Fugas - Viagens

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Amazónia, a banda larga da natureza

Pouco depois, o guia recolhe um jacaré jovem, com cerca de 60cm. Amarra-lhe a boca, porque os dentes são perigosos e têm muitas bactérias. E verifica que é uma fêmea, antes de a devolver ao rio, já com a boca livre. Como todos os reptéis, explica Mateus, o sexo do jacaré é definido pela temperatura a que os ovos são expostos. “Se a temperatura for superior a 26º nasce macho, se for inferior nasce fêmea.”

Do anoitecer ao amanhecer

A busca pelos jacarés acaba. Melhor do que olhar para o rio à noite é ver o imenso céu estrelado. É essa imagem que permanece quando regressamos à cabana do Juma Lodge, onde nos cabe pernoitar. Este hotel de selva começou a ser construído em 1999. Tem 20 cabanas, todas de madeira, assentes em palafitas com 15 metros de altura, para evitar as cheias. Ainda assim, não escapou às inundações de 2012.

O hotel mantém a lógica amazónica. Não há telefone nem Internet. “Aqui só há conectividade com a natureza”, diz Aparecida, uma das sócias, juntamente com Renato, outro amazonense como ela, e Caio, um paulista. “No nosso bar, as pessoas conversam ou olham o céu. Não ficam agarradas ao celular.” E só há electricidade a certas horas — embora isso vá mudar, porque está em marcha a montagem de painéis solares, que também permitirão duches de água quente.

O isolamento do Juma tem um preço. Cada noite custa entre 300 e 500 euros por pessoa. É o preço de estar no meio da Amazónia, a 100km de Manaus e longe da civilização. A maneira normal de lá chegar é numa viagem de barco-carro-barco de três horas. Atravessa-se o rio em Manaus, passando pelo Encontro das Águas (onde os rios Negro e Solimões se juntam para formar o Amazonas), até ao Careiro da Várzea. É aí que começa a viagem num pão de forma, a mítica “combi” da Volkswagen, que é um sucesso no Brasil.

Pelo meio, apenas uma paragem para ver a famosa vitória régia, uma planta conhecida como a estrela da água (Mateus há-de contar a lenda em redor desta planta, que inclui a Jaci, lua para os indígenas, e uma menina chamada Naiá, que aspirava ser transformada em estrela. Como as noites passavam e a lua não a escolhia para ser uma estrela, Naiá atirou-se ao lago, quando viu a lua cheia reflectida nas águas. “A lua teve pena e transformou-a numa vitória régia, a que nós chamamos estrela de água ou vitória amazónica”, explica o nosso guia, que está a escrever um livro sobre mitologia indígena e quer fazer outro de histórias para crianças indígenas. A flor da vitória régia abre todos os dias às cinco da manhã e às cinco da tarde, conta Mateus). Depois do trajecto de carro, segue-se outra viagem de barco, uma lancha a motor, onde se tem o primeiro contacto com a floresta alagada e os igarapés.

Uma viagem que se revela tranquila e recompensadora. Dormir na selva (ou melhor, rodeado por ela) é uma experiência única. A floresta nunca dorme. De noite, há mil e um subtis ruídos: de insectos, sapos e outros animais às madeiras a ranger. Mas nada que impeça um sono tranquilo até ao nascer do sol. No caso, até um pouco antes do amanhecer, porque o plano incluía ver o nascer do sol no barco. Na verdade, é mais um amanhecer, porque as nuvens mandam na Amazónia.

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