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Cartagena das Índias, viver para contá-la

Por Andreia Marques Pereira

Nasceu da água e dela chegaram a prosperidade e a destruição. Depois de despertar a cobiça de saqueadores de tesouros e a chama de contadores de histórias, Cartagena das Índias é hoje o principal destino turístico da Colômbia. No mar das Caraíbas, é um sonho colonial que não desiste de se reinventar.

Garantem-nos que é o melhor pôr do sol da Colômbia. Quem somos nós para nos atrevermos a voltar as costas ao mais bonito pôr do sol? Então cá estamos, uma segunda-feira ao final do dia, a esperar que o sol desapareça nas águas do Mar das Caraíbas. Cá estamos, então, empoleirados nas muralhas de Cartagena das Índias, onde ela dobra o cotovelo da península — o mar azul pardo, bem distante de qualquer sonho caribeño, diante de nós, a cidade colonial a oferecer o seu topo por detrás, paredes coloridas, telhados escuros e cúpulas alvas, e a cidade moderna a subir em prédios altos nos extremos. Estamos no Café del Mar, esplanada no Baluarte de Santo Domingo, com cabina de DJ encaixada numa guarita e o tal pôr do sol acompanhado por um vento abençoado (alísios) nesta cidade tórrida de humidade profunda. E com canhões apontados ao mar.

Os únicos grandes barcos que por ali passam hoje são os cruzeiros ou navios de carga. Mas durante séculos do mar chegavam a prosperidade e a destruição. Todas as riquezas do Novo Mundo passaram por esta cidade costeira no Norte colombiano; muitos corsários e armadas inimigas vieram atrás — se houve, “há” piratas das Caraíbas, muito se ficou a dever a Cartagena das Índias. Renasceu muitas vezes das cinzas e no processo foi-se fechando nas muralhas que a tornam célebre. “Tivemos muitos desastres mas graças a isso hoje temos uma cidade belíssima. Tivemos que fortificá-la”, ouvimos.

Dentro delas — do corralito de piedra, como também é conhecida — é natural imaginar que o tempo não passou e não só quando numa noite de Verão (como são todas aqui) um viajante, numa rua mais escondida e iluminada parcamente por candeeiros de ferro forjado como clarões de pirilampos, escuta o som dos cascos dos cavalos que puxam as vitórias sobre o empedrado histórico. Quase toda a arquitectura é colonial, combinando-se com a republicana e algumas intromissões mais recentes. O resultado é que quase nos sentimos como nos bastidores de um filme de época. De repente poderiam sair caminhando damas e caballeros, soldados e escravos, índios e religiosas; poderia assistir-se ao frenesim da chegada de galeões carregados de tesouros a caminho de Espanha ou de mais um infame navio negreiro; e a cena podia tornar-se de acção com a cidade sitiada, acossada por piratas ou grandes armadas inimigas.

A história de Cartagena das Índias dava vários filmes e dava vários livros. E neste capítulo pode estar descansada, a posteridade nunca vai esquecer os seus séculos de vida, já que foi Cartagena que despertou o realismo mágico que Gabriel García Márquez carregava consigo desde a sua infância em Aracataca. Com o seu misto de histórias e lendas em cenário de conto de fadas tropical, Cartagena que já havia sido cobiçada por saqueadores de tesouros, estava à espera de ser saqueada por um contador de histórias. Agora ostenta o slogan de “a cidade que inspirou um Prémio Nobel da Literatura”.

Labirinto nocturno

Quem sai do avião no aeroporto, vindo de Bogotá, mesmo sendo noite cerrada, tem a sensação de que entrou numa sauna: a roupa cola-se imediatamente ao corpo, como uma segunda pele, redundante. Durante o dia é o sol que nos persegue com inclemência, queimando tudo à sua passagem, fazendo-nos desejar que fôramos sombras, de tal maneira nos queremos fundir com elas. Um inferno tropical feito sonho colonial por espanhóis ávidos de um El Dorado, que acabariam eles por criar, inconscientemente, nesta pequena península de formas caprichosas.

