O espaço, na localidade de Guerreiros do Rio, explica ainda os diferentes métodos de pesca utilizados pelo Guadiana, das redes de arremesso às armadilhas, e, numa espécie de túnel, faz uma breve exposição sobre a fauna e a flora que habitam a bacia do rio. E, porque nem tudo é bonito, num canto revela-se A Face Escondida do Rio com lixo entretanto retirado do Guadiana.
Os testemunhos da história voltam a afirmar-se ao longo do passeio de barco. Na margem avista-se a Villa Romana do Montinho das Laranjeiras, que, no século I d.C., já funcionava como entreposto comercial - afinal, dizem-nos os nossos anfitriões, "na Antiguidade, o Guadiana era a grande auto-estrada que unia o Mediterrâneo a Mértola". Mas foi preciso esperar pelos fins do século XIX para se acharem os vestígios arqueológicos, tendo a escavação inicial sido dirigida pelo arqueólogo Estácio da Veiga. Hoje, e depois do trabalho desenvolvido aí no fim do último século por Justino de Maciel, o local encontra-se restaurado e vedado, mas pode ser livremente visitado.
Mais imponente revela-se o Castelo da Vila, cujos registos de ocupação remontam à Idade do Ferro. Aqui, num Núcleo Museológico datado de 2000 (beneficiou ainda de obras de valorização no ano passado), é possível observar objectos do Neolítico ao Romano, mas também sentir um pouco do pulsar de uma fortaleza que serviu para proteger a fronteira (da outra margem do rio, mas também de quem chegava do Mediterrâneo), para fazer o controlo do tráfego fluvial e, sobretudo, para travar os avanços de Castela. É através destes contos de outros tempos que se podem descobrir alguns dos segredos de Alcoutim recorrendo a eficazes audioguias. Outra hipótese é dedicarmo-nos à contemplação a partir das ameias do castelo. Ou, como fazemos, abandonar a protecção das muralhas e palmilhar ruelas de casas branquinhas, habitadas por pessoas que nos recebem "com o coração", como garante o autarcade Alcoutim.
Tradições e sabores
Pão cozido no forno de casa ou chouriço temperado pelas artes locais de Maria Almerinda em Vaqueiros. Mas também doces fervidos a partir dos frutos regionais (e até de legumes, como é o caso de um inusitado doce de curgete), uma típica açorda de galinha, servida no topo do castelo, tartes de amêndoa e outras de alfarroba que nos recebem num dos quiosques ribeirinhos. É assim que vamos saboreando uma região onde se promete a valorização dos produtos de cariz regional.
Como é o caso de Maria Antónia que, na pequena localidade de Vaqueiros, mantém uma queijaria de tamanho familiar. Cozinha os queijos frescos exclusivamente a partir do leite que as suas cabras de raça algarvia, alimentadas pelo pasto da região mas também por cereais, lhe fornecem. E é esse o segredo, revela a sexagenária.
Não é apenas ao palato que chegam as tradições. Ao tacto e à vista, oferecem-se sessões de cestaria, em Vaqueiros, com o septuagenário António Ramos, ou bonecas de juta, feitas à mão no atelier Flor da Agulha, em Martim Longo, onde Otília e Hermínia vão dando forma a bonecas cuja ausência de olhos ou de boca nem sempre é bem recebida. "Há quem as ache assustadoras", contam as artesãs entre risos. Mas a opção, já premiada, é bem explicada: sem rosto, as bonecas, sempre em labutas de outros tempos, podem ser qualquer pessoa; representam todos sem representarem ninguém. Além do mais, mesmo sem rosto são ricas em expressão e em coração.