventos de bonança neste oásis do mundo árabe - pelo dinamismo, pelo dinheiro em permanente movimento e também a maior liberdade de costumes (os bares e discotecas são afamados e sexta-feira pode ser o dia santo, mas é também dia de muitos brunches de champanhe) o tornam um local mais aprazível numa região pouco habituada a tal. E a sua sede incomensurável de criar caprichos arquitectónicos, alimentada pela sua determinação em transformar-se no centro comercial do mundo e no parque de diversões universal (ou vice-versa, é uma relação de simbiose na qual não se sabe o que vem primeiro), resultaram num verdadeiro íman cosmopolita. Novas "zonas livres" especializadas estão a ser planeadas para garantir que o comércio e indústrias mundiais continuem a passar por aqui e os projectos de lazer são inesgotáveis - o Dubailand está a caminho de ser o maior complexo de entretenimento que o mundo já viu e já foi anunciada a reentrada do Dubai na corrida para abrir o primeiro hotel subaquático. Quanto aos edifícios, entre projectos abortados e suspensos, mantém-se o sonho da Dubai City Tower: conclusão prevista para 2025, a 2,4 quilómetros de altitude...

À noite, visto à distância, no mar, o skyline do Dubai ganha uma cor azulada, mistura de escuridão e luzes intensas da cidade. Pode acontecer, e não é alucinação mística pós-moderna, uma luz mais forte destacar-se como uma coluna em direcção ao céu. Que não é, já vimos, o limite do Dubai. Torres de vento made in Dubai, agora, só se for nas estrelas.

Guia prático

Como ir

A Emirates Airlines liga, desde 9 de Julho, Lisboa e Dubai em voo directo. Ida e volta a partir dos 637€.

Onde dormir

Há abundância de hotéis no Dubai, de várias categorias e preços eclécticos. A beira-mar está tomada por resorts luxuosos, onde os preços podem ser, por exemplo, os 648€ do Al Qasr Madinat Jumeirah ou os 131€ do Dubai Marine Beach Resort & Spa (praia) - na ilha-palmeira, o Jumeirah Zabeel Saray começa nos 284€. No centro da cidade, em Bur Dubai, o Admiral Plaza Dubai oferece preços desde os 45€, e do outro lado do Creek, em Deira, o Land Mark Hotel recebe hóspedes a partir de 62€. Na boca do Creek, o Grand Hyatt Dubai, em pleno centro da cidade, começa em 371€, e quem preferir um cheiro a deserto tem o Jumeirah Bab Al Shams Desert Resort & Spa a partir de 167€.

Onde comer

Não é fácil a hora das refeições no Dubai. A oferta é esmagadora, ou a cidade não oferecesse uma autêntica volta ao mundo culinária. Por isso, todos os caprichos são possíveis - da cozinha mongol à polinésia, e se as saudades baterem até há um restaurante português, Da Gama. Surpreendentemente, devido à proximidade (do outro lado do golfo) e à influência, há poucos restaurantes iranianos, em compensação há libaneses por todo o lado. Para comida árabe, sugerimos o Bastakia Nights, em plena zona histórica. Os restaurantes mais conceituados estão nos hotéis e resorts e aí paga-se a comida e o cenário. Na Al Dhiyafah Road (renomeada em 2011 de 2 de Dezembro), artéria vital, e uma das mais antigas, da cidade, os restaurantes são populares e diversificados - curiosidade: foi aqui que os representantes dos emirados celebraram a assinatura da fundação dos EAU (a "casa da união" fica num dos topos da rua), com um grande banquete onde serviram cordeiro uns aos outros, como símbolo de respeito.

O que fazer

Depois de se estenderem na areia (ou ficam nos resorts ou procuram praias "públicas" - se não se quer pagar entrada o melhor é procurar as mais afastadas da cidade), compras é o que os turistas mais querem fazer por estas paragens, em busca de "pechinchas" de marca. Nos souks e nos centros comerciais - além do maior do mundo, destaca-se o "Mall dos Emirados", que, entre outras coisas, oferece também a única pista de esqui do país, para quem precisar de se refrescar.

Os passeios de helicóptero sobre a cidade são populares - mas também o são os cruzeiros pelo Creek nos tradicionais dhow ou na costa, contornando as ilhas artificiais e encarando o skyline. O deserto é um dos destinos incontornáveis: há excursões de jipe (que podem incluir churrascos e animação com dança do ventre) e passeios de balão.

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