É nocturno, portanto, o nosso primeiro contacto com Cartagena das Índias e não nos queixaremos. A geografia da cidade baralha-se na nossa cabeça — e continuará a baralhar-se — mas nada importa quando depois de uma longa avenida costeira avistamos as muralhas douradas que encerram o centro histórico. Se Gabriel García Márquez precisou de “15 minutos ao acaso pelas curvas das ruelas emendadas do sector colonial”, lê-se em Viver para Contá-la, para descobrir que a cidade nada tinha a ver com “o fóssil enlatado” que descreviam na escola, o visitante actual, por sorte ou infortúnio, dispensa esses minutos. É que Cartagena vista daqui pode parecer um museu, mas é, e isso vê-se automaticamente, um museu vivo feito de personagens espontâneas e multidões de forasteiros. Por isso, a emoção que o Prémio Nobel da Literatura sentiu ao “mal reconhecer na realidade as ficções escolásticas dos livros, já derrotadas pela vida”, é agora um sentimento mais subterrâneo, que nos apanha em momentos de distracção quando não nos deixamos ofuscar pelas luzes daquela que é a mais turística cidade colombiana.

É precisamente durante a noite que é mais natural pressentirmos o nostálgico apelo das glórias passadas, quando nos “perdemos” em ruelas inesperadamente vazias, flanqueadas pelos típicos edifícios coloniais, alguns em abandono, situação precária ou apenas fechados. Há as casonas austeras, com os rés-do-chão organizados em torno de grandes portones de madeira cravejados de “botões” de ferro — símbolos da riqueza da família; e se há moldura de cantaria com brasão acrescente-se o título nobiliárquico —, há as casas de primeiros andares de varandas de madeira, sobretudo, que se penduram sobre a rua. Vemos um edifício alto quase esventrado numa esquina com luzes a sair de umas poucas janelas; imediatamente antes uma casona feita restaurante; na esquina em frente um tapume cobre a fachada do Palácio da Proclamação e anuncia a inauguração em breve do ALMA, Centro Cultural de Bolívar, e na rua seguinte há miúdos que pontapeiam uma bola enquanto os pais conversam à porta de casa. E nisto não andamos muitos metros, rentes às paredes da catedral e numa tangente à Plaza Bolívar.

Estes são assomos, apenas. Nas praças, pracetas e suas franjas, tudo se agita e todo o mundo está na rua ou em restaurantes, bares. À solene Praça da Aduana chega música vinda do terraço de um hotel próximo, mas as pessoas não se detêm em conversas: estão em trânsito. Da tranquila Praça de San Pedro Claver ao caos controlado da Praça dos Coches; da moderação com que se conversa na primeira, em bancos, nas escadas da igreja ou na esplanada de um restaurante elegante, entre estátuas de ferro representando actividades (mais ou menos antigas) da cidade, à vibração caribeña da segunda, espécie de ágora onde famílias passeiam, as esplanadas transbordam e a agitação faz-se ao som da salsa que sai de Donde Fidel, bar icónico da cidade antiga — só comparável, atrevemo-nos, às típicas chivas, autocarros que percorrem a cidade em festa constante de vallenato e champeta.

E se aqui estamos a rasar as muralhas, mergulhando na teia de ruelas acabamos a descobrir a Plaza de Santo Domingo, tutelada pela igreja mais antiga da cidade e coberta de esplanadas que quase engolem uma “gorda” de Botero, languidamente deitada. A pressão dos vendedores de rua sobe, há música ao vivo, son cubano, a sair de um bar onde vemos um casal solitário a rodopiar em salsas e boleros e ao lado o Bourbon Street é um entra-e-sai de gente ao som de outras músicas.

Como prova dos sortilégios de Cartagena, saímos da praça novamente em direcção à muralha e tudo se acalma, quase que adormece. E não vamos por uma rua qualquer, o Callejón de los Estribos é um dos cartazes da cidade — literalmente: surge nas promoções turísticas. Os contrafortes da igreja de Santo Domingo invadem a ruela, tornam-na desafinada e isso ainda acresce ao charme das suas casas coloridas, com grandes janelas e grades de madeira bojudas, com flores a brotar de todos os lados. Num jardim fechado por gradeamento, um homem senta-se, solitário, indiferente a quem passa tirando fotos e exprimindo o desejo de voltar de dia para captar as cores.

