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Índia: Como se contorna a morte num país onde isso é uma oferenda aos deuses

Refúgio de identidade

Nada disto está presente em As mil e uma horas de Astérix - nem tem que estar. A contagem decrescente relaciona-se com o mandato exigido pelo "ignóbil que seria rajá" e as aventuras dos gauleses são, afinal, adaptações céleres de narrativas seculares, fazendo um exercício narrativo que, à falta de melhor, capitaliza sobre o princípio da globalização e da grande história comum, ao traçar um mapa entre as civilizações primitivas que começa, naturalmente, na aldeia gaulesa, passa por Roma, Atenas, o vale da Mesopotâmia, a Pérsia e chega à Índia, ou ao que de mais próximo dela se possa definir para compreender como o perigo habita na própria beleza.

Essa ideia de civilização, que construiu a secularidade da Índia e que permanece um mistério para o Ocidente - como compreender que uma mesma dinastia possa reinar mais de mil anos como muitas vezes acontece? - é a força de uma Índia que não entende o material como condição para a sua existência. Pelo contrário, as águas do Ganges, na sua falsa imutabilidade, no seu profundo desejo de inscrição numa paisagem de margens "negras e escarpadas", são o refúgio de uma identidade que se abandona ao imaterial. Descreve Pasolini, que não era indiferente à ascese católica, perante a descoberta da devoção indiana: "À volta das piras vemos, sentados por terra, muitos indianos, com os seus trapos costumados. Ninguém chora, ninguém está triste, ninguém se preocupa em atear a fogueira: dir-se-ia que todos esperam simplesmente que o fogo acabe, sem impaciência, sem o mínimo sentimento de dor, ou dó ou curiosidade."

Astérix e Obélix podem ter regressado à aldeia gaulesa desafiando os deuses e os chefes com a sua poção mágica. Mas, para os indianos, o que os espera será de maior eternidade, pois nada esperam. Em frente ao rio, recitam, como um mantra geneticamente decorado: "Venho até ti como órfão que sou, mergulhado em amor. Venho sem protecção, a ti que ofereces o sagrado descanso. Venho como um homem caído, a ti que nos ergues a todos. Venho doente até ti médico perfeito. Com o meu coração seco, até ti, oceano de doce vinho. Fazei de mim o que quiserdes."

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