Fugas - Viagens

  • A Fábrica de Chapéus de Santa Maria foi um dos estabelecimentos que teve intervenção artística
    A Fábrica de Chapéus de Santa Maria foi um dos estabelecimentos que teve intervenção artística DR
  • Uma sereia pelo centro histórico
    Uma sereia pelo centro histórico DR
  • Miradouro da Barreirinha
    Miradouro da Barreirinha DR
  • Na zona velha do Funchal
    Na zona velha do Funchal DR

Bares e portas pintadas deram vida à zona velha do Funchal

Por José Augusto Moreira

Para lá dos hotéis e do turismo que desde sempre constituiu a principal actividade do Funchal, uma nova realidade tem emergido nos últimos anos na vida da cidade e que passa também muito pela animação e vida cultural protagonizada pelos seus habitantes.

É nesse tipo de manifestações que se enquadra o festival gastronómico Rota das Estrelas - de que falámos aqui -, mas o grande centro de animação tem actividade permanente e está hoje na zona velha. Um bairro que durante décadas esteve ao abandono e como que segregado da vida da cidade.

É aqui que se concentra a maior oferta de bares e restauração e também a animação nocturna, que, sobretudo com o aproximar dos fins-de-semana, enche a zona com uma animação que só tem paralelo com o Bairro Alto lisboeta ou a Baixa do Porto.

Além dos locais, também agora os turistas ali afluem, sendo que foi precisamente a partir do apelos às actividades artísticas e a iniciativas ligadas à cultura e à juventude que se deu a recuperação e renascimento da zona velha.

O eixo principal está na Rua de Santa Maria, que começou por ganhar movimento com a iniciativa de alguns jovens que ali começaram a abrir bares e espaços de diversão. Seguiram-se as entidades oficiais, que incentivaram artistas a ocupar prédios devolutos e aí instalar as suas actividades.

Também o Turismo da Madeira contribuiu grandemente para que a rua se tivesse convertido no centro das atenções com o projecto Portas Pintadas. Um convite à comunidade artística para intervenções nas portas e fachadas dos edifícios abandonados, que teve o efeito de converter a rua numa alargada galeria de arte ao ar livre. Outro dos projectos que tem contribuído para a atractividade e animação da área é a iniciativa ON fusion art By Porto Bay, que durante três dias concentra manifestações artísticas e acções de fusion art, cujas obras são no final leiloadas com a receita a ser atribuída a instituições de solidariedade.

Com a animação e recuperação da zona, veio também a salvação para algumas actividades tradicionais, que de outra forma estariam já extintas. “Depois de as portas terem sido pintadas é que o turista veio. E se o turista deixar de vir tudo isto morre”, explica João Pestana, por detrás do modesto balcão da Fábrica de Chapéus Santa Maria. Por dentro das portas pintadas representando jovens envergando os trajes regionais tudo permanece quase como no tempo em que a casa foi fundada, em 1948, pelo seu irmão, Manuel Pestana.

A variedade de chapéus de palha, o balcão carcomido e a velha Singer com tampo em madeira onde se coze funcionam como irresistível convite a uma viagem no tempo. “A palha vem de Fafe, pelo correio, e tem que ser colhida ainda verde para ficar clarinha”, elucida o comerciante, explicando que “tem depois que ser achatada e entrançada para poder ser cozida na máquina”.

Antigamente os chapéus variavam consoante a sua utilização. Havia-os para os homens na generalidade, para as ceifeiras, e também “os coquinhos para as crianças”, com várias formas e abas. “Nesse tempo todas as crianças iam de chapéu para a escola, agora ninguém os quer”, lamenta João Pestana, acrescentando que agora os mais procurados pelos turistas são os chapéus achatados. “Há os de carreiro, com fita preta, e os de boieiro, com fita azul, mas ninguém liga a essas diferenças.” E se os carreiros ainda os usam no transporte de turistas nos tradicionais carros de vime, já os boieiros há muito que desapareceram. “Passeavam os turistas pela marginal em carros de bois, que eram uma espécie de caleche com portas em vime. Deixaram de andar por causa das fezes dos bois que sujavam as ruas”, sintetiza.

A par dos chapéus de carreiro, na loja encontram-se hoje também as tradicionais carapuças ou barretes do traje tradicional madeirense. Umas com cores vivas e motivos, que são usadas de forma indistinta, e as de tecido azul, que eram para os bailes e as mulheres que vendem flores.

Localizada no número 233 da Rua de Santa Maria, a fábrica de chapéus fica já numa zona mais alta e afastada do centro de animação. É ainda um pouco mais acima que fica a esplanada e miradouro da Barreirinha, um dos locais mais sossegados e prazenteiros da cidade. Aberto à imensidão da vista sobre o Atlântico, o terraço tem meia dúzia de mesas e cadeiras e é protegido do sol por frondosos plátanos. O serviço é assegurado pelo bar existente no outro lado da rua e o ambiente de sossego e contemplação é reforçado pela presença da Igreja do Socorro, um belo edifício construído no estilo de transição do barroco para o rococó.

É à noite que as coisas animam, pelo que à porta do bar estão afixadas as regras estabelecidas em plenário pela clientela realizado em Setembro último. Aí foi aprovada uma “constituição/código de boa conduta”, que obriga a manter limpo o espaço e não deitar para o chão latas, garrafas ou cigarros

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