A par da oração, o dia é igualmente dedicado à limpeza da cidade, especialmente por onde vai passar a procissão desta sexta-feira à noite, outro dos momentos altos desta Semana Santa. Ao logo de quilómetros, na beira das estradas, estão já construídas as estruturas de bambu onde serão colocadas milhares de velas que vão iluminar o cortejo, muitas delas feitas ainda de favos de mel silvestre, como nos séculos passados.
Na quinta-feira começaram alguns dos momentos de maior devoção. Foi o dia de cumprir “promessa” como ainda hoje se diz na ilha. São horas impressionantes de fé. Depois da missa das 20h na Catedral “Reinha Rosari”, no bairro “Postoh” – fundado pelos portugueses em 1613 –, os cristãos marcham rumo à Capela da Senhora Mãe (“Gereja”, do original português igreja, “Tuan Ma”, consagrada a nossa senhora “Mater Dolorosa”) e à Capela do Menino Jesus (“Kapela Santo Meninu”).
Milhares de peregrinos juntam-se em filas de espera silenciosas para entrar nas igrejas. Ouvem-se orações permanentes rezadas em indonésio, mas mescladas com dezenas de palavras portuguesas. Antes de entrarem nas igrejas, os crentes descalçam-se. Assim que vencem as portas dos templos ajoelham-se e, muito lentamente, dirigem-se aos altares para uma pequena prece.
Filas toda a noite
Na Capela da Senhora Mãe veneram a imagem imponente de uma santa de manto negro que os locais acreditam ter cerca de 500 anos e ser de origem portuguesa. Na “Kapela Santo Meninu” adoram o caixão que nesta manhã encabeçou a procissão marítima.
Nos templos, dezenas de mulheres queimam centenas de velas e incenso sem parar ao longo de toda a noite e madrugada. No ar, um manto de fumo intenso cobre todo o espaço de igreja. As orações, cantadas também por dezenas de mulheres igualmente vestidas de negro e que se vão revezando nas preces sentadas em bancos rasteiros, nunca param.
As filas para entrar nos templos duram toda a noite. São coordenadas pelos membros dos chamados comités organizadores que, com notório profissionalismo, dirigem os milhares de peregrinos. São eles o garante de que os movimentos de entrada e saída nos espaços de fé são constantes. Sempre num movimento lento, em silêncio, ou apenas acompanhados de preces sussurradas.
Há gente de todas as idades nas filas. Os mais velhos ostentam as suas melhores roupas. As senhoras de cabelos arranjados e trajes finos; eles de fatos de gala ou camisas coloridas de tecido batik, dos ministérios indonésios onde trabalham.
Já os jovens trazem camisolas do Barcelona ou do Real Madrid, de selecções de vários países, incluindo a portuguesa. Nas costas das camisas lusas surge invariavelmente o nome de Ronaldo. O nome do goleador português é gritado sempre que percebem que o seu interlocutor é português.
Elas usam calças e blusas apertadas, num contraste gritantes com os trajes austeros das muitas noviças com quem se cruzam nas filas.
Há gente que segue de lágrimas nos olhos, mas, na maioria, é notória a satisfação e o orgulho de participar nesta manifestação de fé que, garantem, é “única no mundo” e realizada “como os portugueses faziam há 400 anos”.