Marília Fernandes, técnica administrativa de 56 anos, diz que está a “adorar” o percurso. Deslocou-se do Porto, com familiares e amigos, para passar um fim-de-semana diferente. “Foi o meu genro, através da Internet, que descobriu isto. Há tanta gente que não aproveita o que temos. E aqui o custo é o da gasolina e das portagens. É pena que muita gente não visite o nosso país, temos tanta coisa bonita”, nota.
A filha, Sara Fernandes, consultora de recursos humanos de 32 anos, também não se arrepende nada de se ter feito à estrada: “O Nuno, o meu namorado, viu o programa e disse-me logo que era para mim. Mete natureza e ovelhas, animais que adoro. Aos fins-de-semana gostamos de sair do Porto, gostamos de paz, de sossego, de natureza… A semana é sempre tão atribulada.”
Hugo Domingues, da organização, confirma que grande parte do público que procura a iniciativa é urbano, chama-lhes os “novos pastores”: “São pessoas da cidade que procuram um escape ou, então, pessoas ligadas aos dois territórios, o urbano e o rural, e que gostam de voltar às terras, de reviver uma experiência que acaba por estar muito ligada à memória. Tentamos sempre envolver as pessoas locais”, diz.
Foi ali, no recinto da festa, que assistimos à tosquia de um carneiro e de uma ovelha. Os pastores mais antigos da região, Ti Camilo e Ti Aristides – alcunhas pelas quais são conhecidos – prendem as patas aos animais, benzem-se antes de pegar na tesoura, curvam-se e só se levantam cerca de uma hora depois. Cortam aqui, cortam ali, até os bichos ficarem com formas geométricas no pêlo – em rigor, é mais do que apenas tosquiar a eito, é enramar, bordar, deixá-las com o pêlo embelezado. Os tosquiadores fazem-no com brio, de forma concentrada e em silêncio, só se ouve o barulho das tesouras a cortar.
O pai do pastor Camilo, ou Zé Camilo, também era mestre da arte pastoril, toda a gente o recorda por falar sempre em verso, apesar de não saber ler nem escrever. Durante a hora em que esteve a tratar do pêlo do carneiro, Camilo disse meia dúzia de palavras e bebeu uns três copos de vinho – no fim, vira-os para se certificar que não resta uma pinga. Esteve sempre embrenhado no seu ofício e só se levantou para nos dizer que, apesar dos 82 anos, não lhe custa nada estar curvado a tosquiar: “Se pego numa enxada, é uma dor nas costas… Mas nisto nunca me dói. Isto não me dá guerra”.
Fogo-de-artifício e bailarico
Nessa tarde, depois da tosquia, ainda fomos visitar uma aldeia de gado, na qual há cerca de 150 casas que eram usadas só para guardar animais. Fomos também passear um pouco na aldeia de Fernão Joanes, onde decorriam já os ensaios para o bailarico da noite, na praça.
Não faltou nada para que nos sentíssemos num pequeno filme, naquela pequena aldeia: foguetes, fogo-de-artifício, um bailarico bem popular para se dançar aos pares noite fora, e até à procissão em honra da Senhora do Soito, em silêncio, com velas e santas ornamentadas com cabelo real e comprido, assistimos.
Só tivemos pena de não ficar para a continuação da festa no domingo. Manda a tradição que nessa tarde, entre a venda de queijos, cabritos e chouriços, aconteça a bênção dos rebanhos. De acordo com presidente da junta de Fernão Joanes, Daniel Vendeiro, os rebanhos são enfeitados, as ovelhas correm à volta da capela e alguns pastores conseguem mesmo fazer com que elas se ajoelhem.