De dia é tudo diferente, dizem-nos: mais esplanadas, mais vendedores, mais cor. Esperamos então pelo dia, mas, já o sabemos enquanto olhamos os telhados e cúpulas renascentistas que crescem dentro das muralhas, não esqueceremos o primeiro encontro.

Natureza líquida

Antes de haver cidade, houve a baía, que foi “descoberta” em 1501. Esta foi determinante na fundação da cidade, em 1533, por Pedro de Herédia, a estátua que ainda hoje recebe quem entra na muralha pela porta da Torre do Relógio (obra controversa que acabou por se tornar emblema da cidade e ponto de navegação incontornável para quem por ela circula) para a Praça dos Coches, num local de escassa água potável: garantia uma defesa natural — ou nem tanto, mas lá chegaremos. Na verdade, a baía que até foi eleita uma das mais belas do mundo é, pelo menos para olhos inexperientes, um cruzamento indecifrável de canais, lagunas, ilhas, pântanos, continente e península.

Cruzamo-la duas vezes: uma em direcção a mar alto; a outra para lhe percorrermos as reentrâncias da linha costeira. “É o local mais importante, onde vemos a história da cidade”, afirma Maria de Rocío, a nossa guia. A maioria dos turistas não vem aqui, continua — contudo, é daqui que mais facilmente se percebe a natureza líquida de Cartagena, sua origem e sua condicionante. É do centro da baía, na órbita da estátua da Virgen del Carmen, padroeira dos navegantes e condutores (a cada 50 anos muda de lugar, deixa a coluna que emerge das águas e vai para o topo das muralhas), que melhor se observa o contraste principal da cidade. Bocagrande, na península, onde a cidade cresce em arranha-céus que são hotéis ou habitação num skyline inesperado que mira a baía para um lado e o mar das Caraíbas para o outro, está nos antípodas do aspecto mais compacto do resto de Cartagena à qual está ligada por uma estreita faixa de terra que leva o nome de El Limbo. Depois vem Calamarí (o núcleo original da cidade), Getsnamí e a ilha de Manga; por detrás desta, o continente, onde o Cerro da Popa foi sempre a bússola, desde mar ou desde terra.

A baía foi cenário de grandes combates marítimos e agora por vezes até parece Veneza, mas com dois galeões ancorados ao invés de gôndolas: as réplicas de navios negreiros são restaurantes que soltam as amarras para percorrerem a baía com grupos folclóricos. Nós entramos pelas lagunas entre Getsemaní e La Manga, cruzando as pontes que unem a cidade antiga e a moderna, para descobrir El Albuquerque, uma ilhota-santuário habitada por garças, patos-buzos e pelicanos, que a meio da manhã a rodeiam numa sinfonia ruidosa. Seguimos até avistarmos o castelo de San Felipe de Barajas, a mais imponente fortaleza do Novo Mundo e um dos elementos mais importantes da defesa da cidade, no Cerro de São Lázaro.

A nossa primeira tentativa de o visitar não passou disso mesmo. O meio-dia não é a melhor hora para subir as imensas rampas que trepam o monte e percorrer-lhe os caminhos de ronda: o sol parece queimar tudo em volta — e tudo em volta é uma ausência total de sombra. Buscamos os túneis onde somos quase toupeiras espreitando a cidade de vários ângulos até sairmos na Praça de Armas, no topo: vista de Cartagena das Índias, do centro histórico aos bairros mais populares.

