“O que é que te impede?” A pergunta do irmão, feita há precisamente um ano, foi o empurrão final. Tinha disponibilidade financeira, a possibilidade de pedir seis meses de licença sem vencimento e no blogue Acordo Fotográfico, criado há dois anos, o mote para uma viagem especial. “Queria, acima de tudo, festejar estes dez anos do autotransplante, celebrar a vida e juntar o facto de ter um blogue que me tem dado imenso prazer alimentar”, conta Sandra Barão Nobre à Fugas. É que desde Dezembro de 2012 que esta portuense anda a fotografar os estranhos que encontra a ler em locais públicos.
“Gosto muito de livros, leio muito, gosto muito desta posição da pessoa estar a ler e sempre me chamou muito a atenção, até tentava espreitar para ver qual era o livro, saber se estava a gostar”, conta a gestora de conteúdos online da livraria Wook. Adicione-se-lhe o interesse pela fotografia, a paixão pelo retrato e a vontade de “quebrar a rotina e conhecer mais pessoas”. Assim nasce o Acordo Fotográfico, numa analogia ao mais polémico ortográfico. Agora Sandra acrescenta um novo capítulo à narrativa: as viagens. Porque, declama na sua página de Facebook as palavras de Paulo Leminski: “Viajar me deixa/ A alma rasa, / Perto de tudo, / Longe de casa”.
Volta ao mundo em leitores
A terra do poeta brasileiro foi precisamente a primeira paragem de um périplo de seis meses por quase todos os países onde se fala português (Guiné-Bissau fica de fora por questões de segurança) e outros tantos do Sudeste Asiático. Se tudo correr conforme planeado, estará agora por Timor-Leste, onde quer comemorar o “décimo aniversário do autotransplante”. Curiosamente o país “onde mais queria chegar”. “Quando se começou a falar de Timor em 1990/1991, tinha acabado de entrar para a faculdade e vivi tudo isso muito intensamente”, recorda. “Parece-me absolutamente incrível que possa ir lá agora”.
De sorriso largo e cara de menina, Sandra confessa ainda ficar “meio vermelhusca” quando aborda os leitores desconhecidos que encontra, mas acredita que não é mais difícil no estrangeiro. Numa viagem a Macau no ano passado (onde regressa agora), fotografou um leitor no Jardim Luís de Camões que não falava português nem inglês. “Foi tudo por gestos, não deve ter percebido para o que era e até hoje não deve saber o que fiz com a fotografia”, recorda a portuense de 41 anos.
Por todo o lado, tem a esperança de encontrar leitores, desde os sítios mais comuns aos lugares mais exóticos. “Quem é que será que posso encontrar a ler no Cambodja? Será que encontro alguém a ler num daqueles templos fabulosos ou perto de um campo de arroz?”, sonha Sandra, embora acredite vir a encontrá-los nos sítios mais prosaicos, como uma paragem de autocarros ou um hostel. O importante é que “contem boas histórias e que sejam pessoas simpáticas”.
Foi o que aconteceu logo num dos primeiros dias da viagem, quando “finalmente” encontrou alguém a ler a obra que “mais queria fotografar”: a Bíblia. Em frente à Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador da Bahia, o taxista Albérico lia “o livro dos livros” enquanto esperava pelo próximo cliente, descreve no blogue. Numa coincidência feliz, o pensamento daquele dia na pagela do Senhor do Bonfim era uma citação de Mark Twain: “A pessoa que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre a pessoa que não sabe ler”.