Este Verão, Norberto Henriques e Jorge Frazão lançaram-se novamente numa expedição de bicicleta até Santiago de Compostela. É já a terceira edição do projecto desta dupla, baptizado de Rumo a Santiago. Ao longo de 17 dias pedalaram o contorno da faixa costeira espanhola desde o País Basco às Astúrias e embrenharam-se pelo interior da Galiza, primeiro até Santiago de Compostela e depois Portugal. De etapa a etapa, novos desafios físicos superados e muitas paisagens magníficas, quase em relação directa: quando mais difícil, mais belo e compensador.
Norberto Henriques revê, por isso, os primeiros dias como os melhores de toda a viagem. "Foi onde apanhámos mais trilhos de terra, mas foi também onde a dificuldade do caminho trazia a parte recompensadora de chegar ao fim e ter aqueles quilómetros feitos, que nos saíram do corpo, mas que nos preencheram", conta. E depois, salienta, "o facto de estarmos a pedalar com uma falésia do nosso lado direito, com o mar ao longe, a serpentear pela encosta, dá uma beleza inigualável ao caminho". Se as etapas realizadas à beira-mar foram das mais difíceis de sempre, foram também as "mais bonitas", com "vistas impressionantes".
Depois de percorrido o Caminho Francês, em 2011, e a Via de La Plata, em 2012, o projecto Rumo a Santiago voltou a elevar a fasquia dos quilómetros percorridos, da duração da viagem e da dificuldade do terreno. A dupla portuguesa partiu de Irún, no País Basco, a 27 de Julho, seguindo a pedalar pelo Caminho do Norte até Compostela, fazendo ainda um desvio até às localidades costeiras de Muxia e Finisterra, e, então sim, regressando a Santiago. Daqui, mais umas boas pedaladas até Barcelos, já pelo Caminho Central de Portugal.
No total, foram mais de mil quilómetros, uma boa parte deles pedalados por um dos trajectos mais difíceis de toda a rede de trilhos que chega à cidade da fé na Galiza. Para cumprir o objectivo de seguir "pelo trilho original sempre que possível", contrariaram muitas vezes a sinalização afixada e avançaram a pedalar pelo trilho pedonal, em vez de continuarem pelo percurso assinalado para bicicletas. A travessia do Monte Brusco, perto de Santoña, não foi excepção mas marcaria toda a viagem: o pequeno trilho de dois quilómetros entre as praias de Berria e Trengandin levou quase duas horas a ser percorrido.
"As bicicletas tiveram de ir às costas" por este caminho muito acidentado, íngreme e com uma largura que "não tinha mais de 40 centímetros". Nalguns casos foi mesmo preciso "desmontar os alforges, levá-los primeiro e depois regressar para levar as bicicletas". Uma "aventura bastante atribulada", mas que a partir daí serviria de adjectivo-medidor: "qualquer subida era apelidada de Brusco ou Brusquinho, conforme a dimensão".
A etapa final foi, no entanto, a mais longa e "violenta": 12 horas a pedalar os 180 quilómetros que separam Santiago de Compostela e Barcelos, da alvorada às 23h. Nunca tinham feito uma viagem tão grande num único dia e por pouco não a terminavam. É que a pausa de cinco minutos depois do almoço depressa se transformou numa verdadeira siesta, apenas interrompida pelo som dos flashes das máquinas fotográficas de outros peregrinos, que registavam o insólito "de ter ali dois ciclistas a dormir no meio de um parque".
Cortada a meta em Barcelos, o balanço é "muito positivo em todos os aspectos", afirma Norberto Henriques. "Para além de termos superado qualquer uma das outras viagens no desafio que se colocava, tivemos oportunidade de conhecer pessoas de outros países", acrescenta. Depois de se terem encontrado num albergue em Markina no final da segunda etapa, "o José Maria de Barcelona, a Marta de Santander e o Adriano e o Marco de Trento, Itália" - como os apresenta no site - tornaram-se companheiros de viagem até Compostela.
Apesar de a viagem em grupo ter sido mais difícil, devido às diferenças de nível físico e de objectivos, acabou por "trazer mais diversão". Partilharam "algumas refeições", "conversaram um pouco sobre a experiência de cada um", "riram-se imenso" e a dupla portuguesa aproveitou ainda para "contagiar os outros ciclistas" com a vontade de seguir sempre pelos trilhos originais.
A chegada a Santiago de Compostela é que não teve a emoção das outras edições. Apesar de ser sempre um momento "muito bom", a entrada na Praça do Obradoiro não teve "aquela sensação de a viagem estar completa e finalizada em Santiago". É que a cidade era também ponto de passagem: ainda faltavam quatro dias até à verdadeira meta, em Barcelos. Mas mais uma vez, "logo que chegámos a Santiago surgiu o nome do caminho" a percorrer na próxima edição. O troço do Levante é "talvez a última grande rota por Espanha" que falta a Norberto Henriques e, por isso, é de Valência que quer partir em breve rumo a Santiago. A data não é certa, mas, garante, "um novo caminho haverá sempre".
Viagem solidária
São muitos os factores que levaram Norberto a encantar-se com os Caminhos de Santiago e repetir a aventura desde 2010, ano em que atravessou o Caminho Português em quatro dias. Primeiro pela "sensação de liberdade que é fazer uma viagem deste género em bicicleta", depois pelo facto de se conhecer "povoações onde normalmente não vamos nem sequer de passagem", pelas "pessoas de todo o mundo que se encontram nestes caminhos" e até pela "emoção que é chegar à Praça do Obradoiro [em frente à catedral de Santiago de Compostela] e ver toda aquela gente a celebrar". "Embora não tenha uma vocação muito religiosa que me leve a fazer estes percursos, há ali qualquer coisa de especial", remata.
No entanto, esta é uma viagem que não só junta desporto, turismo, aventura, amizades e magníficas paisagens como também solidariedade social. Como este tipo de viagem costuma gerar alguma curiosidade mediática, Norberto decidiu tentar "canalizar essa atenção" e "ajudar alguma instituição" através da associação ao projecto e de várias campanhas de angariação de fundos.
O montante conseguido nas duas primeiras edições foi para a "Acreditar". Este ano, a destinatária é a Médicos do Mundo., escolhida através de sugestões de seguidores do Rumo a Santiago no Facebook. A "meta" dos 1500 euros" equivale ao valor que esta associação de ajuda humanitária e cooperação para o desenvolvimento precisa para pagar o combustível que é utilizado, durante um ano, nas deslocações da equipa de rua da Médicos do Mundo no bairro Quinta da Fonte, em Loures. Com o fim da viagem e o início de algumas acções de divulgação, a expectativa continua a de conseguirem chegar, "senão aos 1500 euros", "muito perto disso".
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Rumo a Santiago: Facebook | Site
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(Artigo actualizado a 23.08.2013 com informações sobre o final da viagem)