Era um sonho de infância: dar a volta ao mundo a pedalar. Agora, Hernâni Cardoso, à beira da reforma da Força Área, prepara-se para finalmente cumpri-lo. A viagem, programada há muito, será feita ao ritmo das pernas e das descobertas mas deverão ser pelo menos oito anos a cumprir um mapa criado a partir de muitos dos sítios onde os navegadores portugueses deixaram vestígios e tradições.
Para além de querer alertar para a importância da História portuguesa, a odisseia do militar de 52 anos tem outra particular missão: a de «devolver a bicicleta ao chinês», expressão porque ficou conhecido há alguns meses um célebre alerta, quando o cidadão chinês Eric Feng, após ter pedalado da China a Portugal, ficou sem a sua fiel companheira, tragicamente roubada em Sines, a poucas pedaladas da meta. Na altura, o alerta nas redes sociais não fez a dita reaparecer mas a onda de solidariedade levou a que Feng recebesse no seu país natal uma nova bicicleta (além de um cabaz de recordações portuguesas).
Mas eis que, meses depois do roubo e do alerta solidário, a bicicleta é encontrada. E agora, Cardoso, precisamente o amigo português que ajudou Feng a completar a aventura que ligou Kunming ao Cabo da Roca, decidiu juntar os seus planos à devolução da bicicleta. No próximo ano, vai pedalar todo o caminho na já de si famosa e viajada pedaleira, para lha entregar em mãos.
A notícia da recuperação da sua "amiga", diz Feng à Fugas, foi o "melhor presente" que já recebeu. Chegou via um simples email da GNR portuguesa mas com uma "óptima" e inesperada notícia. A sua bicicleta tinha, afinal, acabado por aparecer. Um final mais feliz para um homem que tinha cruzado o mundo em duas rodas em honra da memória dos seus navegadores preferidos, Zheng He e o Infante D. Henrique. A sua "querida" bicicleta, da qual "tem realmente saudades", que o acompanhou por seis meses, cruzou quase 15 mil quilómetros e dez países em 2012, ia regressar a casa.
Mas depois veio a "maior surpresa de sempre". Cardoso - que o tinha alojado em Almada após o incidente, emprestado uma bicicleta e acompanhado até à meta no Cabo da Roca - surgiu com uma ideia. Como a volta ao mundo que planeava iria passar pela China, em vez de enviar a fiel companheira de Feng através de uma transportadora, queria pedalar até Kunming e devolvê-la em mãos. "Nem queria acreditar", diz-nos Feng. "Parecia um milagre".
A bicicleta, encontrada pela GNR "abandonada num canavial" em Sines "esteve à chuva e tem muitas partes enferrujadas", conta Cardoso. Mas esta "não é uma bicicleta normal", diz. Assim, os acessórios danificados vão ser substituídos mas as peças velhas serão enviadas para a China para que, no final, toda a bicicleta se torne peça de museu.
Uma longa viagem a pedal
Na ilha das Flores, na Indonésia, celebra-se uma semana santa como se fosse em Portugal. Na Austrália e na Nova Zelândia há quem defenda que os navegadores portugueses lá chegaram 100 anos antes do inglês James Cook. Um português até chegou a ser imperador de Pegu, hoje em Myanmar. A cidade japonesa Nagasaki foi fundada por portugueses e todos os anos a ilha Tanegashima realiza um festival dedicado à espingarda, trazida por portugueses e importante na unificação do Japão.
São estas e outras histórias e tradições deixadas pelos navegadores portugueses pelo mundo fora que Cardoso quer unir em périplo pelo globo. Em 2014, a bicicleta do militar parte de Lisboa para um passeio histórico pelos cinco continentes, onde Hernâni conta visitar grande parte dos sítios onde "os nossos antepassados, especialmente os navegadores, estiveram e deixaram vestígios". Desde as óbvias Goa, Damão, Diu, Macau, Timor e quase toda a costa africana até ao sul do Irão e Golfo Pérsico ou à Costa do Malabar e Sri Lanka.