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No Nordeste do Brasil o Carnaval tem frevo, maracatu e coco

De resto, o Carnaval em Olinda é pródigo em gigantones. No domingo, dia 2, haverá imagens para todos os gostos no centro da cidade histórica: Obama, Dilma Rousseff ou Lampião, um lendário bandido do Nordeste brasileiro, hão-de por lá aparecer. Como é pródigo em suor. Olinda é uma jóia da arquitectura portuguesa nos trópicos (Património Mundial da UNESCO), com ruas estreitas e ladeiras sinuosas que exigem fôlego e determinação aos gigantones ou aos simples membros dos blocos. Nas subidas, o som estridente, metálico e frenético do frevo suspende-se — não há caixa torácica que resista a tanta necessidade de ar.

Uma festa multicultural

Nos Zé Pereira, na atracção pelo efeito do Entrudo ou no frevo é impossível não verificar que o Carnaval de Recife e Olinda conservam fortes raízes portuguesas. No século XIX essas tradições de sair à rua mascarado, de fazer tropelias, de suspender por alguns dias as rígidas regras morais ou as convenções sociais já estavam em fase adiantada de sedimentação. Quando as agremiações carnavalescas (blocos, troças, orquestras de frevo, etc.) se consolidam, nos anos 20 do século passado, podem-se encontrar entre as mais proeminentes uma tal Tuna Portuguesa.

Mas se este legado serviu de inspiração, a verdade é que, na sua essência, todo o ritual do Carnaval é uma síntese nordestina. É esse contexto que o torna diferente das festas do Rio ou de Salvador. As manifestações que mais nitidamente exprimem as rotas triangulares dos portugueses na época dos Descobrimentos (Portugal-África-Brasil) eternizaram-se na cultura da Zona da Mata, a caminho do Sertão, a uns 70 quilómetros do Recife. Esta zona de transição entre o verde atlântico e o barro do Agreste, que por sua vez prenuncia o árido e cada vez mais inóspito Sertão, foi durante séculos o lugar da cultura dos engenhos do açúcar que originaram as teses do luso-tropicalismo propaladas por Gilberto Freyre (ele próprio um pernambucano). Nos engenhos coexistiam as casas grandes dos senhores e as senzalas dos escravos. Algures entre estes dois espaços nasceu o maracatu.

O maracatu é um neologismo que alguns estudiosos afirmam provir de dois étimos de origem negra e índia que combinados significariam algo próximo de “guerra bonita”. Há dois tipos de maracatu que saem da Zona da Mata ou dos bairros das periferias urbanas para tornar o Carnaval do Recife ainda mais feérico: o de baque virado e o de baque solto. Não tem nada que saber. No primeiro os ritmos são mais harmónicos, logo mais dançáveis; no baque solto o que se ouve é algo mais próximo do free jazz — ausência total de ritmo sincopado e de harmonia. É, no entanto, este maracatu que melhor exprime uma tradição que perdurou desde a escravatura e que hoje dá corpo a uma das maravilhas do Carnaval e da cultura nordestina. A poderosa coreografia dos caboclos de lança só existe nesta versão mais rural do maracatu.

Um maracatu (há mais de uma centena de grupos na Zona da Mata) é um cortejo, supostamente um cortejo de homenagem aos reis africanos que persistiram na memória dos escravos. Há um mestre que profere loas de improviso, numa expressão que faz lembrar os cantares de desafio do Alto Minho. Tudo o resto é único e extraordinário. Um porta-estandarte transporta os símbolos do poder do maracatu, depois há a corte vestida com roupas de veludo estilo Luís XIV, com 30 ou 50 figuras. Pelo meio há os reis, a rainha que transporta a Calunga, uma boneca que invoca os rituais do vudu e do candomblé, as damas da corte com vestidos armados. A proteger toda esta majestade vêm os caboclos de lança com as suas golas carregadas de missangas. Eles são os guerreiros que quando o mestre suspende as suas loas se lançam numa dança caótica, xamânica, de extraordinária intensidade visual.

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