A vista do castelo é ultrapassada pela do Cerro da Popa, o ponto mais alto da cidade e única elevação nas redondezas. Visto de baixo é uma mancha branca, que se ilumina à noite; visto lá em cima, a mancha branca tem cantaria que faz a igreja e convento da Ordem dos Agostinhos Recoletos, construídos no início do século XVII e onde se venera a Nossa Senhora da Candelária, padroeira de Cartagena. A virgem mulata representada numa pintura colonial exposta num retábulo de ouro colombiano veio substituir Buziriaco, uma deidade com aparência de bode que os indígenas e os escravos adoravam no local — celebra-se a 2 de Fevereiro, quando esta desce à cidade carregada em ombros por voluntários que se vão revezando num grande “Carnaval católico”, compara Jorge Eliecer, ele próprio várias vezes participante. É neste espaço de venerações que novamente miramos a cidade, avistando, a nascente, uma cadeia de bairros, mar de casas precárias de madeira que compõem o outro lado do cerro, mas sem nunca perder de vista a baía, “acompanhando o percurso que faziam os piratas”.

Destino fabuloso

E voltamos à capa e espada que foi também a história de Cartagena das Índias e lhe determinou o destino. Começou fabuloso, na verdade, recheado de riquezas. E, portanto, foi um destino sempre acossado. O primeiro ataque aconteceu quando a cidade tinha dez anos e teve a assinatura francesa — ao longo do século XVI aconteceram em catadupa, incluindo do famoso Francis Drake, ao serviço de sua majestade Isabel I de Inglaterra. Ainda hoje é um nome maldito e conta-se que uma das paredes da catedral ainda guarda a bala de canhão com que ele destruiu a sua torre. O problema de defesa da cidade não pôde ser mais iludido e começou, então, a construção de fortes em pontos estratégicos da baía — hoje são restaurantes, pontos turísticos, residências oficiais em inesperados estilos gótico, renascentista, neoclássico. A pressão dos governadores levou Filipe II de Espanha a tomar a decisão de amuralhar a cidade e, menos de um século após a sua fundação, Cartagena das Índias já era o corralito de piedra — e já se tinha expandido além da cidade primitiva (com os bairros de Calamarí e San Diego) para a ilha vizinha de Getsnamí, arrabalde de escravos, que também foi fortificada.

Foi também nas primeiras décadas do século XVII que se construíram os principais edifícios institucionais e religiosos da cidade, os mesmos que podemos ver ainda hoje, alguns com as suas funções originais. A alcadía continua a funcionar na Casa de la Aduana original e continua a incorporar na sua estrutura rente à muralha uma porta para a cidade. Pelo contrário, o Palácio da Inquisição é hoje um museu e a sua presença foi sempre tão sombria que a Plaza Mayor de Cartagena nunca teve o simbolismo de outras plazas mayores e hoje é a Praça Bolívar.

No século XIX, Cartagena teve a primeira época de decadência, na sequência da declaração de independência, em 1811, que foi o sinal de emancipação para o resto da colónia da Nova Granada. A Cartagena pós-colonial, depois de anos de lutas, contra Espanha e civis, viu-se com população dizimada, sem dirigentes, empobrecida, com os seus edifícios e fortificações arruinados e sem a importância comercial de que sempre havia gozado nas Caraíbas. Só mais para o final do século volta a dinamizar-se e a modernizar-se. E como aconteceu em muitas cidades as muralhas foram vistas como um factor negativo nesse processo — dos cerca de 11 quilómetros originais restam os oito que hoje vemos.

Foi, porém, uma altura de algum fulgor arquitectónico, com a introdução do estilo republicano — uma linguagem ecléctica, afrancesada, chegada nos primeiros anos da república — que passou a ombrear com o estilo colonial. Isto dentro da muralha; extra-muros, a cidade continuou a expansão e o estilo republicano ficou especialmente plasmado na ilha de La Manga. É aqui que estão as grandes mansões da cidade e a Casa Román, estilo neo-mudéjar que faz parte dos roteiros turísticos — nós fizemos o desvio para passar-lhe à frente.

Actualmente, é o Norte da cidade o de maior fulgor expansionista, desta feita já não virado à baía-fortaleza, mas acompanhando o Mar das Caraíbas. É uma linha quase ininterrupta de praias, ainda que por vezes o areal esteja eclipsado pelas marés que trazem a água até às estradas — não importa quantos cordões de rochas se coloquem. Marbella, Boquilla, Manzanillo são das praias mais populares, acompanhando bairros residenciais entre os quais já se imiscuem hotéis e onde se está a construir um túnel sob os areais para facilitar o acesso ao centro. Afinal, Cartagena das Índias é o principal destino turístico da Colômbia, o que acaba por ser uma reforma dourada para A Heróica.

