Viajar à boleia (já) “não é assim tão comum” e por isso nem lhe tinha “passado pela cabeça” tal possibilidade. Mas como o rapaz com quem iniciou viagem lhe propôs seguirem caminho desta forma, António Pedro Moreira, que não é viajante de recusar aventuras, aceitou. A partir daí, a boleia tornou-se uma das suas causas. “Revolucionou a minha maneira de viajar, porque me apercebi que é possível viajar para muito longe sem gastar um cêntimo, conhecem-se pessoas fixes e há boas histórias que advêm disso”, conta o psicólogo, de 29 anos. Foi o caso de uma “esticada boleiante” na China, um percurso que de comboio demorava 12 horas e que acabou por durar três dias.
Durante nove meses e meio de 2011, o português percorreu 34 países numa dupla travessia euroasiática, ida e volta até Singapura. Ao todo, 50 mil quilómetros palmilhados, 22 mil dos quais percorridos à boleia (conta 314 veículos) e o restante entre autocarros e comboios. Apesar de três meses de preparação antes da partida, o percurso foi sendo maioritariamente conquistado ao improviso. Quando no Nepal percebeu que não conseguiria atravessar para o Tibete (China), viu-se obrigado a voar até à Tailândia e reformular o conceito: se não podia ir de Portugal até Singapura por terra, então cumpriria o objectivo no regresso. Uma viagem fez-se duas, ida pelos países do sul asiático, volta pelo interior da China e transiberiano.
Todas as aventuras vividas no caminho são agora partilhadas ao longo de mais de 400 páginas do livro “Daqui Ali: De Portugal a Singapura por Terra”. Os capítulos, qual etapas de estrada, vão dividindo o périplo por nove mãos de países, discorrendo peripécias e reflexões. Além das boleias, “muito mal percepcionadas pela sociedade lusa”, António Pedro Moreira – que na net ficou mais conhecido como Pedro on the road – adoptou o Médio Oriente como outra das suas causas, depois de algumas das melhores experiências terem sido lá vividas. “Atravessei aqueles países para tentar derrubar um bocado o preconceito e as ideias mal concebidas acerca deles”, explica, resumindo: “Adorei cada sítio”. Esteve uma semana no Iraque “sem gastar um cêntimo” e no Irão durante 11 dias com apenas 20 euros, algo apenas possível, conta, porque as pessoas são “espectaculares”.
Tinha mais receio do Paquistão e por isso contava atravessá-lo em dois ou três dias. “Curti tanto que acabei por ficar lá mais de 30”. Viveu com uma família de agricultores - couchsurfers, sublinhe-se - no Vale de Hunza, uma das “melhores experiências” de toda a viagem. E “quase” se cruzava com Bin Laden… Pouco depois de regressar das montanhas paquistanesas, soube que tinha passado a 2km da casa onde o líder da al-Qaeda fora morto. “Estava com um bocado de medo que houvesse uma retaliação” mas a sensação foi de “como se nada tivesse acontecido”. “Não teve um milésimo do alarido que eu achei que fosse ter”.
Entre uma boleia e outra, vivências e amizades, nasceu o grande plano: continuar a fazer grandes viagens pelo mundo e viver profissionalmente delas. Partir, voltar, escrever, partilhar, partir novamente e continuar. Nem mesmo a “pior experiência” que alguma vez viveu o faz mudar de ideias. Estava em Vang Vieng, no Laos, quando de repente perdeu os sentidos e acordou num carro desconhecido. Pensou que tinha sido raptado, mas acabou numa prisão, onde a polícia lhe tentou extorquir dez mil dólares (7732€), acusando-o falsamente de vários crimes. Só saiu da cela minúscula que partilhava com 21 locais duas noites depois, após pagar 400 dólares (309€). Apesar do sucedido, defende que o Laos é um “país espectacular”. Diz mesmo que“não é de todo perigoso” e as pessoas “são muito fixes”.