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Cartagena das Índias, viver para contá-la

A cidade que inspirou um Prémio Nobel da Literatura

Gabriel García Márquez “renasceu” quando pela primeira vez passou as muralhas de Cartagena das Índias. A sua visão inicial intramuros foi a Praça dos Coches onde o Portal de los Dulces se ergue. Foi aí, também, que o pai de Gabo deu asas à sua vocação de poeta no início do século XX, quando era o Portal de los Escribanos. E foi aí que o escritor situou uma cena-chave do seu O Amor nos Tempos de Cólera, inspirado na história dos seus pais — Fermina Daza decide não casar com Florentino Ariza, adiando o amor pelos célebres 51 anos, nove meses e quatro dias. Agora, enquanto se vendem os doces nas arcadas, na porta sob a Torre do Relógio (o caminho primeiro de García Márquez), muros grossos a compor uma galeria, vendem-se revistas e livros — uma turista pergunta por El Amor en Tiempos de Colera; o vendedor pede para esperar, desaparece e surge minutos depois, exemplar debaixo dos braços.

Gabo, como é conhecido por aqui, nunca se refere directamente à cidade, “a mais bela do mundo”, mas ela ecoa pela sua obra, de forma mais literal em dois livros: O Amor em tempos de cólera (século XIX) e Do amor e outros demónios (século XVII). É referida em Viver para contá-la, a sua autobiografia, na qual recorda a sua primeira vez na cidade, “La Heroica”, exclama o condutor da camioneta — “o nome emblemático pelo qual é conhecida Cartagena de Índias pelas suas glórias do passado”, explica o escritor.

Chegou em 1948, fugindo da turbulência política de Bogotá, com quatro pesos e um cigarro no bolso. Desencontros com amigos levam-no à Praça Bolívar, à sombra do Palácio da Inquisição, onde se dispõe a passar a noite, deitado num dos bancos, então de mármore, agora de madeira. Isto até ser abordado pela polícia e levado para a prisão por não estar a cumprir o recolher obrigatório. Contudo, os polícias, vendo como estava fraco, levam-no primeiro a jantar — e parece que já estamos num dos seus romances. Faz, portanto, todo o sentido que o áudio tour La Cartagena de García Márquez (e uma das mais recentes apostas do turismo cartagenero) se chame “Histórias reais e imaginárias” e nos faça transitar entre a Cartagena real, a Cartagena histórica e a “cidade dos vice-reis” que foram a paleta de García Márquez.

Nós começamos no antigo convento das clarissas onde o escritor, então jornalista principiante, deu de caras com Sierva Maria e a sua longa cabeleira acobreada, quando se esvaziavam criptas para a construção do hotel de luxo que é hoje. Passou a ser “marquesinha” de Do amor e outros demónios e a casa do marquês de Valdehoyos tornou-se a casa do marquês de Casalduero, o pai de Sierva Maria — foi também a casa onde pernoitou Símon Bolívar como se lê em O General no seu Labirinto e a casa da mão de Juvenal Urbino, marido de Fermina.

O percurso leva-nos também ao Relato de um Náufrago, com a passagem pelo antigo hospital naval onde García Márquez entrevistou o marinheiro que se tornaria no protagonista da história, publicada ao longo de 14 reportagens que capturaram a imaginação colombiana — e se tornou num dos primeiros exemplos do Novo Jornalismo. Na senda do jornalista, o percurso passa pela antiga redacção do El Universal, “em frente da imensa parede de pedra dourada da Igreja de San Pedro Claver” (parede agora ocupada por vendedores: pinturas, chapéus, óculos…), “velho edifício colonial bordado de remendos republicanos” — uns metros adiante, Gaboinstalou a Escuela para un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Ironia do destino, porque García Márquez até nem queria ser jornalista e foi uma notícia no próprio El Universal que o fez avançar: “Havia uma nota terrificante sobre a minha chegada à cidade, que me comprometia como escritor antes de o ser e como jornalista iminente a menos de 24 horas de ter visto por dentro um jornal pela primeira vez.”

A Igreja de San Pedro Claver, junto ao Museu de Arte Moderna, foi o cenário das primeiras trocas de olhar entre Fermina e Florentino e o local do funeral do marido dela; a alguns quarteirões de distância, a Plaza Fernández de Madrid foi o Parque dos Evangelhos, onde todos os dias Florentino se sentava fingindo ler apenas para ver passar Fermina — que vivia numa casa branca com varanda de madeira perto.

Gabriel García Márquez morreu poucos dias depois de termos calcorreado as ruas da sua Cartagena, numa altura em que já ninguém tinha a certeza se a sua casa, cor de ferrugem, em cima da muralha e de frente para o mar, ainda era sua. Mas ninguém parecia incomodar-se com esse aparente voltar de costas. Todos sabem que Gabonunca saiu verdadeiramente da Colômbia caribeña.

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