Graça divina

Em 1940 o centro histórico da cidade foi declarado Monumento Nacional (Património Mundial da UNESCO desde 1984) e desde então todas as intervenções aqui têm de ser aprovadas pelo governo. E assim chega até nós Cartagena das Índias que amuralha os turistas e vive num ziguezague dentro e fora de muros. Afinal, aqui funcionam os órgãos de governação da cidade e várias repartições públicas, colégios e universidades, que se instalaram em edifícios históricos, há sedes bancos, empresas e comércio — ainda que a maior parte da população viva fora das muralhas. Pelas razões óbvias da falta de espaço, mas também pela comodidade (os carros não podem transitar) e pela inflação imobiliária. Assim, muitos dos seus edifícios mais emblemáticos, como casonas e conventos, foram transformados em hotéis — antes a moda era dos boutique, agora é dos spa — que representam a casa senhorial-modelo: grande portão a abrir para saguão que conduz ao pátio interno (pode ser mais que um), rodeado de varandas de madeira e arcadas e com cisterna ao centro. “Quem vive aqui são pessoas que têm as casas há muito tempo”, em resumo.

Nós percorremos a ruas que se entrelaçam indisciplinadas, como um labirinto colorido que é uma das imagens de marca da cidade. É que, fora de muros, Cartagena até pode ser “branca”, mas entre portas é “crioula”: azul celeste, rosa, cor de vinho, laranja, lilás, amarelo — e ao colorido das fachadas é ainda preciso acrescentar os arco-íris floridos. Buganvílias, sobretudo (“Um mesmo pé pode ter várias cores, rosa, laranja, branco”), campânulas também, que caem de telhados, trepam paredes, pendem de varandas. E estas, de madeira ou de pedra (juntamente com as cornijas), são as que nos fazem andar quase sempre de cabeça no ar. Observamos a (des)harmonia com que transitam de casa para casa, num coro desafinado que encanta nesta redoma arquitectónica que é uma máquina do tempo em sublevação. Quando baixamos os olhos, para os rés-do-chão que continuam a cumprir a sua vocação primeira, o comércio, sobressaem a quantidade de concept stores, lojas gourmet, delicatessen, joalharias, restaurantes de design irrepreensivelmente contemporâneo, com a patine vintage e retro que aqui parece obter-se sem esforço.

Pelas pracetas, arborizadas ou não, continuam os cartageneros a instalar-se sobretudo a partir do final do dia. Os vendedores ambulantes, uma instituição e parte importante da economia informal da cidade, são uma constante. Sumos, frutas, doces, artesanato, chapéus. Não têm de ser as famosas palenqueras (palenque refere-se a povoações fundadas por escravos fugidos) com os seus trajes típicos e cestas na cabeça, que se oferecem para tirar fotos e depois estendem a mão a pedir la plata; porém, pode ter-se a certeza de que elas se encontram na zona de La Bóvedas, antigo armazém de munições e prisão convertido numa espécie de centro comercial de artesanato em lojas fundas debaixo de arcadas, e no Portal de los Dulces, a que Gabriel García Márquez chamava “o último coração activo da cidade desde as suas origens”. Começou por ser o Portal de los Mercaderes e na praça diante (de los Coches) realizava-se o mercado de escravos; foi Portal de los Escribanos porque aqui se escreviam cartas e documentos para os analfabetos e agora é mercado de doces, bancas debaixo de arcadas onde se encontram os piononos, ajonjolí, cabellitos de ángel, maná de leche…

É aqui que a magia de Cartagena continua a concentrar-se no mesmo local onde há mais de seis décadas Gabriel García Márquez foi atingido por ela. “(...) Algo da sua graça divina devia restar à cidade porque me bastou dar um passo dentro da muralha para vê-la em toda a sua grandeza à luz malva das seis da tarde e não pude reprimir o sentimento de ter voltado a nascer.”

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