Fugas - Viagens

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Os livros não esperam que alguém os leve para férias, vão ter com os leitores

Numa tarde no Príncipe Real (pelo menos à terça-feira, que dizem ser dos dias mais fracos), o que mais fazem não é necessariamente vender, mas conversar sobre os livros e os autores, sobre Lisboa e Portugal. De vez em quando, dão-se indicações a turistas para chegarem à Estrela, ou mesmo a portugueses, sobre como ir ter à Avenida da Liberdade. "É também por isso que o nosso nome é Tell a Story, é isso que queremos: conversar e ter histórias para contar", diz Francisco. Já têm algumas: apresentaram o Memorial do Convento a um turista que andava a fazer a rota dos mosteiros, já disseram muitas vezes às excursões de dezenas de brasileiros nos Jerónimos que não vendem chapéus, só livros... Domingos ficou a ver uma cliente ler durante três horas O Ano da Morte de Ricardo Reis, que tinha acabado de comprar, e depois conversaram sobre o livro. "São estas coisas que me realizam", diz.

Quando chegam à carrinha dos anos 50 e se deparam com a ardósia que dizPortuguese authors for sale, os turistas pouco ou nada sabem sobre literatura nacional. Lola, estudante francesa de Filosofia, recorreu aos livreiros para comprar Cus de Judas. "Aconselharam-me e ajudaram-me a escolher, apresentaram-me os autores e acabei por ficar com este." Acontece com a maioria dos turistas: têm que conversar com Domingos, Francisco ou João para se orientarem. "Só os nórdicos gostam de ficar sossegados a ler, sem que interfiramos na escolha", conta Domingos.

Lola está em Lisboa de férias para conhecer a cidade. É este tipo de turista que mais interessa à Tell a Story - os que querem conversar e conhecer o país também pelos seus escritores. "Não procuramos os turistas que não têm tempo porque têm uma agenda cheia de excursões", diz Domingos. Na sua teoria, os turistas que vêm a Portugal no Inverno são diferentes dos que vêm no Verão: mais que aproveitar o bom tempo, praia e monumentos, querem conhecer as pessoas e a cultura. É este espírito que identifica nos turistas franceses, os seus melhores compradores e conversadores, particularmente interessados pela cultura e literatura.

O país em que vivemos

Na carrinha da Fundação Francisco Manuel dos Santos, também há turistas e muitos. O que mais os fascina é o conceito de biblioteca itinerante, que nunca viram em nenhuma parte, diz Susana Piegas, dinamizadora do projecto junto do público. "Perguntam se temos outras [obras] traduzidas para inglês ou para outras línguas", diz Susana e acrescenta que muitas vezes estão interessados em conhecer melhor a situação portuguesa actual.

Na Costa da Caparica, na praia de S. João, a uma sexta-feira de manhã, quase não há vento, mas os dinamizadores da biblioteca na praia aconselham-se com um dos praticantes de windsurf que está por ali. Ele explica-lhes a direcção do vento de leste e acrescenta que só pelas seis da tarde é que a brisa pode ser mais forte. O medo de Pedro Neto, um dos dinamizadores, é que as estantes que montaram no areal tombem.

Há curiosos com a grande carrinha no parque de estacionamento ou com as estantes à entrada do areal onde se lê: "Abra um livro, prepare-se para o debate". Com o calor abrasador, não há muitos que parem. Só os mais corajosos perguntam que iniciativa é esta. O debate de que fala o chamamento nas estantes e no autocarro é o Presente no Futuro, que o ano passado reuniu portugueses para imaginarem Portugal nos próximos 30 anos. Este ano, o tema é Portugal europeu. E agora? "Todos falamos da Europa, mas é um tema confuso", diz Filipa apontando para a complexidade do assunto. "Quando entrámos [na União Europeia], éramos grandes entusiastas, agora estamos perto dos britânicos, mais cépticos", acrescenta.

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