Os aromas doces e florais são os primeiros a receberem-nos. Não se percebe muito bem se provêm das estevas que pintam de branco vastas áreas da serra e que se intercalam com o verde do alecrim e com o violeta da alfazema, ou se das amendoeiras que pela Primavera se enfeitam de flores de um rosado pálido. É assim que a serra do Caldeirão nos acolhe, depois de virarmos costas ao mar e a todo um litoral que se vai enchendo de gente à medida que os prenúncios de Verão vão tomando forma de sol e calor.
Pelos caminhos serpenteantes da serra é mais raro cruzarmo-nos com carros ou com aglomerados de gente. Mais comum será avistarem-se assustados coelhitos ou majestosas águias-imperial-ibéricas. Mas também não se assuma que isto é um deserto. As pessoas estão cá. Assim como as suas histórias, que vão sendo levadas pelo Guadiana acima e abaixo. "Ainda há poucos anos até o correio chegava de barco..." Mas para as encontrar é preciso embrenharmo-nos pelos recantos que descansam à sombra de um sol impiedoso e descermos às margens que lembram episódios de fugas e de contrabando.
É a navegar pelo rio acima, de Guerreiros do Rio a Alcoutim, que se compreende esta familiaridade entre os lados português e espanhol. Não é de estranhar, por isso, que as várias embarcações com que nos cruzamos exibam ambas as bandeiras hasteadas lado a lado: verde e vermelho, na vertical; vermelho e amarelo, na horizontal. "Há quem viva de um lado e trabalhe no outro", contam-nos.
E há ainda quem se tenha apaixonado por esta dualidade ribeirinha, representada pelo namoro constante entre Alcoutim e Sanlúcar, e tenha trocado vidas mais agitadas pelo sussurrar do rio, como é o caso de José e Joana Cavaco, que criaram e gerem a empresa que hoje assume estes passeios de barco pelo Guadiana. Afinal, nestas margens é possível encontrar a tão ambicionada "paz", como sublinha o edil de Alcoutim, Francisco Amaral. Mas também "o sossego, a calma". Além de "cinco mil anos de história", como frisa o vice-presidente do Turismo do Algarve, Duarte Padinha.
É precisamente pela história que iniciamos esta descoberta de um Algarve muito diferente do que é publicitado um pouco por todo o mundo: sem areias brancas nem águas temperadas. Não que não haja praias, mas os banhos são gelados (o que não é de desprezar no pico do Verão) e a areia trazida do litoral para embelezar a praia fluvial do Pego Fundo (actualmente em obras de ampliação), na ribeira de Cadavais, vai-se misturando sem preconceitos com o cascalho e a caruma largada pelos pinheiros.
Um amor ao rio
Não há maneira de dissociar a história do concelho do rio que o banha. Assim também o pensou José Murta Pereira, natural de Guerreiros do Rio, que, depois de ter completado uma réplica como oferta à esposa (uma promessa que levou 30 anos para se cumprir), se dedicou a construir réplicas em miniatura dos barcos que circularam, ao longo do século XX, no baixo Guadiana nas mais variadas actividades: desde a pesca artesanal até ao transporte fluvial de minério, não esquecendo o contrabando. De um passatempo nasceu uma colecção de 28 peças e, desta, o Museu do Rio.